Sábado, 02 de maio de 2020


(At 9,31-42; Sl 115[116b]; Jo 6,60-69) 
3ª Semana da Páscoa.

“Simão Pedro respondeu: ‘A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna’” Jo 6,68.

“A quem iremos nós? Tu tens palavras de vida eterna. Quando respondeu assim a Jesus, depois do discurso, Pedro formula sua experiência, mas também, eu acredito, a de cada crente. Não mais do que ele, nós não entendemos bem as palavras de Jesus. Elas permanecerão sempre duras para nossa compreensão. Porém, poderíamos dizer: sem elas a vida não tem sentido para mim. Tuas palavras despertaram em mim uma novidade que jamais conheceria sem ti. Ela é essencial a mim que jamais a negaria, mesmo separado de ti. Quem crê, fala como quem ama: ‘Tu me fazes falta’ – no sentido em que é igualmente impossível ‘apossar-se’ de Jesus e ser autêntico sem ele. Ele não poderá mais reter Deus, fazer de Deus sua propriedade, possuí-lo, consentir em separar-se. Por fidelidade ele consagra à novidade. Não saberia identificar Deus com aquilo que conhece, com a sociedade onde vive, com um momento de sua experiência (por mais profunda que seja), com um sistema intelectual, com o destino de uma classe social ou de uma cultura. A cada passo novo, dependerá renunciar à idolatria, a dizer a Deus: Eu te restrinjo a isto, tu não és senão isto, ou a dizer: eu paro aí, continue sem mim. Jesus vai para outras cidades e as três pequeninas palavras chaves do crente – ‘nada sem ti’ – o arrastam além dos primeiros sinais de sua fidelidade. Para dizer a verdade, enunciam menos comportamentos individuais que o novo relacionamento instaurado entre os homens pelo relacionamento de Jesus com seu Pai e conosco. Esta é a verdade de Deus tal qual revela a Encarnação: ele não pode viver sem vós. E Jesus, homem como nós, nada diz e nada faz sem seu pai. O que, porém, aprendemos de sua comunicação com o Pai, se traduz na sua convivência com os discípulos. Não fala mais sem eles que serão suas testemunhas, que dirão e farão, declara ele, outras coisas além das que ele fez, mas nada sem ele. Numa perspectiva mais ampla, toda história humana carece de sua obra individual. Neste mesmo sentido S. Paulo diz que seus sofrimentos pessoais completam a Paixão do Cristo que abre um mistério em nossa história: Deus só se pode revelar através dele. Inicia-se um imenso processo que faz de toda a história a articulação de duas afirmativas contidas no testamento de Jesus: Eu nada posso sem ti, Pai – Minha obra é impossível sem vós, irmãos, isto é, sem a Igreja, sem o futuro imprevisível dos homens. Assim, de próximo, se efetivam as aventuras da caridade, fundada sobre a mesma fé elas dão à novidade uma estrutura comunitária, da qual a Igreja e cada comunidade particular são o sinal. Cada membro diferente dos outros, lhes é necessário em nome da fidelidade a alguém, que é Deus. Isto se repete entre gerações, entre culturas, nas grandes áreas científicas ou sociais constituídas pelo progresso da história” (M. de Certeau – Fêtes et Saisons – Ed. Beneditina Ltda.)

Santo do dia:
Santa Atanásio, bispo e doutor da Igreja. Nascido em Alexandria do Egito em 295, é a figura mais dramática e desconcertante da galeria dos Padres da Igreja. Obstinado defensor da ortodoxia durante a grande crise araina, imediatamente após o concílio de Nicéia, pagou a sua heroica resistência à heresia com cinco exílios que lhe foram impostos pelos imperadores Constantino, Constâncio, Juliano e Valente. Ário, um sacerdote proveniente da própria Igreja de Alexandria, negando a igualdade substancial entre o Pai e o Filho, ameaçava ruir as estruturas do cristianismo.  Foi elevado bispo de Alexandria aos trinta e três anos. Passou os dois últimos exílios no deserto, junto com seus amigos monges, estes simpáticos anárquicos da vida cristã, que embora fujam das normais estruturas das organizações sociais e eclesiásticas, se dão bem na companhia de um bispo autoritário e intransigente como Atanásio. Durante as numerosas e involuntárias peregrinações esteve também no Ocidente, em Roma e em Treveris, onde fez conhecer a vida monacal do Egito, como um estado de vida organizado de um modo original no deserto, apresentando o monge ideal, na sugestiva figura de um anacoreta (asceta, eremita), santo Antão, cuja célebre vida escrita por ele, pode ser considerada como um manifesto da vida monástica.  

Pe. João Bosco Vieira Leite