Segunda, 01 de maio de 2023

 (At 11,1-18; Sl 41[42]; Jo 10,11-18) 4ª Semana da Páscoa.

“Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas” Jo 10,11.

“Aproximando-nos sem prevenções da alegoria do pastor, percebemos a boa estruturação que João dá a essa fala de Jesus. Depois da afirmação dupla de ‘Eu sou a porta’, segue duas vezes a asseveração ‘Eu sou o bom pastor’. Em grego se usa duas vezes o adjetivo ‘kalos’, que significa literalmente ‘bonito, correto, certo’. Jesus é o único pastor verdadeiro, o pastor que corresponde à essência do ser pastor que é descrito na Bíblia, por exemplo, no salmo 23, ou no modelo pastoral do profeta Ezequiel (Ez 34). Repetidamente Jesus explica em imagens diversas o que entende por um bom pastor. Em 10,11 diz: ‘O bom pastor se despoja da própria vida por suas ovelhas’. Os empregados contratados fogem quando o lobo se aproxima. Os mercenários só aparecem depois de Jesus já ter dado a vida pelas ovelhas. Jesus está se referindo ao futuro. João deve ter pensado num certo tipo de ministro que dirige a comunidade visando o seu próprio bem-estar. As ovelhas o seguem porque conhecem a sua voz. Mas este recua logo que se avizinha o perigo, abandonando as ovelhas aos lobos vorazes. Com a imagem do bom pastor, Jesus explica a sua morte. Ele entrega a vida por suas ovelhas. A sua morte não é expiação de nossos pecados, e sim expressão de sua própria existência, de seu ser por nós, de seu amor às ovelhas. Jesus dá a vida pelas ovelhas, para que estejam protegidas contra os lobos, contra os perigos da vida. Como entender isso? Podemos entender esses perigos em sentido histórico. Seria, então, uma referência à exclusão dos cristãos da comunidade judaica e ao aliciamento dos cristãos pelos fariseus. Mas como se trata de uma linguagem figurativa, deve haver um sentido maior. Assim, a imagem remete ao mistério do homem ao mistério de Deus. Estamos em perigo por causa do autodesprezo, de modelos psíquicos que inibem a vida, de ofensas e injúrias, de volubilidades e desorientação. Quando Jesus afirma de si mesmo que dá a vida pelas ovelhas, trata-se de uma expressão de amor incondicional. O maior perigo que ronda o ser humano consiste na falta de amor e nas consequências que esta falta acarreta. Quem não se sente amado se rejeita a si mesmo, se condena, torna-se duro, frio e vazio, é incapaz de amar a si mesmo e aos outros. Torna-se necessário, então, um amor que não se poupa, que não recua nem mesmo diante da própria morte para curar-nos da ferida mortal da falta de amor” (Anselm Grun – Jesus, porta para a vida – Loyola).

Pe. João Bosco Vieira Leite

4º Domingo da Páscoa – Ano A

(At 2,14.36-41; Sl 22[23]; 1Pd 2,20-25; Jo 10,1-10)

1. Este evangelho que acabamos de ouvir nos fala de ovelhas, de redil, de porteiro, de estranho, ladrões e assaltantes. Mas objetivamente nos fixamos na relação entre pastor e ovelhas. Para compreender corretamente, é necessário reconstruir essa cena a partir do ambiente palestinense.

2. Num mesmo redil se alojam diversos rebanhos pertencentes a donos diferentes, que à noite, confiam as próprias ovelhas à vigilância de um guardador. Pela manhã, os vários pastores se apresentam e cada um deles começa a chamar suas ovelhas que, assim saem e o seguem.

3. Mesmo assim misturadas, as ovelhas respondem unicamente ao chamado do próprio patrão. Não vão atrás de um outro pastor, que para elas seria um ‘estranho’. É a voz que permite o reconhecimento. “Mas não seguem um estranho, antes fogem dele, porque não conhecem a voz dos estranhos”, nos informa João.

4. Sublinhemos este particular, que constitui um pouco a chave de compreensão do nosso texto. As ovelhas, no redil, durante a noite, podem experimentar a sensação de ter perdido o pastor, de ter sido abandonada por ele. O encontram, pela manhã, não quando o veem, mas quando ‘escutam a sua voz’. E assim se dá o encontro, o reconhecimento recíproco, graças a uma espécie de ‘liturgia da voz’.

5. É a voz que permite distinguir o pastor dos estranhos. É a voz que que restitui o que foi roubado aos olhos. Isso nos remete àquela cena de Maria Madalena, na manhã de Páscoa, que buscava ‘ver’ o seu Senhor, e chora por lhe haverem retirado um corpo. Mas o reencontra no som de uma voz: ‘Maria!’. Os olhos não lhe permitiram reconhecer Aquele que ela achava que era um jardineiro.

6. A voz não trai. Aquele timbre, aquele tom, o nome pronunciado daquela maneira, faz despertar o ‘reconhecimento’. Também ela, como as ovelhas, reconhece o Pastor quando o sente pronunciar o seu nome.

7. O pastor chama a cada uma por seu nome. Para além do reconhecimento da voz única, inconfundível, está o reconhecimento do próprio nome. Se trata de um pastor que se ocupa, não de um rebanho, de uma massa, mas de uma ovelha em particular. É justamente essa relação pessoal, íntima, a relação que se estabelece entre nós o verdadeiro Pastor, e o diferencia dos demais.

8. Podemos extrair daqui o tema da nossa singularidade diante de Deus a as consequências lógicas. Eu não sou um entre tantos. Sou único. Não sou um número confuso na quantidade. Sou um ser único, inconfundível, irrepetível. A minha existência é um evento original. Diz um provérbio popular: “Deus lhe fez e depois jogou fora a forma”. Isso é uma verdade para mim e para milhares de criaturas.

9. Deus não trabalha em série. Cada ser humano é criado com características peculiares, exclusivas. Deus concede a cada criatura a exclusividade de Sua imagem. E cada um nasce com uma ‘missão’ única a desenvolver no mundo. Comumente se diz que ninguém é insubstituível. E não é verdade. Somos chamados a produzir uma nota original, insubstituível, no concerto do universo.

10. Se não me realizo, se não sou eu mesmo, privo o mundo, a Igreja, de algo que somente eu sou capaz de ser, de realizar. Posso fazer-me substituir num trabalho, mas não posso fazer-me substituir na vida. Por aquilo que faz, mesmo que possa parecer inútil, por aquilo que é, por aquilo que é chamado a ser, será sempre indispensável.

11. Mas voltemos à voz. Esse ser chamado pelo nome, não é somente um fato de ‘reconhecimento’. Aquela voz é um apelo. Quando me sinto interpelado pessoalmente, sinto uma solicitação a mover-me, a colocar-me a caminho, a seguir o Pastor. Não é simplesmente uma voz consolante, como a me ninar. Mas um imperativo que me desperta. A resposta a essa voz se dá ao longo da estrada. Despertemos os nossos ouvidos à voz do Bom Pastor.  

Pe. João Bosco Vieira Leite

 

Sábado, 29 de abril de 2023

(At 9,31-42; Sl 115[116B]; Jo 6,60-69) 3ª Semana da Páscoa.

“Simão Pedro respondeu: ‘A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna’” Jo 6,68.

“A confissão de São Pedro, à qual correspondem estas palavras, surgiu de uma discussão entre Jesus e seus ouvintes. Com notável insistência, expôs Jesus a doutrina sobre o Pão da vida e sobre a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue para ter vida. Os ouvintes mostraram-se céticos, e isso ocasionou a repetição da doutrina de Jesus com palavras ainda mais fortes. E a isso replicam muitos dos seus ouvintes: ‘Isto é muito duro! Quem o pode admitir?’ (v. 60). ‘Desde então, muitos dos discípulos retiraram-se e já não andavam com ele’ (v. 66). Em nossos tempos, como outrora, existe quem se afaste do seguimento de Jesus, por causa da sua doutrina exigente, porque sua doutrina e seu seguimento comprometem toda a vida e todos os âmbitos da vida. Porém Jesus não cede e, como no passado, também atualmente nos interroga: ‘Quereis vós também retirar-vos? (v. 67). Você, como o próprio Pedro, responda-lhe que está resolvido a segui-lo sempre, pois ele e só ele tem palavras de vida eterna; separar-se dele é encaminhar-se para a morte” (Alfonso Milagro – O Evangelho meditado para cada dia do ano – Ave-Maria).

 Pe. João Bosco Vieira Leite

Sexta, 28 de abril de 2023

(At 9,1-20; Sl 116[117]; Jo 6,52-59) 3ª Semana da Páscoa.

“Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” Jo 6,56.

“O ensinamento de Jesus quanto a comer sua carne e beber seu sangue foi de difícil entendimento, tanto para os seus discípulos quanto para os seus adversários. O perigo principal consistiu em tomar as suas palavras em sentido puramente material, numa evidente deturpação do seu real significado. Acostumados a celebrar a Eucaristia, as comunidades cristãs interpretavam as palavras do Mestre num contexto de fé, entendendo-as no sentido espiritual de comunhão com Jesus, simbolizado no pão e no vinho consagrados. Os verbos comer e beber apontam para a experiência de assimilação de Jesus – sua pessoa e seu projeto de vida – por parte dos discípulos. Assim como o alimento e a bebida ao serem ingeridos, passam a fazer parte do corpo físico de quem os consumiu, o mesmo deve acontecer com quem adere a Jesus. Toda a existência do discípulo tende a ficar permeada pelo Senhor, com o qual entrou em comunhão. Os Vocábulos carne e sangue indicam a totalidade do ser humano. Receber o corpo e sangue do Senhor significa entrar em comunhão com tudo quanto ele é – sua humanidade e sua divindade – de forma que todo o ser do discípulo se deixe tomar por ele. É assim que o discípulo se alimenta em sua caminhada de encontro com o Pai. E assim alimentado, jamais desfalecerá pelo caminho. – Pai, que o corpo e sangue de teu Filho Jesus sejam alimento para a minha caminhada em busca de ti, de maneira que eu não venha a desfalecer pelo caminho (Pe. Jaldemir Vitório, sj – O Evangelho nosso de Cada Dia [Ano A] - Paulinas).


Pe. João Bosco Vieira Leite

Quinta, 27 de abril de 2023

(At 8,26-40; Sl 65[66]; Jo 6,44-51) 3ª Semana da Páscoa.

“Ninguém pode vir a mim se o Pai que me enviou não o atrai. E eu o ressuscitarei no último dia” Jo 6,44.

“Insiste-se no mesmo tema do pão eucarístico, pois sendo tão maravilhoso e nunca ouvido, nem mesmo possível de imaginar-se que Jesus permanecesse na Eucaristia, para ser o nosso alimento, quis o Senhor deixar bem evidente, repetidas vezes e em diferentes ambientes e auditórios, sua presença real na Eucaristia, a fim de que não houvesse lugar para dúvidas. Todo o capítulo sexto do Evangelho segundo São João foi feito para provar que a Eucaristia comunica aos fiéis a vida que o Filho recebe do Pai. Por isso, afirma nesta parte que corresponde ao evangelho de hoje, que ‘ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, não o atrair’ (v. 44); é o Pai que deve suscitar em nós o desejo de ir a Jesus e nos entregarmos a ele; é ouvindo o Pai que se chega a Jesus (ver v. 45). A fé é uma virtude sobrenatural; não bastam nossa vontade ou nossas próprias forças, para consegui-la. A fé é obra da graça de Deus, que ajuda nossa vontade. Nós devemos agradecer o dom da fé que o Senhor nos concedeu e devemos viver conforme ela. ‘A fé não é aceitar fórmulas religiosas não muito bem especificadas, que são como que um sedimento residual de uma instrução catequética esquecida e de uma observância religiosa decadente, mas dotada de alguma revivificação acidental. É esta, infelizmente, a fé de muita gente do mundo de hoje, uma fé que se tem por costume, uma fé convencional, uma fé não comprometida e pouco praticada’ (Paulo VI, Audiência geral de 19/04/67). Cristo começou a revelar-se aos apóstolos, não lhes proporcionando um Credo, mas fazendo-os viver a experiência de seu encontro. O Cristo atual é a Igreja de nossos dias. Aceitar Cristo, crer em Cristo e rejeitar a Igreja é apegar-se a uma lembrança histórica e não uma realidade atual histórica contemporânea. Crer é fazer parte de um povo ou comunidade de crente; crer conjuntamente. Crer não é fechar-se na solidão de nossa relação pessoal com Deus; é entrar na comunidade dos crentes. É preciso aceitar essa dimensão comunitária da fé; crer é fazer um povo de irmãos, que levam a palavra de Deus pelo mundo” (Alfonso Milagro – O Evangelho meditado para cada dia do ano – Ave-Maria).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Quarta, 26 de abril de 2023

(At 8,1-8; Sl 65[66]; Jo 6,35-40) 3ª Semana da Páscoa.

“Entretanto, aqueles que se tinham dispersado iam por toda parte, pregando a Palavra” At 8,4.

“A perseguição generaliza-se, abatendo-se sobre a Igreja de Jerusalém. Tudo parece acabado: Estevão é sepultado. Saulo desencadeia o seu zelo contra os membros da comunidade eclesial, mete-os na prisão, dispersa-os. Onde está a alegria cristã, da fração do pão, das refeições e dos bens postos em comum, das orações e dos louvores, do modo de viver com um só coração e uma só alma? (Cf. At 2,42-47; 4,32-35). E, no entanto, desta tribulação nasce um grande bem. Realiza-se a Palavra do Senhor narrada programaticamente no início dos Atos dos Apóstolos: ‘O Espírito Santo descerá sobre vós, e d’Ele recebereis força para serdes as minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, e até aos extremos da Terra’ (At 1,8). Os primeiros missionários são precisamente os perseguidos na Judeia e até na Samaria, terra de ‘cismáticos’, separados de Jerusalém por uma insanável laceração. Precisamente ali foram realizados pelo diácono Filipe os mesmos milagres feitos na cidade de Davi e, portanto, a grande alegria que tinha caracterizado a comunidade de Jerusalém espalha-se por essa terra desprezada” (Giuseppe Casarin – Lecionário Comentado [Quaresma - Páscoa] – Paulus).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Terça, 25 de abril de 2023

(1Pd 5,5-14; Sl 88[89]; Mc 16,15-20) São Marcos Evangelista.    

“Os sinais que acompanharão aqueles que crerem serão estes: expulsarão demônios em meu nome, falarão novas línguas; se pegarem em serpentes ou beberem algum veneno mortal, não lhes fará mal algum;

quando impuserem as mãos sobre os doentes, eles ficarão curados” Mc 17-18.

“Em outros momentos, é verdade, Cristo também falou em sinais e prodígios que os seus seguidores fariam, mas em todas estas oportunidades o foco não era precisamente nos milagres. Para quem acompanha o ministério público de Jesus, a promessa de operar sinais mais parece um detalhe, ou mesmo uma questão secundária. Não que Jesus desprezasse a possibilidades destes sinais, mas que ficasse bem claro que ‘mais do que os sinais, que fizessem (os seguidores) tudo para que seus nomes fossem escritos no Livro da Vida’. E operar sinais e milagres, realmente, não dá a vida eterna a ninguém. O nosso texto deixa claro que o poder de operar sinais e milagres não é o domínio de uma classe, como pastores e outros líderes eclesiásticos, mas de todos os crentes. Operar milagres é um dom ocasional e secundário na grande obra de todos os crentes de ‘ir por todo o mundo e pregar o Evangelho a toda criatura’, conforme as palavras de Jesus que antecedem o nosso versículo (cf. Mc 16,15-20). Esta compreensão dá pouca importância aos milagres, o próprio Salvador Jesus deu o exemplo não só operando poucos milagres, como desconsiderando a importância deles (fugiu quando queriam coroá-lo rei pela multiplicação dos pães), dá-se por uma única e extraordinária razão: o único e verdadeiro milagre acontecido aqui na terra é a morte e a ressurreição de Jesus Cristo, o Filho de Deus, em favor da salvação da humanidade. Páscoa é milagre na sua verdadeira dimensão, incompreensível para a razão humana, e um ato impossível para o ser humano realizar. A nossa condição de pecadores é que dá a dimensão de milagre: Deus teve que fazer o impossível para nos salvar. – Obrigado, ó Deus, pelo milagre de minha salvação. Quero falar deste milagre ao mundo. Amém (Augusto Jacob Grün – Meditações para o dia a dia [2015] Vozes).

 Pe. João Bosco Vieira Leite

Segunda, 24 de abril de 2023

 (At 6,8-15; Sl 118[119]; Jo 6,22-29) 3ª Semana da Pascoa.

“Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna

e que o Filho do Homem vos dará” Jo 6,27.

“Tendo sido procurado por interesses particulares, Jesus exorta o povo a buscar o alimento imperecível, que dura para a vida eterna. Mais importante que o pão material, necessário para matar a fome física, é o alimento que só Filho do Homem pode oferecer. Estas palavras de Jesus podiam dar margem a mal-entendidos. Seus ouvintes corriam o risco de pensar em algo misterioso, conhecido só pelo Mestre, que tinha o poder mágico de substituir o alimento material. Entretanto, Jesus referia-se a algo muito mais simples: ele mesmo era o alimento que haveria de proporcionar vida eterna a quem se dispusesse a acolhê-lo como o Senhor de nossa própria existência. E isto resultará numa espécie de identificação da vida dos discípulos com a do Mestre, passando por um processo de transformação. O parâmetro da ação do discípulo será o amor e a solidariedade. Os pobres e marginalizados serão objeto privilegiado de sua atenção. Por estar radicado em Deus, será livre para servir ao próximo, sem qualquer distinção. Este modo de viver terá como desfecho a vida eterna. É a obra de Jesus em nós! – Pai, leva-me a buscar sempre o alimento imperecível – teu Filho Jesus – que me dá vida eterna e verdadeira e me abre para o amor e a solidariedade” (Pe. Jaldemir Vitório, sj – O Evangelho nosso de Cada Dia [Ano A] - Paulinas).

3º Domingo da Páscoa – Ano A (

At 2,14.22-33; Sl 15[16]; 1Pd 1,17-21; Lc 24,13-35)

1. A narrativa dos dois discípulos de Emaús é algo paradoxal. Imagine alguém, ao interessado, narrar a sua própria morte, com detalhes de seu funeral e o embaraço provocado aos amigos. Por outro lado, tais discursos sobre a morte são os que também fazemos àquele que vive para sempre.

2. Apresentamos o quadro negro da situação presente àquele que é a ‘luz do mundo’. Nossas desilusões, amarguras, desafios e derrotas, àquele que é o Vencedor. Como se ele fosse um estranho às coisas que aqui acontecem. Somente notícias ruins temos a comunicar àquele que nos trouxe uma extraordinária ‘boa nova’.

3. Será que não temos nada de belo, alegre, confortante para partilhar?  Tem quem prove um gosto particular – quase sádico – de informar aos outros acerca dos motivos de desânimo e desconforto. São os especialistas do ‘desconforto’, como esses dois discípulos ao serem questionados sobre o que conversam...

4. Três dias parecem para eles uma eternidade. Não sabem esperar. Não conseguem, como dizem os árabes, a ‘morrer de paciência. Não sabemos pagar o preço da paciência pelos ideais que carregamos no coração. Basta uma refutada da realidade para que tudo se perca. Somos incapazes de sofrer em silêncio.

5. Temos necessidade de ver logo reconhecidas, aplaudidas, as nossas ideias. A nossa esperança tem o fôlego curto. Sendo assim ela não é mais esperança, mas cálculo humano, prudência ‘da carne’, mesquinha contabilidade burocrática. Somos incapazes de ver ‘além’.

6. Para além do obstáculo, para além do insucesso imediato, para além da incompreensão, para além da rejeição, para além da confusão. Em meio ao túnel escuro não conseguimos perceber aquela luz que só pode ser percebida com a inevitável e tormentosa purificação dos olhos. Diz o texto que Jesus caminhava com eles, mas estes não o reconheceram.

7. Sabemos bem dessa nossa dificuldade de saber ‘reconhecer’ a luz. Da nossa fragilidade em ‘reconhecer’ a força. Conhecemos bem essa nossa solidão que não consegue perceber esse discreto companheiro de viagem que caminha ao nosso lado, principalmente quando se faz vazio ao nosso redor.

8. É o desconhecido. Irreconhecível do nosso cansaço, do nosso peso, do nosso infantil calendário. Ele permanece desconhecido. Porque sabemos tantas coisas. Fazemos tantas ideias sobre ele. Mas não o conhecemos verdadeiramente. “Como sois lentos e sem inteligência para crer em tudo que os profetas falaram...” 

9. Volta aqui a velha questão: quando tomamos seriamente a sua Palavra? Quando nos especializamos nela, através da leitura, do aprofundamento, da reflexão, da oração, do confronto assíduo, cotidiano, obstinado, apaixonado? Não lamentemos a nossa incapacidade de não sabermos ler os fatos que nos dizem respeito, ou lê-los de modo pessimista, confuso...

10. Jesus remonta à Moisés. Do começo. Nossa vida precisa desse olhar. Se nos deixamos instruir por Deus, desde o começo e se precisamos nos deixar reeducar pelo Evangelho. Não é para termos respostas seguras, prontas, mas para sabermos ver melhor, compreender mais, dar-nos conta do que acontece e tornar-nos protagonistas. 

11. Ao fim dessa caminhada, dizem eles: ‘Fica Conosco pois já é tarde, e a noite vem chegando!’. Finalmente encontram uma palavra sensata. Eles se dão conta que na realidade são eles os desinformados, pois é obscuro para eles o significado dos fatos que sabiam apenas recontar, repassar...

12. E Jesus ficou com eles. De agora em diante poderemos encontra-lo em nossa estrada. Vem discreto. Tem um rosto comum daqueles que passam por mim ou me param nesses encontros improváveis. Que exige nossa atenção para reconhecê-lo. Há encontros que são reveladores, transfiguram.

13. A Páscoa é um dom de luz, que nos vem pelos olhos bem abertos. Pecado é mantê-los fechados: ‘Veio para os seus, mas os seus não o reconheceram...’ (cf. Jo 1,10). Nós, que nos sentimos no direito de mastigar nossas amarguras por Sua ausência ou atraso, na realidade somos culpados de não reconhecê-lo. Se se faz somente ‘noite’, a culpa é nossa.


Pe. João Bosco Vieira Leite

 

Sábado, 22 de abril de 2023

(At 6,1-7; Sl 32[33]; Jo 6,16-21) 2ª Semana da Páscoa.

“Mas Jesus disse: ‘Sou eu. Não tenhais medo’” Jo 6,20.

“A adesão ao Ressuscitado comporta tremendo desafio para os que escolhem o caminho do discipulado cristão. Engana-se quem pretende transformá-lo num oásis de paz e de tranquilidade, livre de tribulações. A cena evangélica indica-nos como enfrentar as tempestades da vida. Os discípulos põem-se a atravessar o mar da Galileia, numa pequena barca, rumo a Cafarnaum. Dois detalhes: já era noite e não estava com eles o Senhor. A forte ventania e a agitação do mar fazia-os correr risco de afundar. Tudo mudou quando se deram conta de não estarem sozinhos. Com eles estava o Senhor, exortando-os a não entregar os pontos. A meta devia ser alcançada! Os discípulos de todos os tempos fazem semelhante experiência. O testemunho de sua fé no Ressuscitado coloca-os muitas vezes em situações aparentemente sem solução. São tempestades das mais variadas formas: perseguição, martírio, indiferença, marginalização, expulsão, calúnia etc. É como se entrassem numa pavorosa escuridão, com o risco de desviar-se do rumo estabelecido pelo Senhor. Nestas circunstâncias, mais do que nunca, é preciso dar-se conta da presença do Ressuscitado a incentivá-los a continuar, sem esmorecer. Ele é um companheiro fiel! – Pai, em meio às tempestades, faze-me compreender que o Ressuscitado caminha comigo, incentivando-me a não temer e a permanecer firme no rumo traçado por ele” (Pe. Jaldemir Vitório, sj – O Evangelho nosso de Cada Dia [Ano A] - Paulinas).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Sexta, 21 de abril de 2023

 (At 5,34-42; Sl 26[27]; Jo 6,1-15) 2ª Semana da Páscoa.

“Quanto ao que está acontecendo agora, dou-vos um conselho: não vos preocupeis com esses homens e deixai-os ir embora. Porque se esse projeto ou essa atividade é de origem humana, será destruído.

Mas, se vem de Deus, vós não conseguireis eliminá-los” At 5,38-39a

“Estes versículos são de uma grande importância eclesiológica. A agregação ou a dispersão dos adeptos, no contexto dos acontecimentos da época, tende a fazer notar como a comunidade cristã é de fundação divina. Com a expressão ‘esta iniciativa’, ‘esta obra’ (V. 38b) Lucas não pensa, muito provavelmente, só no grupo dos Apóstolos e dos discípulos que Jesus reuniu junto de Si durante o Seu ministério público e que o seguiram até à Ascensão. Pensa também no inteiro processo de agregação eclesial, começado depois do Pentecostes, quando muitos membros do povo de Israel se converteram e formaram a comunidade cristã. Tudo isto é, no seu complexo, obra de Deus. A sessão termina afirmando (em ligação e continuação com o progresso registado desde o início do Livro dos Atos dos Apóstolos e até o final do Evangelho de Lucas) o sentido da existência dos Apóstolos: a proclamação, incessante e entusiástica, apesar de todas as perseguições, de Jesus como Messias” (Giuseppe Casarin – Lecionário Comentado [Quaresma - Páscoa] – Paulus).

Pe. João Bosco Vieira Leite

 

Quinta, 20 de abril de 2023

  (At 5,27-33; Sl 33[34]; Jo 3,31-36) 2ª Semana da Páscoa. 

“Aquele que acredita no Filho possui a vida eterna” Jo 3,36a.

“O objetivo da encarnação e da morte de Jesus não é a expiação de nossos pecados, e sim a doação da vida eterna. Em Jesus, Deus quer tornar o homem capaz de viver realmente. Em Jesus, ele nos dá uma nova qualidade de vida. E, em Jesus, Deus está visando o mundo todo. Ele quer curar e salvar todos os homens em Jesus. Todo ‘aquele que age segundo a verdade vem à luz para que suas obras sejam manifestadas, já que tinham sido realizadas em Deus’ (3,21). Não se trata, portanto, a adesão externa a Jesus, pois o que importa é praticar a verdade, ou seja, avançar até chegar à realidade como ela é e vive-la adequadamente. Não é, portanto, a adesão externa a Jesus que é vista como condição prévia para a salvação, e sim a prática da verdade. É um desafio dirigido aos cristãos: eles não devem satisfazer-se com as formulações corretas da fé. E para os não-cristãos é a promessa de que podem chegar à luz que Cristo revelou, desde que pratiquem a verdade, que abram os olhos e reconheçam o que é essencial. Quando a verdade começa a brilhar neles é o sinal de que entenderam Jesus que nos desvelou a verdade, que nos revelou o que é: que Deus é o amor e que Deus quer que os homens encontrem a vida eterna” (Anselm Grun – Jesus, porta para a vida – Loyola).

Pe. João Bosco Vieira Leite

 

Quarta, 19 de abril de 2023

(At 5,17-26; Sl 33[34]; Jo 3,16-21) 2ª Semana da Páscoa.

“De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele” Jo 3,17.

“O processo de formação para o discipulado requer a compreensão da identidade de Jesus e da sua missão. A fé consiste na adesão ao Mestre assim como se nos apresenta. Quanto mais adequada for esta compreensão, tanto mais profundo será o compromisso da fé. Eis por que Jesus pôs-se a instruir Nicodemos a este respeito. O Filho é a expressão perfeita do amor do Pai pela humanidade, que o ofereceu como prova de amor. A origem divina de Jesus dá credibilidade às suas palavras, pois seu testemunho reporta-se diretamente a Deus. Ele não é um simples intermediário entre o Pai e a humanidade. É a encarnação do amor de Deus. A missão terrena de Jesus consistiu em colocar-se inteiramente a serviço da salvação da humanidade, proporcionando-lhe a vida eterna. Ele a resgata do poder do pecado e da morte, abrindo-lhe perspectivas novas de comunhão com Deus. Por seu ministério destruiu-se o muro de separação erguido entre o Criador e a criatura, refazendo-se a amizade inicial. Não compete a Jesus ser o juiz da humanidade, condenando-a por seus pecados. Cabe-lhe, sim, ser seu salvador. Mesmo que a humanidade prefira as trevas em detrimento da luz, a missão do Filho de Deus permanece inalterada. O gesto de recusar a luz traz em si o germe da condenação, porém não tolhe o ser humano da responsabilidade de converter-se para a luz. Jesus é infinitamente paciente e espera que o ser humano se decida em favor dele. – Pai, instrui-me, por teu Espírito, a respeito da pessoa e da missão de Jesus, e leva-me a aderir ao teu Filho, sempre com maior radicalidade (Pe. Jaldemir Vitório, sj – O Evangelho nosso de Cada Dia [Ano A] - Paulinas).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Terça, 18 de abril de 2023

 (At 4,32-37; Sl 92[93]; Jo 3,7-15) 2ª Semana da Páscoa.

“... para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna” Jo 3,15.

“Jesus dá testemunho da verdade contra o mundo e dá testemunho do Pai e de si próprio como enviado do Pai. Por sua vez, o Pai dá testemunho a favor do Filho e igualmente o Espírito. A estes testemunhos juntar-se-ão os testemunhos dos apóstolos. A fé consiste em receber Jesus, em conhece-lo e nele conhecer o Pai, em reconhecer nele o envido do Pai. Exercita-se a fé no amor, que observa a palavra e os mandamentos. Jesus julga os homens no sentido dessa atitude fundamental para com ele. Sua fé não seja simplesmente uma fé teórica, mas eminentemente prática em relação à vida; seja, sim, uma fé que se manifeste em cada uma de suas obras, no cumprimento de todos os mandamentos, que são a expressão da vontade de Deus. Assim, sua fé em Jesus o levará à vida eterna” (Alfonso Milagro – O Evangelho meditado para cada dia do ano – Ave-Maria).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Segunda, 17 de abril de 2023

(At 4,23-31; Sl 2; Jo 3,1-8) 2ª Semana de Páscoa.

“Jesus respondeu: ‘Em verdade, em verdade te digo, se alguém não nasce da água e do Espírito,

não pode entrar no Reino de Deus” Jo 3,5.

“Belo símbolo para manifestar a vida este da água! Mas não é só símbolo, ultrapassa o lado simbólico, porque nada mais vital do que a água. Onde tem água há vida! No Gênesis temos o Espírito de Deus pairando sobre as águas como fonte das formas e dos elementos. Amor e matéria num grande encontro esparramando o modo de ser Criador e Criatura. Água do Batismo, toque de Deus. O humano sendo batizado, o mundo sendo batizado. A graça penetrando por tudo. E no mundo podemos ver rios, riachos, ribeirões levando fertilidade para a terra. O poço reunindo população sedenta, as cascatas e as cachoeiras criando prazer e lazer; logos tranquilos de muitos peixes. Água vinda do alto no jeito da chuva e voltando pra lá no vapor quente do verão. Água no mistério das nuvens e nas nascentes ocultas numa montanha qualquer. Que bela imagem esta para poder tecer um salmo assim: ‘Do coração de quem ama saem rios de água viva!’ O amor do Senhor e seu Espírito nos tocam feito água: para limpar, purificar, matar a sede, renascer. Água é a revelação vital do modo de Deus amar! Do seu coração aberto jorrou sangue e água. Água é sacramento de Deus! Quem ama cuida do espírito; nasce cada momento deste cuidado. Quem ama lava-se na graça deste amor fontal, banha-se e se prepara para entra na festa do Reino de Deus. – Senhor, lava-me em teu amor! Assim posso apresentar-me ao mundo limpo de toda mesquinhez que mancha o meu ser. Amém (Vitório Mazzuco Filho – Graças a Deus [1995] – Vozes). Abril.

Pe. João Bosco Vieira Leite

 

Segundo Domingo de Páscoa – Ano A

(At 2,42-47; Sl 117[118]; 1Pd 1,3-9; Jo 20,19-31)

1. A vida dos apóstolos após a morte e ressurreição de Cristo não foi muito fácil. Haviam recebido a missão do Mestre de levar a todo o mundo a Boa Nova, como extensão da própria missão que Jesus recebeu do seu Pai. Mas no meio deles há um refratário em acolher a alegre notícia da Ressurreição, que constitui o núcleo essencial do anúncio missionário.

2. Ele não confia no testemunho dos seus companheiros. Quer ver, tocar, conferir. Não é aqui um estranho, um inimigo ou alguém hostil que deseja tais provas, mas um de casa. Se ele age assim, imagine o que se pode esperar dos outros que não viveram pessoalmente com Jesus.

3. Ele deixa claro de não contentar-se só com o vê, talvez sua visão possa enganá-lo: quer tocar. Por que ele, infelizmente ausente, deve contentar-se de crer a partir das palavras dos outros?

4. Não é difícil, para alguém em nosso tempo, reconhecer-se na atitude de Tomé, precursor, em certo sentido, de uma mentalidade dominada pela tecnologia e pela ciência, para a qual o que conta é ver, tocar, pesar, medir, analisar, calcular....

5. Parece que falta quase que totalmente ao nosso tempo um modo de conhecer pela contemplação, onde os sentidos são substituídos pelo silêncio, atenção, admiração, amor, intuição, poesia.

6. Assistimos a uma pavorosa mutilação dos espíritos, pela qual o ser humano não reconhece aquilo que supera suas capacidades naturais. O mistério lhe é estranho, objeto de suspeita e por fim de zombaria.

7. A vida, assim, se empobrece, banalizando-se. Obstinado em ter, prazer, produzir, consumir, não consegue descobrir o sentido autêntico da vida, porque está sempre preocupado em melhorar o padrão de vida. Do momento que Deus não se encontra numa proveta ou num composto eletrônico, não se sabe nada. E como se não existisse. Não interessa.

8. E assim encontramos Tomé diante do crucificado ressuscitado, que parece disposto a satisfazer sua curiosidade, e seu desejo de realidade e concretude. Quando Jesus avança em sua direção, de modo imprevisível, ele renuncia tal verificação com uma grande resposta: ‘Meu Senhor e meu Deus!’.

9. É a resposta de um homem transformado pela presença do Senhor, cujos sentidos são purificados; já não tem necessidade dos mesmos. Ele não tem mais necessidade de tocar. De agora em diante o contato com Jesus se realiza pela fé, ao interno de uma comunidade fundada no testemunho. Ele vê através dela, pelo Espírito.

10. E brota assim a única bem-aventurança registrada pelo Evangelista: ‘Bem-aventurados os que creram sem ter visto’. O milagre não conduz necessariamente à fé. Ele é o prêmio de quem crê. No fundo, o verdadeiro milagre é crer.

11. Por fim, João explica o motivo pelo qual escreveu o seu evangelho (20,30-31). Não é um livro para satisfazer curiosidades ou aumentar a bagagem de conhecimento, mas para alimentar a fé, fazer crescer na fé, sustentar um longo itinerário da fé. Neste caminho, podemos adotar tranquilamente como companheiro de viagem a Tomé, aquele que não estava lá.

12. Um como nós, que não cai logo de joelhos, que não confia, que resiste, que tem dúvidas, hesitações; que permanece obstinadamente num nível ‘terrestre’, que tem necessidade da infinita paciência de Deus, que não se rende fácil. Mas que através desse longo e tormentoso itinerário, guiado pelo Espírito, descobre por fim, o gesto adequado e a palavra mais simples para dizer a coisa mais importante: “Meu Senhor e meu Deus”.

Pe. João Bosco Vieira Leite

Sábado, 15 de abril de 2023

(At 4,13-21; Sl 117[118]; Mc 16,9-15) 

Oitava de Páscoa.

“Quando ouviram que ele estava vivo e fora visto por ela, não quiseram acreditar” Mc 16,11.

“A superação da incredulidade, por parte dos primeiros discípulos, aconteceu mediante um penoso caminho trilhado pela comunidade a fim de entender o que se passara com o Senhor. Não dava para acreditar que estivesse vivo quem fora vítima de horrenda morte de cruz! As imagens do Mestre desfigurado pelas torturas, cravado na cruz, com o lado perfurado por uma lança estavam ainda demasiadamente vivas na memória dos discípulos, para que pudessem dar crédito ao que se falava a respeito da ressurreição de Jesus. O testemunho de quem havia dado o passo da fé era sumariamente desprezado. Quando Maria Madalena comunicou aos discípulos – tristonho e imersos em pranto – que o Senhor estava vivo, eles não lhe deram crédito. Igualmente, não acreditaram nos dois discípulos que tinham tomado consciência da ressurreição de Jesus, enquanto voltavam para o campo. A incredulidade dos Onze só foi superada após a refeição com o Mestre. A censura que ele lhe dirigiu, por serem duros de coração, valeu também para todos quantos persistiam em lastimar a morte do amigo, sem se darem conta de que algo novo havia acontecido. Era urgente deixar a incredulidade de lado, pois tinham uma grande missão a cumprir: ir pelo mundo inteiro e proclamar o Evangelho a toda criatura. O conteúdo da Boa Nova a ser anunciada consistia exatamente no fato da ressurreição do Senhor e que por meio dela era possível obter a salvação oferecida pelo Pai a cada ser humano. – Pai, livra-me da incredulidade que me impede de ser proclamador da ressurreição de teu Filho Jesus, por quem nos é oferecida a tua salvação (Pe. Jaldemir Vitório, sj – O Evangelho nosso de Cada Dia [Ano A] - Paulinas).

Pe. João Bosco Vieira Leite

                                            

Sexta, 14 de abril de 2023

(At 4,1-12; Sl 117[118]; Jo 21,1-14) 

Oitava de Páscoa.

“Então Simão Pedro subiu ao barco e arrastou a rede para a terra. Estava cheia de cento e cinquenta e três grandes peixes; e, apesar de tantos peixes, a rede não se rompeu” Jo 21,11.

“Os discípulos apanham 153 peixes. Trata-se certamente de um número simbólico, mas não fica bem claro o que significa. Evagrio Pôntico (345-399) interpreta o número assim: 100 é o quadrado, 28 o triângulo e 25 a esfera. A Ressurreição significaria, portanto, a coincidência em nós de todos os opostos do mundo: tudo se torna um. Aquilo que é contraditório dentro de nós, o que não conseguimos juntar, é levado à unidade pela Ressurreição. A Ressurreição arredonda a nossa vida tantas vezes despedaçada. Quando a rede se enche, o discípulo que Jesus amava se dá conta que é Jesus que está na margem. E Ele declara diante dos demais discípulos: ‘É o Senhor!’ (21,7). O amor reconhece o ressuscitado no meio das atividades diárias, no meio do trabalho, no escritório, no torno, no banco do carpinteiro. O ressuscitado está presente. Mas é necessário o olhar do amor que percebeu a sua presença. O discípulo amado é testemunha que quer abrir os nossos olhos, para que também nós reconheçamos o ressuscitado na noite de nossas frustrações e banalidades. Ele está onde nós estamos. E a nossa vida dá certo quando ele está presente, porque estamos em contato com o nosso centro que reúne as partes contraditórias de nossa alma” (Anselm Grun – Jesus, porta para a vida – Loyola).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Quinta, 13 de abril de 2023

(At 3,11-26; Sl 8; Lc 24,35-48) 

Oitava de Páscoa.

“Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede!” Lc 24,39a.

“A palavra ‘ego eimi autos’, ‘sou eu mesmo’, é uma resposta à filosofia estoica. No estoicismo ‘autos’ significa o núcleo da pessoa, o santuário interno da pessoa, o domínio interno do ‘eu’, a morada de Deus dentro da alma. Lucas insiste muitas vezes na palavra ‘autos’, referindo-se sempre ao Senhor. O Cristo é ‘ele mesmo’. Trinta e quatro vezes Lucas inicia uma frase com ‘kai autos’, ‘e ele, ele mesmo’, ao passo que isso nunca acontece em Mateus, apenas três vezes em Marcos. Também nos Atos dos Apóstolos Lucas nunca usa essa expressão. Isso mostra que ela se refere exclusivamente ao Cristo. Então, quando agora o ressuscitado diz: ‘Sou eu mesmo’, temos a resposta ao anseio filosófico da filosofia estoica. No estoicismo, as pessoas desejavam ansiosamente libertar-se das preocupações e necessidades deste mundo. Queriam penetrar no seu verdadeiro ‘eu’, no santuário interno, onde já não pudessem ser lesados por ninguém. ‘Ressurreição’ significa também para nós que nos tornamos totalmente nós mesmos, livres das superficialidades do cotidiano, livres do poder dos outros, das suas expectativas, das suas pretensões, dos seus julgamentos, e que nos levantamos do irreal para o real, entrando no santuário interno, onde Deus mora dentro de nós, e onde entramos em contato com a imagem inalterada e intacta que Deus tem de nós. Jesus, o ressuscitado é, para Lucas, o protótipo daquilo que cada um de nós poderia e deveria ser” (Anselm Grüm – Jesus, modelo do ser humano – Loyola).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Quarta, 12 de abril e 2023

(At 3,1-10; Sl 104[105]; Lc 24,13-35) 

Oitava de Páscoa.

“E, começando por Moisés e passando pelos Profetas, explicava aos discípulos todas as passagens da Escritura que falavam a respeito dele” Lc 24,27.

“Jesus explica aos dois viandantes toda a Sagrada Escritura. Mostra-lhes que morte e ressurreição são o compêndio da Bíblia inteira. Isso não significa apenas que a morte e a ressurreição de Jesus foram preditas em muitos versículos bíblicos. Lucas entende antes que no mistério da morte e ressurreição de Jesus toda mensagem bíblica pode ser resumida. Todas as palavras sobre o Deus que redime e salva, sobre o Deus que nos tira da fossa, que liberta o povo escravizado, que nos salva da aflição, tudo isso se cumpre na morte e ressurreição de Jesus: não existe nada de que Deus não possa nos salvar. A Jesus, Deus suscitou dentre os mortos. Assim ele há de livrar-nos também: de toda escuridão para a luz, do sepulcro para a vida, da rigidez para a vivacidade, da prisão para a liberdade, da cegueira para a visão, da paralisia para o caminhar, da frieza da lei para o amor. Na ressurreição de Jesus revela-se para Lucas o sentido da Sagrada Escritura. É só agora que ele reconhecesse o que significam as palavras consoladoras de Isaías: ‘Se passares através das águas, contigo estarei; através dos rios, não te submergirão. Andando no meio do fogo, não te queimarás; chama nenhuma te calcinará. Pois eu, Javé, sou teu Deus; eu, o Santo de Israel, sou teu Salvador’ (Is 43,2s). Não há mais escuridão nenhuma em que não penetre a luz pascal, não há mais sepulcro em que já não se mexa a vida” (Anselm Grüm – Jesus, modelo do ser humano – Loyola).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Terça, 11 de abril de 2023

(At 2,36-41; Sl 32[33]; Jo 20,11-18) 

Oitava de Páscoa.

“Então Jesus disse: ‘Maria!’ Ela voltou-se e exclamou, em hebraico: ‘Rabuni’ (que quer dizer Mestre)” Jo 20,16.

“João descreve o encontro do ressuscitado com Maria Madalena como uma cena típico-ideal. Ele nos convida a meditar e interioriza-la. Meditando sobre essa experiência pascal da primeira testemunha da Ressurreição é possível aprofundar a nossa relação de amor e confiança com Jesus. Com a Ressurreição, o nosso amor para com Jesus torna-se eterno e definitiva. Ao mesmo tempo, a cena nos mostra que o mundo inacessível de Deus se revela e realiza no mundo familiar do encontro humano. A ressurreição não fala de um mundo de fantasia, ela é experimentável dentro de nossa vida. O encontro entre Maria e Jesus está cheio de poesia. Ele tem uma certa conotação erótica. No amor que nos encanta pode manifestar-se o mistério da Ressurreição. Mas não podemos reter o ressuscitado. Ele se manifesta, mas logo em seguida esquiva-se de nosso alcance e de nossa compreensão. É uma característica do amor entre duas pessoas: não posso segurar o outro. Existe algo no outro que precisa subir ao Pai. Há nele algo que permanece inatingível, furtando-se à minha abordagem. João quer nos dizer que, na Ressurreição, entramos numa nova relação com Jesus. Ressurreição significa: encontra Jesus de modo que ele se torne o meu mestre pessoal, que me leva à vida, que se dirige a mim com amor. Ressurreição significa que o amor é mais forte que a morte. Jesus não permaneceu na morte. O seu amor derrotou a morte. Já não podemos perder o amor de Jesus, nem mesmo morrendo. Mas a Ressurreição significa também que não podemos segurar Jesus, que precisamos aceitar que ele nos remeta ao Pai. O ressuscitado que subiu ao Pai já nos leva junto, em sua ressurreição, para a casa do Pai que é o nosso verdadeiro lar. Por isso, a Ressurreição não é o restabelecimento do estado anterior, ela é um despertar espiritual e uma renovação da vida. As estruturas antigas do agarramento egocêntrico das coisas são rompidas e o que se revela é o nosso verdadeiro centro que repousa em Deus”  

(Anselm Grun – Jesus, porta para a vida – Loyola)

Pe. João Bosco Vieira Leite

Segunda, 10 de abril de 2023

(At 2,14.22-32; Sl 15[16]; Mt 28,8-15) 

Oitava de Páscoa.

“Então Jesus disse a elas: ‘Não tenhais medo. Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam a Galileia.

Lá eles me verão’” Mt 28,10.

“Enquanto Marcos termina com a cena da fuga das mulheres da sepultura, Mateus descreve a aparição de Jesus para as mulheres. No caminho, Jesus se aproxima delas e as saúda. Elas vão ao seu encontro, lançam-se ao chão e abraçam os seus pés. Elas lhe rendem homenagem e adoração. Jesus lhes dirige, então, praticamente as mesmas palavras usadas também pelo anjo: ‘Não temais. Ide anunciar a meus irmãos que eles devem ir à Galileia: lá é que eles me verão’ (28,10). Ao contrário do anjo, aqui Jesus chama os seus discípulos de irmãos. Pela morte e ressurreição de Jesus, tornaram-se irmãos e irmãs. O seu fracasso e a sua fuga covarde estão perdoados. Em condições que contrastam com as duas mulheres que encontraram o ressuscitado e que são recebidas com fé pelos irmãos, os guardas do túmulo relatam aos sumos sacerdotes ‘tudo o que aconteceu’ (28,11). Mas os representantes de Israel não acreditam naquilo que os guardas lhes contam. Soldados romanos transformam-se em arautos da ressurreição, mas os judeus não lhes dão crédito. Antes, resolvem subornar os soldados para que estes difundam a mentira do furto do corpo. É uma cena que não carece de ironia: os soldados ‘agiram conforme as instruções que lhes haviam dado’ (28,15). No texto grego está escrito ‘conforme tinham sido instruídos’. Foram instruídos como os discípulos de Jesus, só que a instrução recebida é falsa. E eles continuam divulgando essa instrução de mentira até os dias de hoje. Com essa constatação, Mateus faz referência ao presente. Nós estamos hoje também divididos entre a mensagem da ressurreição de Jesus como é relatada por Mateus e as falsas instruções que nos querem convencer de que a ressurreição de Jesus deve ser entendida apenas em sentido simbólico, pois significaria somente que a causa de Jesus segue em frente. Mateus nos convida a acreditar na realidade histórica da ressurreição de Jesus. Ela aconteceu. O ressuscitado apareceu às mulheres. Mas a fé na ressurreição e no ressuscitado não visa a exatidão dos fatos que aconteceram naquele tempo, porque não podemos viver só dos fatos. Mateus interpreta os fatos e dirige o olhar para a frente. A fé na ressurreição de Jesus e no Senhor ressuscitado tem consequências para a nossa vida hoje. Ela nos põe em movimento, para que, olhando para trás, não nos envolvamos em discussões inúteis sobre os acontecimentos reais. Mais importante é que o ressuscitado tem uma missão para nós. A fé na ressurreição quer mostrar-se em nossa vida. A cena final do evangelho de Mateus deixa isso bem claro” (Anselm Grün – Jesus, Mestre da Salvação – Loyola).    

 Pe. João Bosco Vieira Leite

Domingo da Ressurreição do Senhor.

(At 10,34.37-43; Sl 117[118]; Cl 3,1-4; Jo 20,1-9)

1. Nosso domingo de Páscoa é uma extensão da celebração da nossa vigília Pascal. Temos o testemunho de Pedro, de um novo Pedro, perdoado e confiante que Deus fará o mesmo a quem nele crê.

2. Paulo nos lembra que pelo batismo participamos da ressurreição de Jesus e esse desejo de sermos um com Ele deve motivar as nossas escolhas: esforçais-vos por alcançar as coisas do alto. Somos lançados sempre mais para frente. A Páscoa da Ressurreição de Jesus é uma atitude de perseverança nessa vida nova a que somos chamados.

3. João nos fala desses movimentos de Madalena, de Pedro e dele mesmo nessa busca e interpretação dos sinais que o ressuscitado vai deixando ao longo do caminho, lembrando os movimentos da fé, das nossas buscas que nos trouxeram até aqui.

4. “Este é o dia que o Senhor fez para nós”, cantamos em nosso salmo. Um dia novo. Um dia que pode ser celebrado como a passagem do homem velho ao homem novo. É justamente essa a tradução mais comum do termo Páscoa: passagem. Cristo é esse nosso ‘passar’.

5. Em Cristo Jesus passamos de um estado de separação a uma relação de comunhão. De uma situação de morte à vida. Aquela pedra que fechava o nosso velho mundo, decrépito, sufocante, em que éramos prisioneiros, ele lança fora, para que saímos de nossas prisões.

6. Cristo hoje nos oferece o seu “dia”, um novo dia. Como se esse dia inaugurasse um mundo novo. A única recomendação é de que não voltemos atrás. Nem mesmo para recuperar as nossas pobres bugigangas. Devemos cortar nossas relações com o velho, com o ódio, com as divisões.

7. Não devemos chorar sobre o nosso calendário, mas deixar-se mover pelo de Cristo, habituar-nos à luz, ao amor, à liberdade. Somos chamados a recomeçar. Esvaziar-se dos velhos hábitos, para ser uma nova criatura. Como se fossemos um principiante nesses caminhos novos que o Senhor nos propõe.

8. Esse é o convite cantado ontem e hoje também: “Banhados em Cristo, somos uma nova criatura. As coisas antigas já se passaram, somos nascidos de novo”. Este é o dia que o senhor fez para nós. Alegremo-nos e nele exultemos!


Pe. João Bosco Vieira Leite

 

Sábado, 08 de Abril de 2023

 – Vigília Pascal (Orientação sobre a celebração desse dia - leituras)

“A Vigília Pascal, ‘mãe de todas as vigílias’ (Santo Agostinho) tem início festivamente com a liturgia da luz e o canto do Exultet. O tom torna-se depois mais meditativo na liturgia da Palavra, que se reveste de uma importância excepcional. As leituras são mais numerosas que as de qualquer outra celebração eucarística, e pretendem mostrar como o mistério pascal representa o ponto culminante da história da Salvação. Assim o diz a oração depois da sétima leitura: ‘Senhor nosso Deus, que nos instruís com as páginas do Antigo e do Novo Testamento para celebrarmos o mistério pascal’. As orações que se seguem às leituras oferecem por isso uma chave para a interpretação cristã da Palavra. Deveremos por isso seguir com atenção duas linhas de desenvolvimento: de um lado, a série dos acontecimentos narrados nas leituras: 1. A Criação; 2. O sacrifício de Abraão; 3. A saída do Egito; 4. A libertação da Babilônia; 5. As condições do regresso do Exílio; 6. A causa do Exílio; 7. O coração novo; e do outro a relação de cada um dos acontecimentos com a Páscoa de Jesus, posta em evidência pelas orações. As leituras e as orações ajudam-nos a compreender duas coisas: Antes de mais, o ‘como’, que indica ‘os modos de agir de Deus’ (DV 15) descritos particularmente pelas leituras. A liturgia da Palavra começa com esta admoestação: ‘Meditemos como Deus outrora salvou o seu Povo e como, na plenitude dos tempos, enviou Jesus Cristo, nosso Salvador’. Em segundo lugar, podemos reparar numa evolução: se são grandes as obras de Deus realizadas desde a criação do mundo, ‘o sacrifício de Cristo, nosso Cordeiro pascal, é obra ainda mais excelente que o ato da criação no princípio do mundo’ (Oração depois da primeira leitura)” (Giuseppe Casarin – Lecionário Comentado [Quaresma - Páscoa] – Paulus).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Sexta, 07 de abril de 2023

 (Is 52,13—53,12; Sl 30[31]; Hb 4,14-16; 5,7-9; Jo 18,1-19,42) Sexta Santa.

“Mesmo sendo Filho, aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo que sofreu” Hb 5,8.

“Como você lida com os sofrimentos? Geralmente, quando a vida é tomada por algum tipo de sofrimento, perguntas rondam o coração: Por que? O que eu fiz para acontecer isto? Até quando vou passar esta situação? Pode até parecer estranho de ouvir, ler e entender isto, mas algumas vezes o sofrimento pode ser uma bênção disfarçada de Deus. Conheço muitas vidas que, somente através de sofrimentos, lembram de buscar a Cristo, sua Palavra e sua ajuda. Arrisco-me a dizer que Deus permite alguns sofrimentos para nos ensinar a olharmos para o alto e pedir ajuda, para mostrar que não somos autossustentáveis. Os sofrimentos nos mostram que somos vulneráveis, frágeis e fracos. Os sofrimentos conduzem nossos olhos para a Palavra. Fazendo referência ao próprio Jesus, a Palavra diz que, ‘embora fosse Filho de Deus, aprendeu a obediência por meio dos sofrimentos’ (Hb 5,8). O Salvador foi obediente, cumpriu o plano de salvação. Foi humilhado, insultado, desprezado, rejeitado, condenado à morte humilhante e desprezada. Mas ressuscitou ao terceiro dia, mostrando ser Deus vitorioso e Rei sobre e a morte. Os sofrimentos ensinam. Não apenas ao Filho de Deus citado no Livro de Hebreus, mas também aos filhos de Deus do século XXI. Se o seu coração hoje está machucado e enfrentando situações de sofrimento, então reflita, ore, peça sabedoria a Deus para compreender o que Ele quer ensinar. Uma coisa é certa. O Senhor é Deus presente especialmente nos dias de aflição e sofrimento. Mesmo que Ele queira ensinar algo com os sofrimentos, jamais faltará cuidado, proteção e consolo. Ele está pronto para ouvir sua oração! – Senhor, se Tu queres podes usar os sofrimentos como teu instrumento para me ensinar a ser totalmente dependente de ti. Não ensine somente, mas console-me nestes dias de sofrimento. Preciso sempre da tua ajuda, do teu consolo, da tua mão forte em meus dias de fraqueza. Por Jesus, meu Salvador, amém!” (Bruno Arnoldo Krüger Serves – Meditações para o dia a dia [2017] – Vozes).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Quinta, 06 de abril de 2023

(Ex 12,1-8.11-14; Sl 115[116B]; Jo 13,1-15) Missa da Ceia do Senhor.      

“Portanto, se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros” Jo 13,14.

“Jesus tinha ‘defeitos’ em sua humanidade aqui na terra. Por ocasião do seu batismo, por exemplo, o evangelista escreve que Ele era esquizofrênico (em grego), pois teve visões (os céus abertos), que nenhum dos presentes teve. No nosso texto, o evangelista apresenta Jesus com outro ‘defeito’: Ele é pretensioso. Ou não é muita pretensão de Jesus esperar que os cristãos lavem os pés uns dos outros? Ironias à parte, o fato é que os seguidores de Jesus precisam ter muito claro que a fé inverte lógicas, subverte valores, desconstrói verdades, questiona o senso comum. Pode existe alguma lógica no ato de Jesus lavar os pés dos discípulos? Pode existir algum valor no gesto de se ajoelhar diante do semelhante? Quem crê ser verdadeiro Deus lavando os pés de homens? Não reza o senso comum ‘cada um na sua’? É evidente que esta é a intenção de Jesus para com seus discípulos: fazê-los entender todas suas verdades religiosas do ‘velho homem’ precisam ser lavadas: a água da bacia simboliza o sangue de Jesus que lava os pecados da humanidade, para que surja o ‘novo homem’, criado em Cristo Jesus para a prática das boas obras, as quais o Pai preparou para que andassem nelas. Pompa e circunstância têm sido marcas da Igreja ao longo da história, em oposição à sua missão de humilde serviço em favor dos necessitados. Orgulho e prepotência são características de cristãos que ainda não experimentaram a imprescindível passagem do lava-pés, em claro conflito com sua verdadeira vocação de gestos concretos de humildade para o bem do próximo. Cristo nos deu o exemplo para que, como Ele fez, façamos nós também. É dever cristão não deixar que seja um ‘defeito’ a pretensão de Jesus que nos lavamos os pés uns dos outros. – Senhor, já me lavastes os pés. Sou salvo. Que minha vida salva esteja a serviço de lavar os pés do meu próximo, para que ele também seja salvo. Amém (Augusto Jacob Grün – Meditações para o dia a dia [2015] Vozes).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Quarta, 05 de abril de 2023

(Is 50,4-9; Sl 68[69]; Mt 26,14-25) Semana Santa.

“Então Judas, o traidor, perguntou: ‘Mestre, serei eu?’ Jesus lhe respondeu: ‘Tu o dizes’” Mt 26,25.

“O contexto do anúncio da traição de Judas aponta para a ruptura da comunhão que a traição comportaria. Esta seria consumada por alguém que partilhava a intimidade de Jesus, na condição de companheiro de caminhada e missão. Sentar-se à mesa simbolizava comunhão de vida. A traição revelaria hipocrisia de Judas no seu relacionamento com Jesus. Não era quem dava a impressão ser, e sim um traidor travestido de amigo. Judas, no entanto, não detinha o poder sobre a vida de Jesus. O evangelho sublinha que o gesto dele estava inserido num contexto maior do desígnio divino a respeito do Messias. Nem por isso sua responsabilidade foi menor. As palavras terríveis que recaíram sobre ele não deixaram dúvida a este respeito: ‘Seria melhor que nunca tivesse nascido!’. Toda a cena é comandada por Jesus. É ele quem dá instruções precisas a respeito do lugar onde deve ser preparada a ceia pascal, da pessoa que haveria de ceder-lhes o local, da mensagem que lhe seria transmitida e dos detalhes da preparação. Os discípulos obedecem prontamente, fazendo tudo conforme o Mestre determinara. Só Judas age na contramão da vontade do Mestre, mesmo que sua decisão, em última análise, já estivesse no contexto da vontade de Deus. Nenhum discípulo deveria seguir um tal exemplo. – Pai, reforça minha comunhão com teu Filho Jesus, de forma que nenhuma atitude minha possa colocar em risco este relacionamento profundo propiciado por ti (Pe. Jaldemir Vitório, sj – O Evangelho nosso de Cada Dia [Ano A] - Paulinas).

 Pe. João Bosco Vieira Leite

Terça, 04 de abril de 2023

 (Is 49,1-6Sl 70[71]; Jo 13,21-33.36-38) Semana Santa.

“Nações marinhas, ouvi-me; povos distantes, prestai atenção: o Senhor chamou-me antes de eu nascer;

desde o ventre de minha mãe, ele tinha na mente o meu nome” Is 49,1.

“A frase exprime o conhecimento da eleição divina, de ter uma vocação e uma missão confiada por Deus. Vale para alguns personagens (o servo, ou seja, Jeremias) e sobretudo para Maria, a ‘cheia de graça’ desde o seio de sua mãe (cf. Lc 1,28). Em geral aplica-se a todos os membros do povo de Deus, ‘escolhidos antes da criação do mundo’ (Ef 1,4; 1Ts 1,4). Deus tem um projeto para cada um de nós e no ‘Pai Nosso’ pedimos que ele se cumpra: ‘Seja feita a vossa vontade’ (Mt 6,10)”

(Giuseppe Casarin – Lecionário Comentado [Quaresma - Páscoa] – Paulus).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Segunda, 03 de abril de 2023

 (Is 42,1-7; Sl 26[27]; Jo 12,1-11) Semana Santa.

“Maria, tomando quase meio litro de perfume de nardo puro e muito caro, ungiu os pés de Jesus

e enxugou-os com os cabelos. A casa inteira ficou cheia do perfume do bálsamo” Jo12,3.

“A unção com o óleo precioso é uma imagem do amor. No começo da paixão está o amor de uma mulher. No capítulo 13, o agir de Jesus é descrito como amor. Enquanto em Marcos e Mateus a mulher unge a cabeça de Jesus, descreve João claramente a unção dos pés. Ungir os pés é um gesto muito pessoal e erótico, permitido tão somente à esposa ou à filha de um homem. O que Maria faz tem seu paralelismo no gesto de Jesus, que, na última ceia, lavará os pés dos discípulos. Nessa ocasião, ele realizará em seus discípulos não apenas o serviço masculino de escravo, mas também o serviço feminino da esposa e filha. Na cruz, Jesus deverá completar esse ato de amor em que ele se entrega a si mesmo por nós. Nesse momento abrir-se-á o recipiente precioso de seu coração e o seu amor será derramado sobre nós. Judas não compreende o amor esbanjador de Maria. Falta a ele também a sensibilidade pelo mistério do amor de Jesus que se entrega por nós na morte. Ele enxerga tudo sob o aspecto utilitário. É uma atitude muito humana. Mas o amor de Deus é diferente. A revelação de Jesus não se deixa açambarcar, nem mesmo em forma de programa social. Na realidade, diz, João, às vezes escondem-se mesmo atrás do programa social apenas inveja e ganância. Aqui se trata do mistério do amor que se esvai. Aqui se trata do amor de uma mulher. Ela encontra-se no começo e no fim da paixão quando Maria Madalena sai a procura daquele a quem a sua alma ama. O centro da paixão, a morte de cruz, é a consumação do amor. Com a imagem da unção de Jesus, João dá a entender que o amor de Jesus se completa na paixão e ressurreição é incalculável. Ele é esbanjador e insensato. As pessoas objetivas não conseguem compreendê-lo. Ele só pode ser entendido por aquele que sabe amar” (Anselm Grüm – Jesus: Porta para a Vida – Loyola).

Pe. João Bosco Vieira Leite

 

Domingo de Ramos – Ano A

(Mt 21,1-11; Is 50,4-7; Sl 21[22]; Fl 2,6-11; Mt 27,11-54)

1. Nesse domingo, que chamamos de Ramos, recordamos a entrada solene de Jesus em Jerusalém e assim somos introduzidos na Semana Santa com a leitura da narrativa da Paixão. Toda a narrativa é articulada em torno do tema da cruz. A cruz é o ponto culminante da obra de salvação realizada por Cristo. Mas a cruz é também a dimensão fundamental da existência cristã.

2. A cruz tem uma função insubstituível na construção desse ‘homem novo’, no dizer de Paulo. Mas é importante que cada cristão seja consciente e aceite de maneira livre e amorosa, sem toma-la de maneira sofrida e sem se vitimar. Talvez simplesmente abraça-la, como faz o Cristo. “Uma cruz que se carrega é melhor que uma cruz que se arrasta” (Sta. Teresa).

3. Nessa dimensão cristã, preciso ser consciente que a cruz precisa de duas presenças, nunca a carrego sozinho. Uma cruz solitária é desumana. É a cruz que se carrega junto que nos faz entrar no dinamismo da redenção. Na cruz cristã, a nossa frente, na outra extremidade, está o próprio Jesus.

4. A cruz antes de ser minha, é d’Ele. Em cada cruz está Cristo. A nós vem proposto que carreguemos juntos. Essa é a linha divisória que separa aquele que vê a cruz como realidade concreta, inevitável, como sofrimento pessoal, e a outra que vê a cruz como um sofrimento participativo.

5. É uma questão do olhar. Há quem veja somente o madeiro que lhe pesa às costas, e tudo termina aqui. Mas há quem veja as costas de Alguém que lhe está à frente e tudo vai terminar ali.

6. Assim, qualquer situação dolorosa não é algo que só me diz respeito, mas é algo que nos diz respeito. Tudo aconteceu antes a Ele. O que me é oferecido é ser participante e protagonista juntamente com Ele.

7. Comumente, se algo de ruim nos acontece, procuramos logo alguém para desabafar. E deixamos de voltar-nos unicamente Àquele que é capaz de compreender melhor do que ninguém, pois Ele mesmo a provou. Por que não desabafar com Ele, nosso companheiro de cruz. Que nos pode oferecer a piedade dos outros? Não aqui desconsiderando os métodos terapêuticos necessários para atravessar certos momentos da nossa vida. Mas o que está em primeiro lugar?

8. Quantas vezes, diante de certos sofrimentos, rezamos instintivamente: “Senhor, ajuda-me a carregar com paciência essa minha cruz”. Jamais pensamos em rezar de modo justo: “Senhor, não me deixe faltar a força (e o amor) para ajudá-lo a carregar esta cruz que se abateu sobre mim”. Só para lembrar que Ele já a está carregando conosco.

9. Essa realidade está aqui prefigurada na imagem de Simão, de Cirene, o especialista em cruz compartilhada. Justo ele, que vinha do trabalho, já com seu cansaço e suas preocupações, que queria só chegar em casa, escapar por alguma brecha daquela multidão, passar invisível...

10. Eis que o alcançam. Não tem como escapar. Sente também as pernas de chumbo, o peso sobre as costas, a energia que se vai, pensa em si, mas ao levantar o rosto contempla um Outro que o convida a segui-lo, com um olhar de quem entende o que está acontecendo.

11. Quem é o Cireneu nessa história? Aquele que ofereceu ajuda ou aquele que a está recebendo? Será que foi o Cirineu que se encontrou com Cristo na estrada ou providencialmente foi Cristo que se colocou na dele? De quem é a cruz, de Cristo ou do Cirineu? Em meio a essa confusão de cruzes é que se pode ir muito além.... O importante é saber que não estou só...

 Pe. João Bosco Vieira Leite