4º Domingo da Quaresma – Ano C

(Js 5,9a.10-12; Sl 33[34]; 2Cor 5,17-21; Lc 15. 1-3.11-32)
1. Enquanto a celebração no seu todo nos convida a alegrar-nos pela proximidade da Festa da Páscoa, a liturgia da Palavra inicia com a memória da celebração da Páscoa na entrada da terra prometida, uma referência à pascoa do Egito e ao mesmo tempo de gratidão a Deus que os trouxe até aqui, referendado pelo salmo que segue.

2. Numas poucas vezes, a 2ª leitura tem mais a ver com o evangelho que a primeira. Paulo nos fala da reconciliação nossa com Deus que se dá em Cristo Jesus, que assumiu a nossa condição, sofrendo as nossas culpas em sua solidariedade.

3. Paulo é porta voz dessa oferta de reconciliação que em Jesus Deus nos traz, acolher essa proposta é encaminhar-se para a condição de nova criatura, de um novo tempo, como veremos na parábola que se segue.

4. A liturgia nos conserva os versículos iniciais do capítulo 15 de Lucas para que tenhamos presente os motivos de tal parábola contada por Jesus, deixando claro a possibilidade do reencontro ou do desencontro com Deus a partir dessa nova dinâmica apresentada por Jesus.

5. É certo que o filho mais novo não é aqui o protagonista, mas é ele que nos permite conhecer os sentimentos do pai e do irmão mais velho, para entendermos o Deus de Jesus e que posição ocupamos em sua presença.

6. O texto permite perceber como o pecado destrói a nossa relação com Deus, com os outros e o mal gerado a si mesmo. Jesus não tira a razão dos que O criticam, mas revela-lhes quem Deus em Sua essência e como age para conosco.

7. Com a palavra ‘compaixão’, se descreve a emoção interior que move esse pai e se mistura a uma alegria indescritível que o faz agir de maneira rápida, sem julgamentos, porque ama. Mesmo que o nosso coração nos recrimine, dirá João em sua 1ª Carta, diante de Deus devemos permanecer sem temor. Onde há amor não há temor.

8. O que não quer dizer permanecer no pecado. A reconciliação com Deus deve nos levar a uma comunhão sempre maior com Ele e com o outro. E que sejamos capazes de imitar a sua misericórdia, como ouviremos em outras parábolas.

9. Se Paulo nos convida a essa reconciliação com Deus, ela nos faz seus embaixadores, que desejemos também nós esse retorno de todos à comunhão com Deus.

10. “E isto também numa sociedade cada vez menos fraterna e cada vez mais orientada para uma concorrência que premeia os fortes mas também os mais abusadores, cada vez mais determinada pela meritocracia, que condena à marginalização os socialmente débeis e, sob a aparência de legalidade, esconde na realidade a injustiça do privilégio e a vergonha da corrupção” (Giuseppe Casarin –Lecionário Comentado [Quaresma – Páscoa] – Paulus).  

Pe. João Bosco Vieira Leite

Sábado, 30 de março de 2019


(Os 6,1-6; Sl 50[51]; Lc 18,9-14) 
3ª Semana da Quaresma.

“O fariseu, de pé, rezava assim em seu íntimo: ‘Ó Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens, ladrões, desonestos, adúlteros, nem como este cobrador de impostos’” Lc 18,11.

“Deus nada nos deve. Na ordem da salvação nada se pode reclamar dele. É o que ressaltava Lucas 17,7-10, a parábola do servidor servente. A parábola de Lucas 18,9-14 vem denunciar uma outra atitude que ameaça os crentes. Não é uma atitude de reclamação, mas de suficiência. Não a de querer apresentar contas a Deus, mas de querer passar sem ele na ordem da salvação. Enquanto a parábola de Lucas 17 falava de recompensa da justiça, a de Lucas 18 fala da aquisição da justiça. O fariseu que ela põe em cena não se comporta como se Deus lhe devesse alguma coisa, mas, ao contrário, como se ele nada devesse a Deus. O servidor de Lucas 17, sublinhava a parábola, não poderia estimar que seus serviços e boas obras lhe conferiam direitos a uma recompensa. O fariseu de Lucas 18 se detém em uma etapa anterior, considerando-se simplesmente satisfeito com suas boas obras: ele faz não só ‘o que está prescrito’, para retomar a fórmula de 17,9, porém ainda mais. E se comporta como se devesse sua justiça a si mesmo. Sem dúvida, começa a dar graças a Deus, mas isso só faz servir de introdução à nomenclatura de suas performances espirituais. No fundo, esse homem se basta a si mesmo, pode tornar-se justo sem Deus. De certo modo, ele se substituiu a Deus; nesse sentido, pôs sua confiança em si mesmo (segundo a tradução de Lucas 18,9 que adotamos), em vez de pô-la em Deus. O publicano, ao contrário, nada tem a fazer valer diante de Deus: só pode assim entregar-se a ele: ‘Tem piedade de mim, pecador’. Não contente de tomar o lugar de Deus e só confiando em si mesmo na aquisição da justiça, o fariseu o faz ainda julgando os outros: ‘eu não sou como os outros, rapaces, injustos, devassos’. A narrativa vem justamente sublinhar no final a distância entre o julgamento do fariseu e o de Deus. A vida espiritual, para exprimir as coisas em termos que são mais nosso do que do próprio Lucas, não poderia ser vivida como uma relação de ‘toma lá, dá cá’, que faz esperar de Deus a salvação como um direito. Mas tampouco poderia ser vivida como se dependesse pura e simplesmente do empreendimento privado, como uma tarefa de performance pessoal em que o crente poderia levar a barca sozinho. ‘Tudo é graça’, não só no termo da aventura espiritual, mas também em seus desempenhos” (Michel Gourgues – As Parábolas de Lucas – Loyola). 

Pe. João Bosco Vieira Leite

Sexta, 29 de março de 2019


(Os 14,2-10; Sl 80[81]; Mc 12,28-34) 
3ª Semana da Quaresma.

“O segundo mandamento é: amarás o teu próximo com a ti mesmo!
Não existe outro mandamento maior do que estes” Mc 12,31.

“Amar você não significa que deixo de amar a mim mesmo. Ao contrário: a ideia de que não posso amar você a não ser que ame a mim mesmo é aceita por todos os psicólogos. Os que não amam a si mesmos são tristes, atormentados por uma sensação constante de vazio que estão sempre procurando preencher. Como uma pessoa com terrível dor de dentes, só conseguem pensar em si mesmos e estão constantemente à procura de um dentista, de alguém que os faça sentir-se melhor. Quando não amo a mim mesmo, só consigo usar os outros; não consigo amá-los.  Meu amor por você nunca pode ser uma renúncia a meu próprio eu. Posso dar minha vida por você em nome do amor, mas nunca poderia negar minha identidade enquanto pessoa. Tentarei ser o que você precisa que eu seja, fazer o que você precisa que eu faça, dizer tudo quanto você precisa ouvir. Ao mesmo tempo, estou comprometido com uma relação honesta e aberta. Como parte de minha dádiva de amor, os meus pensamentos, minhas prioridades e todos os meus sentimentos serão sempre seus. Quando estamos comprometidos com uma honestidade total e uma abertura completa, nossa relação amorosa nunca se torna sufocante, marcada por encontros clandestinos, ressentimentos reprimidos, emoções deslocadas revelando com atitudes adolescentes aquilo que não temos coragem de dizer abertamente. A não ser que concordemos em honrar a honestidade e a abertura, nunca estaremos seguros a respeito um do outro. Nossas relações se parecerão mais com uma farsa do que com o verdadeiro tecido da vida” (John Powell, SJ – As Estações do Coração – Loyola).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Quinta, 28 de março de 2019


(Jr 7,23-28; Sl 94[95]; Lc 11,14-23) 
3ª Semana da Quaresma.

“Mas, conhecendo seus pensamentos, Jesus disse-lhes: ‘Todo reino dividido contra si mesmo será destruído; e cairá uma casa por cima da outra’” Lc 11,17.

“O evangelista narra a expulsão do demônio (que era) mudo. Depois da expulsão o mudo fala e aí começa a reação diante de um fato tão estupendo. A multidão admira-se com o feito, não só porque sempre anda em busca de sensacionalismo, mas também porque se sente realmente tocada pelos gestos e palavras de Jesus. Este homem, que passa fazendo o bem, conquista os corações ao devolver a dignidade às pessoas. Estes, maravilhados, aceitam e acreditam em Jesus, reconhecendo que tem uma força extraordinária. Por outro lado, estão aqueles que não acreditam e atribuem seu poder a belzebu, o chefe dos demônios. Ainda há um terceiro grupo que lhe pede um ‘sinal’ do céu. Os escribas não sabem explicar para os demais de onde provem a força e a autoridade de Jesus ou se negam a reconhece-la para não perder os privilégios de mestres e letrados. Sentem-se amedrontados, e inquietos diante de alguém que pode lhes questionar a liderança, o que é uma verdadeira ameaça. Jesus argui os doutores e lhes pergunta quem autoriza a seus discípulos de expulsar demônios. Não há resposta! Mas Jesus, com sua autoridade, diz que, sob o poder de Deus, expulsa demônios, sinal evidente de que o Reino de Deus chegara, para libertar todos que estavam escravizados pelo poder do mal. Atualizando esta mensagem para nós hoje, vejamos em que situação nos encontramos diante de Jesus: maravilhados com seu poder de servir à vida ou fechados no preconceito e na falta de aceitação, impedindo o diálogo e rompendo a união da comunidade. Sigamos a Jesus, rejeitando o demônio mudo para termos a alegria, a paz e a justiça do Reino que Ele nos traz. – Senhor da paz e da luz, dá-nos a sabedoria necessária para reconhecermos as sementes de libertação que estão presentes em nossa sociedade, mesmo que não tenham sido semeadas por nossos irmãos cristãos (Magda Brasileiro – Meditações para o dia a dia [2015] – Vozes). 

Pe. João Bosco Vieira Leite


Quarta, 27 de março de 2019


(Dt 4,1.5-9; Sl 147[147B]; Mt 5,17-19) 
3ª Semana da Quaresma.

“Em verdade eu vos digo, antes que o céu e a terra deixem de existir, nem uma só letra ou virgula serão tiradas da lei, sem que tudo que cumpra” Mt 5,18.

“A Lei de Deus continua valendo para os dias de hoje? Sim, continua. Ela, com toda a sua dureza, tem demonstrado o que na realidade cada um de nós é, a saber, pecador. Sim, como um espelho que mostra se nosso ser está limpo, se estamos penteados ou não, assim a Lei, os Dez mandamentos nos mostram tudo quanto fazemos de errado através das palavras, pensamentos, ações e até mesmo omissões. E esta Lei afirma que o salário do pecado é a morte (Rm 6,23), isto é, que o pecado condena o ser humano. E esta Lei continuará existindo enquanto céu e terra existirem, isto é, até o dia do grande julgamento. Se tudo o que a Bíblia revela terminasse por aqui, ai de nós. Contudo, graças à misericórdia divina, Deus enviou seu Filho, o Salvador Jesus, para que cumprisse toda a Lei em nosso lugar e ainda pagasse o preço de nossa salvação dando sua vida em nosso favor na cruz. E para selar este presente, ao terceiro dia, na Páscoa, ele ressuscitou, garantindo a todo o que nele crê, mesmo que venha a morrer, que ressuscitará para vida sem fim no céu. Que bom que você e eu conhecemos esta verdade que salva. Graças a ela, a Lei para nós hoje, como cristãos, serve como norma de vida. Sim, a gente se esforça para cumpri-la, e não para recebermos como recompensa o perdão. Cristo já nos conquistou o perdão e ele é nosso pela fé. É em resposta ao seu amor que buscamos viver, como seus filhos, uma vida regrada seguindo os seus mandamentos. Que nós possamos sempre, com alegria e gratidão ao Senhor que nos salvou, ter sua Palavra como uma lâmpada para os nossos pés e uma luz para os nossos caminhos. Amém. – Senhor, embora minha natureza corrompida não goste muito de tua Lei, a nova criatura que sou, graças ao poder do Espírito Santo que operou em mim a fé, ama a tua Lei e tem nela prazer. Ajuda-me a seguir teus mandamentos por amor a ti que me amaste primeiro. Amém (Egon Martim Seibert – Meditações para o dia a dia [2017] – Vozes).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Terça, 26 de março de 2019


(Dn 3,25.34-43; Sl 24[25]; Mt 18,21-35) 
3ª Semana da Quaresma.

“Jesus respondeu: ‘Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete’” Mt 18,22.

“A Bíblia está cheia de perdão. Quando lemos a história do povo de Deus, podemos fazer uma avaliação de tantas quedas, falhas, erros e lá estava Deus perdoando, e, levantava o povo, recomeçava nova vida até uma nova recaída. Deus nos criou com muito amor e não quer que nos percamos. Deus nos amou ao ponto de enviar o seu filho para nos salvar. Esse Deus que venceu a morte na cruz, perdoando a todas as pessoas que lhe fizeram tanto mal, está hoje a nos perdoar também. Hoje, Deus não se cansa de nos proteger, apesar de nosso pecado. Esse Deus é um Deus de perdão porque nos ama. Ele nos mandou e manda profetas para pregar o arrependimento, para trazer pessoas aos pés de Cristo. Quantas vezes temos errado, quantas vezes temos pecado contra esse Deus de amor? Sete? Setenta? Setecentas? Perdemos a conta. Não sabemos contar os nossos pecados e consequentemente quantas vezes fomos perdoados por esse Deus. Se Deus é tão paciente em nos perdoar, por que é tão difícil nós perdoarmos aos que nos fazem mal? – Obrigado, Jesus, pelo sacrifício na cruz e pelo teu perdão constante. Amém (Martinho Lutero e Iracy Dourado Hoffmann – Graças a Deus [1995] – Vozes).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Segunda, 25 de março de 2019


(Is 7,10-14;8,10; Sl 39[40]; Hb 10,4-10; Lc 1,26-38) 
Anunciação do Senhor.

“Pois bem, o próprio Senhor vos dará um sinal. Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e lhe porá o nome de Emanuel” Is 7,14.

“Na cena da Anunciação, Maria é chamada ‘virgem’. E o nascimento de Jesus é descrito como nascimento virginal. Para interpretar isso, os exegetas e os teólogos já conjeturaram muita coisa. O tema de um santo que vem a este mundo por um nascimento virginal era conhecido tanto em círculos judaicos como em tradições helenistas e egípcias. [...] Lucas, pois, empregou de um lado tradições judaicas, de outro respondeu também às aspirações dos gregos. Com sua narrativa da Anunciação ele soube tornar compreensível a virgindade da mãe do Messias, a grandeza do Messias como Filho de Deus, a sua realeza eterna e a sua geração pelo Espírito Santo [...]. Ele apanhou as diversas correntes religiosas e, com essas tradições como pano de fundo, formulou a mensagem do mistério de Jesus de tal maneira que pessoas de todas as culturas religiosas pudessem entender que, em Jesus, Deus lhes havia concedido. Lucas, porém, combina esses temas mitológicos com o tema humano da fé confiante, descrita por ele em Maria. Maria se deixa convencer pelo anjo. Ela se assusta, sim, com a maneira como o anjo a trata, mas não se fecha; ela reflete sobre aquilo que o anjo, afinal, quer dizer. O anjo lhe anuncia que ela conceberá um filho, que será chamado ‘Filho do Altíssimo’. No judaísmo helenístico gostava-se de chamar a Deus de ‘Altíssimo’. O anjo explica a Maria como a Conceição há de acontecer: ‘O Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra (Lc 1,35). O próprio Espírito Santo há de fecundar essa virgem. Isso não apenas esclarecesse o nascimento virginal de Jesus, mas é também uma imagem para nossa vida. O fruto mais preciosos que possamos produzir não vem de nós mesmos, e não vem tampouco da fecundação por outra pessoa - ele é gerado pelo Espírito Santo. Assim Maria, a mulher que crê, é o modelo dos cristãos. Também em nós Deus quer criar algo novo por seu santo Espírito. Não podemos ter de nós mesmos uma ideia pequena demais. Como Maria, devemos confiar que Deus pode efetuar grandes coisas em nós, e de dentro de nós. ‘Pois para Deus nada é impossível’ (Lc 1,37). Nisto consiste a fé verdadeira: que não coloquemos limites a Deus. Para Deus nada é impossível. Também a nós escolhe exatamente na nossa fraqueza e na nossa limitação, a fim de executar, por meio de nós, sua obra de salvação e de cura neste mundo. O Cristo quer tomar forma também em nós. Mas o pressuposto é que digamos, como Maria: ‘Eis o(a) servo(a) do Senhor; aconteça comigo conforme disseste’ (Lc 1,38)” (Anselm Grun – Jesus modelo do ser humano – Loyola).     

Pe. João Bosco Vieira Leite

3º Domingo da Quaresma – Ano C

 (Ex 3,1-8a.13-15; Sl 102[103]; 1Cor 10,1-6.10.12).
1. Nossa liturgia se abre com essa lembrança de dois fatos: a manifestação de Deus a Moisés através de uma sarça ardente e o nome de Deus: ‘Eu sou’. Só esses dois elementos nos seria suficientes para pensar e meditar, mas o que se segue é ainda mais importante: a missão de Moisés, o que ele é chamado a ser.

2. Deus o requisita para ajudar a libertar o seu povo, mostrando que Ele não esqueceu aqueles que um dia chamou a ser um povo, o povo de Deus, por isso o nosso salmo faz uma recordação do agir de Deus: que liberta da opressão, que se compadece, que perdoa.

3. Paulo também faz memória de como foi o agir desse povo salvo por Deus, das suas infidelidades. Sua história foi conservada e meditada para que não façamos o mesmo. Que ninguém se iluda com o simples fato de ser cristão, a conversão sempre foi uma constante e um desafio para o ser humano em qualquer religião.

4. É essa questão da conversão que está no coração do nosso evangelho, pois esta requer uma reorientação do coração, da própria vida, pois em Jesus, Deus veio e vem ao nosso encontro. 

5. O novo ano já conseguiu bater recordes de desastres e mortes. Diante dos fatos que lhe trazem e que já conhece, Jesus deixa claro que o que aconteceu a essas pessoas não é um castigo divino, as razões são inúmeras.

6. A pergunta que se faz é: na nossa existência, situações como essas podem nos surpreender, como estará então, nossa relação com Deus, que fizemos da nossa vida? Nossa existência, misturada a dos demais, porta consigo algum diferencial?

7. É importante esse rememorar não só para tomarmos pé de onde estamos em nossa caminhada, mas também da nossa própria dignidade. Nessa memória, para quem crê, está também o nosso relacionamento com Deus.

8. Quantas vezes fomos visitados por Ele? Como tem sido a nossa resposta? Essa capacidade de reconhecer a gratuidade divina que insiste conosco e sua misericórdia manifestada no Filho deve nos levar, ou deveria, a uma mudança de atitude.

9. A conversão deve nos levar a uma sintonização com o coração de Deus, que por sua vez redireciona o nosso agir. Podemos ser vítimas de situações ‘n’ nesse mundo, mas nunca seremos esquecidos no coração de Deus.  

Pe. João Bosco Vieira Leite 

Sábado, 23 de março de 2019


(Mq 7,14-15.18-20; Sl 102[103]; Lc 15,1-3.11-32) 
2ª Semana da Quaresma.

“Então ele partiu e voltou para seu pai. Quando ainda estava longe, seu pai o avistou 
e sentiu compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o e cobriu de beijos” Lc 15,20.

“Os sentimentos que eu gostaria de ter na hora da minha morte são os que tenho atualmente: pensar que eu vou descobrir a Ternura. É impossível que Deus me decepcione, a simples hipótese é monstruosa! Eu irei a ele e dir-lhe-ei: não me prevaleço de nada a não ser de ter acreditado em tua bondade. Aqui está, de fato, a minha força, toda a minha força. Se esta força me abandonasse, se esta confiança no amor me deixasse, tudo estaria acabado, porque não tenho a consciência de valer sobrenaturalmente coisa alguma; e se é preciso ser digno da felicidade para possuí-la, seria melhor renunciar a ela. Mas, quanto mais eu avanço em idade, tanto mais vejo que tenho razão meu Pai como a ‘Indulgência infinita’. E que os mestres da vida espiritual digam o que quiserem, falem de justiça, de exigências, de temores; para mim, o meu juiz é aquele que todos os dias subia à torre e olhava ao longe para ver se o filho pródigo voltava para ele. Quem não gostaria de ser julgado por ele? São João escreveu: aquele que teme ainda não é perfeito no amor (1Jo 4,18). Eu não tenho medo de Deus, não tanto porque O amo, mas porque sei que sou amado por Ele. E não sinto necessidade de perguntar por que meu Pai me ama ou o que é que ele ama em mim. Eu ficaria, aliás, muito embaraçado para responder; seria mesmo até incapaz de responder. Ele me ama porque é amor, e basta que eu aceite ser amado por ele para sê-lo efetivamente. Mas é preciso que eu faça esse gesto pessoal de aceitar. Isso é exigido pela dignidade, pela própria beleza do amor. . amor não se impõe, mas se oferece. Ó meu Pai, obrigado por me amar! E não sou eu que vos gritaria que sou indigno! Em todo caso, amar-me tal como eu sou, o que é digno de vós, digno do amor essencial, digno do amor essencialmente gratuito! Como este pensamento me encanta! Eis-me ao abrigo dos escrúpulos, da falsa humildade desanimadora, da tristeza espiritual. As pessoas pensam habitualmente demais em si mesmas e não bastante nele. Há infelizes teólogos que parecem ter medo (sem confessá-lo) de mostrar um Deus muito bom – isto é, muito belo. ‘Ele é bom, mas não é fraco’, dizem eles. Mas uma bondade que não vai até uma certa fraqueza (aquilo que a dureza do nosso coração chama de fraqueza) é a bondade daquele que tem medo de encorajar os mendigos à preguiça e calcula sua esmola. Como meu Pai é maior e mais belo quando ele é fraco por amor! A cruz me dá razão” (A. Valesin - La Joie dans la Foi – Aubier, Paris 1955).  

Pe. João Bosco Vieira Leite

Sexta, 22 de março de 2019


(Gn 37,4-3.12-13.17-28; Sl 104[105]; Mt 21,33-43.45-46) 
2ª Semana da Quaresma.

“Procuravam prendê-lo, mas ficaram com medo das multidões, pois elas consideravam Jesus um profeta” Mt 21,46.

“O Salvador Jesus encontrava-se no Templo, ensinando o povo através de parábolas. Através da que se encontra em nosso contexto, Ele demonstrou que o povo de Israel, por causa do desprezo para com Ele, a pedra rejeitada e o filho do dono da vinha que é Deus Pai, deixaria de ser o povo do Senhor. Estas, sem dúvida, são palavras duras. São Lei, e a Lei serve para que o pecador reconheça seus pecados e se arrependa. Caso isso não aconteça, a Lei o condenará. Entre as pessoas que ouviam os ensinamentos de Jesus encontravam-se fariseus, homens que se separavam das demais pessoas para se dedicarem ao estudo da Lei e ao cultivo das tradições orais que, muitas vezes, tinham para eles maior valor que a própria Lei. Pois bem, ao ouvirem Jesus falar nestas coisas, eles pensaram em prendê-lo para tirar-lhe a vida. Contudo, por terem medo da multidão que o considerava profeta, desistiram de fazê-lo. Medo é um sentimento muito humano. Tem-se medo de ser assaltado, medo de se tornar paciente de uma doença incurável, medo de ficar desempregado e até tem gente que tem medo de ir para o inferno. Este medo, com certeza, não precisamos ter. E por que? Porque Jesus, o Filho de Deus, veio ao mundo para pagar com sua vida a nossa dívida de pecados. Quem nele crer, nãos será condenado ao inferno, será perdoado e terá vida sem fim no céu. Medo de ir para o inferno? Mas por que, se Jesus nos salvou dele? Que Deus nos firme sempre nesta fé. Que nós sejamos sempre agradecidos por tamanha salvação. Que nós saibamos orar, dizendo: Pai nosso, muito obrigado porque não preciso ter medo do inferno. Não preciso ter este medo por causa do que eu faço, mas sim pelo que Jesus fez por mim: Ele deu a sua vida na cruz e me salvou da morte eterna. Ajuda-me para que eu viva sem medo e me agarre sempre em tua promessa de amor e dela dê testemunho ao meu semelhante. Por Cristo. Amém” (Egon Martim Seibert – Meditações para o dia a dia [2017] – Vozes).

 Pe. João Bosco Vieira Leite

Quinta, 21 de março de 2019


(Jr 17,5-10; Sl 01; Lc 16,19-31) 
2ª Semana da Quaresma.

“Mas Abraão lhe disse: ‘Se não escutam a Moisés nem aos profetas, eles não creditarão, mesmo que alguém ressuscite dos mortos’” Lc 16,31.

“Um homem rico e um pobre à sua porta: duas figuras que expressam contrastes fortes e significativos de uma vida. Um rico que se baqueteia todos os dias, que vive em uma mansão, que se veste de roupas finas, que é rodeado de amigos; o outro, pobre, que espera as migalhas caídas de uma mesa, que vive à porta de outrem, que se cobre de farrapos e tem por amigo apenas um cão que lhe lambe as feridas... A vida do rico está vazia de compaixão e cheia de indiferença. Não lhe importa que tenha como vizinho um pobre maltrapilho e faminto, um Lázaro que é ‘aquele a quem Deus ajuda’. Jesus quer mostrar, a seus ouvintes e a nós, que a Deus pertence a última palavra sobre os pobres. Eles que são sempre excluídos e ignorados na vida, têm de Deus a recompensa feliz: ‘Bem-aventurados os pobres porque deles é o Reino dos Céus’ (Lc 6,20). Cerrar os olhos diante dos pobres e necessitados, fechar-se no pecado da indiferença e da falta de sensibilidade é o grande erro do rico. Ele ignorou a Lázaro; não o maltratou com palavras, nem ordenou aos guardas e vigias que o expulsassem da sua porta. Simplesmente fez dele um ‘joão-ninguém’, evitou-o, deu-lhe a morte em vida. A falta de sensibilidade e a indiferença que se alastram hoje no mundo têm produzido as mais diversas formas de dores e mortes. São os pobres que clamam por água e alimento, os enfermos de Aids que esperam os tratamentos necessários para que tenham saúde, os jovens que buscam educação e trabalho para se sentirem atores da sociedade, a natureza que clama e geme em dores de parto... e que fazem os ricos, os poderosos, as nações que exercem a hegemonia política e econômica do mundo? Pouco ou quase nada... Fecham-se na solidão do seu poder, na sua indiferença e na falta de sensibilidade. – Senhor, liberta-nos do pecado da indiferença e da falta de sensibilidade!” (Magda Brasileiro – Meditações para o dia a dia [2015] – Vozes). 

Pe. João Bosco Vieira Leite

Quarta, 20 de março de 2019


(Jr 18,18-20; Sl 30[31]; Mt 20,17-28) 
2ª Semana da Quaresma.

“Eis que estamos subindo para Jerusalém, e o Filho do homem será entregue aos sumos sacerdotes e aos mestres da lei. Eles o condenarão à morte e o entregarão aos pagãos para zombarem dele, para flagelá-lo e crucificá-lo. Mas no terceiro dia ressuscitará” Mt 18-19.

“Com esse texto está o 3º anúncio da Paixão de Cristo. Jesus prevê acontecimentos de seu sofrimento. O Filho do Homem será entregue aos escribas... Jesus se referiu a esses homens no cap. 23, alertando aos seus discípulos, dizendo: ‘...observai tudo o que eles vos disserem, mas não os imiteis nas ações porque dizem e não fazem’. São hipócritas, não cumprem com a palavra, caloteiros, mentirosos. E vejam, Jesus mestre dos mestres, sem pecado, o salvador do mundo, vai ser entregue aos escribas e a fariseus! Voltemos aos nossos dias, quando no emprego o seu chefe é um corrupto e, para que você não descubra suas falhas, a primeira coisa que ele irá fazer é procurar um bom motivo para colocá-lo para fora do seu ambiente de corrupção. A história é a mesma, os homens são os mesmos. Nós cristãos responsáveis pela propagação do Evangelho, o que estamos fazendo? Jesus foi entregue aos pagãos da sua época para ser açoitado. Cumpriram-se as suas palavras proféticas. Com cristãos deixando de obedecer as suas Leis, de amar ao próximo, de ser misericordiosos, não será uma maneira de dar-lhe uma açoitada? – Meu Jesus, perdoa-me as vezes que deixei de fazer a tua vontade para seguir as leis dos escribas do meu tempo. Amém” (Martinho Lutero e Iracy Dourado Hoffmann – Graças a Deus [1995] – Vozes).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Terça, 19 de março de 2019


(2Sm 7,4-5.12-14.16; Sl 88[89]; Rm 4,13.16-18.22; Mt 1,16.18-21.24) 
São José, esposo de Maria e padroeiro da Igreja.

“José, seu marido, era justo e, não querendo denunciá-la, resolveu abandonar Maria em segredo” Mt 1,19.

“’Maria, qual é o drama que eu vejo em ti? Eu não compreendo... Parte em segredo, sem demora! Não te havia eu recebido dos padres, sem mancha,/ do Templo do Senhor... e que vejo eu?’ (De um tropário de Natal). A resposta a esta interrogação angustiada de José vem logo. É a profecia de Miqueias (5,4): ‘E tu, Belém, terra de Judá, é de ti que vai sair Aquele que deve reinar’... ‘Seu nascimento é desde as origens, desde os dias da eternidade’. José é transformado pelo que o ultrapassa, onde ele pensa ver uma lesão à sua honra. Pior ainda: a alta ideia que ela fazia da sua noiva, educada na castidade e no respeito da missão da mulher, esta ideia agora lhe parece falsa. É para José um desmoronamento não só efetivo e moral, mas ainda uma provação espiritual. A ferida sentimental aguça nele a dor da decepção religiosa. Tentado em suas crenças pelo sobrenatural, José se deixa abater. Contudo, como ele é sábio e bom, não quer maltratar. Resolve somente afastar a mãe que não é sua mulher. Os que são chocados pelo fato que a Igreja mencione hoje este doloroso abandono de José à dúvida, devem lembrar-se de outras tentações e outras dúvidas, inclusive mesmo em João Batista, no apóstolo Pedro, que entretanto sabia porque tinha visto, mesmo em Jesus, em Getsemâni, que entretanto era Deus. Lembrem-se também da narrativa evangélica, proclama a Liturgia. Quando José teria concebido esse desígnio, ‘um repúdio em segredo’, foi preciso um Anjo para lhe trazer a paz: ‘José, não temas tomar Maria contigo... o que nela foi gerado procede do Espírito Santo’. Em todos esses mistérios litúrgico, as reações humanas têm seu papel, num diálogo que exprime a nossa simpatia espiritual para com os seus atores: ‘dize-nos, José: a moça que recebeste no Templo,/ como a levas hoje, grávida, para Belém?/ Investiguei o problema e recebi o anúncio evangélico;/ adquiri a fé que Maria vai dar à luz a Deus/ duma forma inefável’(Tropario de Terça do Natal)”. (C. Andronikov – Que drama em ti! – Editora Beneditina Ltda.) 

 Pe. João Bosco Vieira Leite

Segunda, 18 de março de 2019


(Dn 9,4-10; Sl 78[79]; Lc 6,36-38) 
2ª Semana da Quaresma.

“Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados”
Lc 6,37

“Considerado como ‘o evangelista da misericórdia’, Lucas nos apresenta uma síntese perfeita do que é ser cristão/cristã, seguindo os passos de Jesus. Jesus não traz novas leis para que as cumpramos: ele coloca diante de nós uma nova maneira de ser, de entender e de viver a vida, de relacionar-nos com os bens, com o poder, mas principalmente sugere uma maneira nova de nos relacionarmos com os outros. E, um dos primeiros passos para um novo relacionamento com as pessoas, é não nos deixar impressionar pelos modelos que a sociedade atual nos apresenta, para não nos deixarmos levar pelas aparências, abraçando aquele ou aquela que chega até nós, na sua diferença. As primeiras comunidades cristãs levaram bem a sério esta orientação de Jesus, buscando aplicar esta maneira de ser na vida cotidiana. A dureza nos julgamentos fere frontalmente o projeto de Jesus que quer, antes de tudo, misericórdia e compaixão, com quem quer que seja, colocando estas atitudes como pilares do relacionamento, abrindo o caminho para a beleza do perdão. Não estamos livres de cair nesta tentação de julgar os outros, colocando-nos como juízes dos demais, desejando fazer da nossa maneira de ser um padrão para os demais. Na sequência do texto de Lucas encontramos uma dica importante: ‘Por que reparas no argueiro que está na vista do teu irmão e não reparas na trave que está na tua própria vista?’ (Lc 6,41). Olhemos para nós mesmos! Quem sabe, não estará aí a razão de sermos tão afeitos aos julgamentos, para esconder os nossos defeitos, as nossas debilidades e a nossa incoerência? – Ensina-me, Senhor, a sua maneira de se relacionar com o outro, de devolver-lhe a autoestima, de abrir-se ao acolhimento desinteressado e gratuito, de olhar a todos com os olhos de Deus mesmo (Martinho Lutero e Iracy Dourado Hoffmann – Graças a Deus [1995] – Vozes).

 Pe. João Bosco Vieira Leite

2º Domingo da Quaresma – Ano C


(Gn 15,5-12.17-18; Sl 26[27]; Fl 3,17—4,1; Lc 9,28b-36)

1. A fé em Deus, tema que percorria os textos do domingo anterior, retorna hoje sob esse da confiança que teve Abraão em Deus. Confiar simplesmente porque Deus é fiel.  A desafiadora experiência de Abraão nos coloca em alerta sobre o tipo de relação que temos com Deus.

2. Paulo se propõe como exemplo de fé aos seus leitores, ao tempo em que pede que se mantenham firmes no Senhor, em outras palavras: confiar mais em Cristo do que em si mesmo, deixar que a Sua graça trabalhe em nós.

3. A fé em Deus, que serve de base para nossa luta contra toda tentação, tem em Jesus sua expressão mais clara, por isso, a experiência do Tabor convida-nos a direcionar o olhar para Jesus, escutar Sua voz.

4. Moisés e Elias aí aparecem como que solidários a Jesus. Eles foram exemplo de fidelidade a Deus, ao mesmo tempo que sofreram incompreensões por parte do povo. Com Jesus não será diferente.

5. A sonolência dos discípulos não lhes permite captar todo o sentido da experiência, só depois conseguirão compreender o mistério da Cruz que atravessa a vida de Jesus tanto quanto a glória que lhe estava reservada.

6. Se Abraão é o ‘nosso pai na fé’, Jesus é o autor e consumador da fé. Tanto Abraão como Jesus foram postos à prova; ambos souberam aceitar a vontade de Deus, mesmo quando lhes foi pedido o sacrifício supremo. E aqui entendemos a relação entre os dois textos.

7. Mas diferentemente de Abraão, Jesus nos leva a uma experiência de profunda comunhão com Deus, de participação na vida divina, no exercício da realização da Sua vontade em nossa vida. Ele será sempre o modelo a ser imitado na adesão a essa vontade divina mediante a confiança, o amor e a obediência.

8. “Tudo isso nos ajuda a aprofundar a nossa compreensão da fé. O que é que significa e comporta viver a fé? A fé não se reduz a memorizar para se possuir algumas afirmações enunciadas autorizadamente pelos pastores da Igreja. Mais profundamente, ela é o estabelecimento de uma relação profunda com o Deus que se nos revelou em Jesus Cristo. Uma relação marcada pela confiança total, que faz com que coloquemos nas mãos do Senhor toda a nossa vida sem reservas” (Giuseppe Casarin – Lecionário Comentado [Quaresma – Páscoa] – Paulus).     

 Pe. João Bosco Vieira Leite

Sábado, 16 de março de 2019


(Dt 26,16-19; Sl 118[119]; Mt 5,43-48) 
1ª Semana da Quaresma.

“Eu, porém, vos digo, amai os vossos inimigos e rezai pelos que vos perseguem! Assim vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos céus, porque ele faz nascer o sol sobre os maus e bons e faz cair a chuva sobre justos e injustos” Mt 5,44-45.

“Amamos os amigos, rezamos e pedimos por quem queremos bem. Mas dos inimigos e dos que nos perseguem buscamos distância. Aqui somos tudo, menos imagem de Deus, seus filhos e filhas. Diz um ditado popular: ‘filho de peixe, peixinho é’. Assim, se somos filhos de Deus, trazemos em nós o ser de Deus. E Ele, como diz Jesus, faz a chuva cair sobre bons e maus; faz o sol nascer para justos e injustos. Este é o Deus de Jesus, o Deus cristãos: o amor radical que não faz distinção entre pessoas. Amar assim, dizemos, só Deus! Mas e nós, como ficamos em nosso amor? No mínimo, constrangidos com o modo como amamos. Porque o amor que só se mostra com os que nos amam; a oração, feita apenas pelos que nos apoiam – tal amor, tal oração, revelam o amor e a oração interessados em si próprios, de modo egoísta. Tal amor, tal oração, podemos comparar com a mão que faz enquanto a outra espera receber. Assim não é o amor de Deus! Do amor aos inimigos e da oração pelos que nos perseguem nada podemos esperar em troca. E justamente aqui está a chave para um verdadeiro amor, ao modo do amor de Deus: ama por amar, sem nada esperar! Lemos na Bíblia: ‘Deus é amor. Todo aquele que ama conhece a Deus’. Não diz: todo aquele que ama este ou aquele. Diz simplesmente: ama! Neste amor incondicional somos filhos e filhas de Deus, ‘filhos do céu’, desde já construtores do Reino. E, sem ilusões, devemos reconhecer a presença de inimigos e perseguidores em nossa vida. Ora, não convivemos apenas com amigos e apoiadores. São as tramas próprias do caminhar humano no mundo. A reviravolta da fé de Jesus está aqui: aprendemos com todos! Aprendemos que, na impossibilidade das nossas próprias forças, Deus pode transformar a inimizade em amizade, a perseguição em apoio. Aqui se realiza a verdadeira oração. – Senhor, dá-nos a força de seu amor incondicional para que possamos amar os nossos inimigos e rezar pelos que nos perseguem. Amém (Adriano Freixo Pinto – Meditações para o dia a dia [2015] – Vozes). 

Pe. João Bosco Vieira Leite

Sexta, 15 de março de 2019


(Ez 18,21-28; Sl 129[130]; Mt 5,20-26) 
1ª Semana da Quaresma.

“Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da lei e dos fariseus, vós não entrareis no reino dos céus” Mt 5,20.

“Pode haver justiça injusta? Pode haver justiça grande, justiça pequena entre os homens? A justiça dos escribas e fariseus é a justiça aplicada no antigo Testamento, olho por olho e dente por dente. Com a vinda de Jesus, os ensinamentos mudam para a regra geral usada pelos judeus. Com Jesus, temos a Lei do amor. Essa justiça usada pelos fariseus e escribas não é uma justiça injusta? A justiça implantada por Cristo é a que salva pela morte na cruz e não pelos nossos atos. Deus amou tanto a esse mundo, a cada um de nós que enviou o seu Filho Jesus Cristo para morrer numa cruz e dizer que não há necessidade de tirar o olho do outro para se fazer justiça. Como cristãos, devemos introjetar os ensinamentos desse Mestre amado para que eles possam refletir nosso convívio com os que sentem fome, com os enfermos, com os que estão desamparados, sem teto e sem emprego. O cristão tem um senso de justiça diferente do homem que conhece a Cristo, pois a vida cristã é norteada pelos ensinamentos bíblicos. – Senhor, eu quero fazer justiça com o meu próximo nas minhas atitudes diárias. Ajuda-me. Amém (Martinho Lutero e Iracy Dourado Hoffmann – Graças a Deus [1995] – Vozes).

 Pe. João Bosco Vieira Leite

Quinta, 14 de março de 2019


(Est 4,17; Sl 137[138]; Mt 7,7-12) 
1ª Semana da Quaresma.

“Pedi e vos será dado! Procurai e achareis! Batei e a porta vos será aberta!” Mt 7,7.

“A característica da oração cristã é que ela é a oração de Cristo levada até seu Pai, de geração em geração, em situações constantemente renovadas, por aqueles que, pela graça e participação, são a presença de Cristo neste mundo; é uma oração a Deus incessante e contínua, para que a vontade de Deus seja feita, para que tudo aconteça de acordo com o seu plano cheio de sabedoria e amor. Quer isto dizer que a nossa vida de oração é, ao mesmo tempo, uma luta contra tudo que não seja de Cristo... Em vez de orarmos para que a vontade de Deus se cumpra, tentamos muitas vezes convencê-lo a fazer as coisas como nós queremos. Como não hão de falhar tais orações? Por melhor que rezemos, devemos capacitar-nos sempre que a nossa melhor ideia pode estar errada. Embora sincera, embora verdadeira as nossas intenções, embora perfeita, de acordo com as nossas luzes, toda a oração pode estar errada num dado momento, e é por isso que, depois de termos dito tudo o que tínhamos a dizer a Deus, devemos acrescentar como Cristo fez no jardim do Getsémani: ‘Todavia não seja como eu quero, mas como Tu queres’ (Mt 26,39). Com o mesmo espírito podemos servir-nos da intercessão dos Santos: entregamos-lhes as nossas intenções, que são boas, mas deixemo-los compô-las de acordo com a vontade de Deus, que eles conhecem. ‘Pedi e vos será dado’ (Mt 7,7). Estas palavras são um espinho na consciência cristã: nem podem ser aceitas nem podem ser rejeitadas. Rejeita-las, significaria uma negação da bondade infinita de Deus, mas ainda não somos suficientemente cristãos para as aceitarmos. Sabemos que o Pai nunca nos daria uma pedra em vez de pão (Mt 7,9), mas não nos consideramos crianças inconscientes das suas necessidades reais, do que é bom ou mal para elas. E, no entanto, encontra-se aqui a explicação de tantas orações sem respostas. ‘Não vos entristeçais se não receberdes imediatamente aquilo que pedis: Deus pretende conceder-vos um bem maior através da vossa perseverança na oração’. ‘Não será o silêncio de Deus o aspecto trágico da nossa surdez? ’ (A. de Chateaubriant). Quando Deus vê que se tem fé suficiente para aguentar o seu silêncio ou aceitar ser entregue aos tormentos, morais ou físicos, para um maior alargamento do seu Reino, pode conservar-se silencioso e no fim a oração será atendida, mas de uma maneira completamente diferente do que se esperava. S. Paulo diz, falando da oração de Cristo, no jardim do Getsémani, que esta oração foi ouvida (Hb 5,7), e Deus ergue-O de entre os mortos. S. Paulo não fala aqui de uma reposta imediata de Deus, que podia ter afastado o cálice como Cristo lhe pedia; mas, de fato, Deus deu a Cristo a força para o aceitar, para sofrer, para realizar sua obra e foi a sua fé absoluta que tornou possível a Deus dizer NÃO. Mas foi também esta fé absoluta de Cristo que tornou possível o mundo ser salvo. Muitas das nossas orações são orações de súplica e muita gente considera a petição como o nível mais baixo da oração, depois vem a gratidão e depois o louvor. Mas, de fato, a gratidão e o louvor é que são expressões de uma relação mais baixa. Ao nosso nível de meia-crença é mais fácil cantar hinos de louvor e ação de graças a Deus, do que confiar nele o bastante para lhe pedir algo com fé. Mesmo pessoas que creem com uma certa indiferença se podem voltar para Deus e agradecer-lhe quando lhe acontece qualquer coisa boa; e há momentos de elevação quando todos podem cantar a Deus. Mas é muito mais difícil possuir uma fé intensa e indivisa que se consiga suplicar de todo o coração o entendimento com inteira confiança” (A. Bloom – Oração Viva – Editorial Franciscana. Braga).

 Pe. João Bosco Vieira Leite