Sábado, 29 de fevereiro de 2020


(Is 58,9-14; Sl 85[86]; Lc 5,27-32) 
Depois das Cinzas.

“Jesus viu um cobrador de impostos, chamado Levi, sentado na coletoria. Jesus lhe disse: ‘Segue-me’”.
Lc 5,27.

“Toda a vida cristã é fundada na possibilidade, melhor, na realidade de um apelo. Não existe somente o primeiro e fundamental apelo da fé; há os de todos os dias, para o serviço, para a oração, para o sacrifício, numa palavra, para o ordinário, que é diferente e mesmo contrário de rotina, visto que é uma solicitação sempre nova e sempre imprevista à nossa liberdade de resposta. O santo é alguém disponível, espera ordens. A Deus não se corta a palavra. Esta possibilidade de ouvir um apelo e de responder-lhe atualiza-se ao máximo na conversão. O homem é capaz de modificar-se, de dar outra direção, outro sentido a sua vida. É para isso que o convida a primeira palavra do Evangelho, na qual as narrativas resumem a pregação de João Batista e de Jesus: ‘Convertei-vos e crede na boa nova’. É, sem dúvida, por isso que Jesus reconhece uma espécie de primazia para o pecador: é sempre ao vazio e ao defeituoso que ele se dirige; é somente o pobre que ele quer enriquecer. Mas, no fundo, é o único que pode ser enriquecido, porque ‘não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os doentes’. Após ter citado este texto, Lutero evocava o de Lucas e escrevia, em 1515-1516: ‘Só é procurada a ovelha que se perdera, só o cativo é libertado, só se enche o que está vazio, só é construído o que não existe’. Foi o sentimento desta situação de certa forma privilegiada do pecador, que levou S. Ambrósio a considerar igualmente excepcional o apelo que lhe foi dirigido. ‘O Senhor chamou o homem e lhe disse: onde estás?’ O justo, que vê o Senhor e vive em sua companhia, não deve esconder-se nem ser por ele procurado, porque está sempre em sua presença. Porém o pecador, que se furta à voz e se oculta no bosque do paraíso, a ele Deus chama: ‘Adão, onde estás?’ Porque ele se esconde, ele tem vergonha. Mas o fato de ser chamado é já sinal de que poderá curar-se do pecado porque Deus chama aqueles de quem tem piedade” (Y. Congar – La Vie Spiritualle – Ed. Beneditina Ltda.).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Sexta, 28 de fevereiro de 2020


(Is 58,1-9; Sl 50[51]; Mt 9,14-15) 
Depois das Cinzas. 

“’Por que não te regozijaste quando jejuávamos e o ignoraste quando nos humilhávamos?’
É porque, no dia do vosso jejum, tratais de negócios e oprimis os vossos empregados” Is 58,3.

“De sã consciência, ninguém poderia dizer que o povo da Palestina, ali pelo século VII ou VI a.C., não tinha religião. Tinha e muito. Templo cheio, sacrifícios de animais e até jejuns justificavam que a religião tinha entre o povo a mais alta consideração. E que a religião é um negócio relacionado em última análise com Deus, ele deveria estar superfeliz. Mas não estava. O seu desconforto era tamanho que o próprio povo, através do profeta, acabou sabendo. Daí a sua queixa de quem se sente não só abandonado, mas acima de tudo desprezado e traído. Por que Deus agiu de forma tão contrária ao esperado em relação a um povo que não economizava devoção e devoção das boas como jejum e mortificação? Teria Deus perdido a sensibilidade? Acontece que Deus não é um narcisista que precise o tempo todo de bajulação. Deus não precisa sequer da nossa boa obra, seja ela de que tipo for, menos ainda de cunho puramente ritual. Se ele, porém, não precisa das nossas boas obras, o nosso próximo precisa e muito. Aí é que está a questão. Jejum e sacrifícios eram feitos naquele tempo como desculpas antecipadas para enganar e oprimir o pobre. Desse modo, o próprio Deus era convocado como cúmplice da injustiça e opressão. E isso ele não fez em hipótese alguma. – Deus, tu nos ama e redimes, queres de nós um culto perfeito que leve em conta as necessidades do próximo. Quando, pois, eu olhar para o alto faze-me também olhar para o lado. Amém (Martinho Lutero e Iracy Dourado Hoffmann – Graças a Deus [1995] – Vozes).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Quinta, 27 de fevereiro de 2020


(Dt 30,15-20; Sl 01; Lc 9,22-25) 
Depois das Cinzas.

“Depois Jesus disse a todos: ‘Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo,
tome sua cruz de cada dia e siga-me’” Lc 9,23.

“Nas palavras que antecedem ao texto acima, Jesus fala do sofrimento que lhe estava reservado, a saber, que seria rejeitado pelos anciãos, sacerdotes e escribas de seu povo, que haveria de ser morto e que ressuscitaria. É depois destas afirmações que Ele disse que todos que quisessem vir após Ele teriam que seguir estes passos, a saber: renunciar a si mesmo, tomar sua cruz de cada dia e segui-lo. Renunciar a si mesmo significa colocar o outro acima de si próprio. Isso acontece muito com cristãos. Na hora em que o próximo passa por necessidade, o cristão para de pensar em si mesmo e está pronto para abrir mão de suas férias, por exemplo, para ajudar o necessitado. Sim, renunciar a si mesmo é obediência a Deus, que espera que amemos o próximo como a nós mesmos. O segundo passo é tomar a sua cruz dia a dia. Enquanto muitos, em nossos dias, anunciam que o seguir a Jesus resultará em bênçãos materiais abundantes, em saúde, em felicidade, Jesus mostra que aquele que for atrás dele deverá carregar a sua cruz, mostrando que, na verdade, sua vida não será aquele mar de rosas. Apesar de não ser uma vida sem dificuldades, Jesus nos dá o seu estímulo ao dizer ‘siga-me’. Sim, apesar de nos aguardar um caminho cheio de renúncias e de cruzes, sigamos cheios de fé àquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida. No final da estrada, encontraremos a placa que nos fará felizes para sempre, a placa que nos dirá bem-vindos à morada celeste. Sigamos, pois, a Jesus em fé. A vida eterna nos aguarda. Amém. – Bondoso Salvador, ajuda-me na caminhada em que quero te seguir fielmente. Ajuda-me a mim e a todos os cristãos para que não tropecemos, mas mantenhamo-nos firmes na fé até o fim. Em teu nome. Amém (Patrícia de Moraes Mendes de Sousa – Meditações para o dia a dia [2017] – Vozes).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Quarta, 26 de fevereiro de 2020


(Jl 2,12-18; Sl 50[51]; 2Cor 5,20—6,2; Mt 6,1-6.16-18) 
Cinzas.

“Aquele que não cometeu nenhum pecado, Deus o fez pecado por nós,
para que nele nos tornemos justiça de Deus” 2Cor 5,21.

“Fora ou dentro, constatamos: o mal está ‘aí’ – em nós, fora de nós. A isto a leitura da fé chama pecado. Falar de pecado só é possível ao crente. Também a graça, manifestação do próprio Deus, isso supõe. Graça e pecado, portanto, pedem o corajoso passo da fé. A perspectiva da fé parte da graça de Deus, este olhar cheio de positividade que, mesmo diante do pecado, diz, também com o Apóstolo: ‘Onde abundou o pecado, superabundou a graça’. A mensagem da reconciliação está na base para compreendermos de modo adequado o próprio pecado. Em Cristo se realiza plenamente esta reconciliação, o resgate do pecador. Aqui está o ponto central: trata-se de resgatar a pessoa que peca, que erra. Mais importante que ficar apontando pecados, trata-se da redenção oferecida a quem erra. Nos gestos de Jesus isso fica sempre claro. Ele apresenta um Deus que está pronto para acolher a pessoa que, em Cristo, será sempre criatura nova. Deus não é um Deus do passado! Ele não fica preso em nossos erros já cometidos. Ele nos olha com seu olhar de ternura e acolhimento no ‘hoje’ de nossas vidas. Por solidariedade conosco, por amor encarnado, Jesus participa dessa nossa realidade de pecado (divisão, limitação, contradição). Ele que não conheceu o pecado, Deus o faz pecado, o faz participante desta nossa realidade frágil e incerta, para assim mostrar o quão próximo de nós está. O amor de Deus por nós é tão grande que é como se Ele nos dissesse: ‘se tu estiveres na lama, lá estrei sujo contigo, para de lá sairmos juntos; quando estiveres frágil, estarei frágil contigo, para te fortalecer; quando errares, estarei ao teu lado, para superar o erro e acertar os passos’. De fora não há resgate. Mas onde há perigo, lá cresce também o Salvador! – Ajuda-nos, Senhor, a permanecer contigo, assim como permanece sempre conosco. Assim experimentaremos, reconciliados, tua misericórdia que acolhe o pecador e dá-lhe força na luta contra o pecado. Amém (Adriano Freixo Pinto – Meditações para o dia a dia [2015] – Vozes).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Terça, 25 de fevereiro de 2020


(Tg 4,1-10; Sl 54[55]; Mc 9,30-37) 
7ª Semana do Tempo Comum.

“Jesus sentou-se, chamou os doze e lhes disse: ‘Se alguém quiser ser o primeiro,
que seja o último de todos e aquele que serve a todos!’” Mc 9,35.

“Um dos grandes males que assolam a Igreja cristã é o fato de haver cristãos dentro dela com os mesmos sentimentos que dominam as relações de poder no mundo. Há disputa de mando, procura de influência e brigas e mais brigas, às vezes entre membros duma mesma congregação, às vezes entre congregações, diretoria e pastores, às vezes nas convenções entre candidatos a cargos X ou Y. O consolo único, talvez, é que ninguém está errado, pois todos se consideram corretos. E o mal não é novo. Dentro daquele seleto grupo dos doze discípulos de Jesus a disputa já levantava suas primeiras fumaças, fato que levou Jesus a tomar as devidas providências. ‘Se alguém quiser ser o primeiro, seja o último e o servo de todos’. E daí? Será que uma simples frase pode resolver esse vulcão prestes a explodir da busca de poder? De modo algum. Acontece, porém, que tais palavras se ligam indissoluvelmente ao centro do próprio cristianismo – o perdão que Deus nos dá. E o que faz o perdão? Elimina a culpa e estabelece um relacionamento de puro amor e graça entre Deus e nós – relacionamento que, da nossa parte, chamamos de fé. A partir desse momento não há mais egoísmo, nem medo, nem interesse próprio, nem vontade de mandar nos outros, nem procura de arrastar para si todas as honras e glórias, pois da fé nasce o amor e o amor vive para os outros. E isso não fica tão-somente na retórica de teólogos e pregadores. Quantos cristãos em casa, na fábrica, no escritório, no campo, na escola, no transporte não estão vivenciando seu humilde serviço, humilde e útil! Lamentamos, é bem verdade, que brigas e lutas se manifestam com tanta frequência entre nós e em nós, individualmente, pois não somos perfeitos. E se formos flagrados em imperfeição, busquemos o perdão de Deus. É nesse perdão que vamos encontrar forças para viver. – Senhor Jesus, minha velha natureza não quer servir a não ser a si mesma. Faze-me vencer esse egocentrismo com o teu perdão para poder servir ao meu próximo. Amém” (Martinho Lutero e Iracy Dourado Hoffmann – Graças a Deus [1995] – Vozes).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Segunda, 24 de fevereiro de 2020


(Tg 3,13-18; Sl 18[19B]; Mc 9,14-29) 
7ª Semana do Tempo Comum.

“Jesus respondeu: ‘Essa espécie de demônio não pode ser expulsa de nenhum modo, a não ser pela oração’” Mc 9,29.

“Jesus cura um rapaz que amiúde sofre de convulsões. À primeira vista o rapaz possesso apresenta os sintomas típicos de um epilético. Mas, se entendermos o episódio como a cura de um rapaz epilético, este terá pouco a ensinar. A história se torna muito mais interessante quando passamos a ver na descrição que Marcos nos dá do doente uma imagem de nosso estado interior e quando a cura do rapaz é analisada também sob a perspectiva da terapia do relacionamento entre pai e filho. [...] Marcos nos conta a cura do jovem possesso logo depois da cena em que Jesus ficou transfigurado diante dos olhos de seus discípulos. Esta é sua verdadeira figura, em que se torna visível o que ele é de verdade: o Filho bem-amado de Deus, no qual resplandece a glória divina. Imediatamente após essa experiência intensa do verdadeiro ser de Jesus, Marcos descreve um jovem que sofre por causa do relacionamento com o pai cuja beleza e dignidade são desfiguradas por crises de epilepsia. Jesus restabeleceu sua dignidade, de modo que também nele possa resplandecer a glória de Deus. Além disso fica demonstrado que o rapaz não é apenas filho de um pai físico, mas também do filho amado de Deus. Quando as pessoas estão envolvidas em relações maléficas, estão sob o poder dos demônios. Os discípulos não conseguem expulsar o demônio. Jesus os adverte: ‘Esta espécie de espírito, nada o pode fazer sair, a não ser a oração’ (9,29). Só quando percebemos na oração que somos filhos e filhas amados de Deus, conseguimos livrar-nos das amarras demoníacas, e a glória de Deus pode resplandecer também em nós” (Anselm Grun – Jesus, Caminho para a Liberdade – Loyola).

Pe. João Bosco Vieira Leite

7º Domingo do Tempo Comum – Ano A


(Lv 19,1-2.17-18; Sl 102[103]; 1Cor 3,16-23; Mt 5,38-48).

1. Interrompendo o Sermão da Montanha, por causa da quaresma, e concluindo o texto iniciado no domingo anterior, temos as duas últimas antíteses, das seis apresentadas por Jesus: o perdão em vez da vingança e o amor ao inimigo em vez do ódio.

2. Jesus está apresentando uma alternativa à lei do talião presente no Antigo Testamento que permite vingar-se na mesma medida da ofensa recebida. Algo bem humano. Mas Jesus convida seus ouvintes a enveredar por outro caminho, renunciando a toda forma de violência ativa, mesmo como autodefesa.

3. A 1ª leitura ilumina a 2ª antítese com relação ao amor aos inimigos, mas na limitada compreensão de que se trata do parente ou compatriota. Jesus está pensando em todo ser humano, sem distinção de raça, língua ou credo.

4. Nesse agir diferenciado o cristão revelaria a sua identidade: Filho de Deus. Assim compreendemos esse convite de Jesus: “Sede perfeitos porque o vosso Pai celeste é perfeito”. Não basta saudar e amar os amigos; isso qualquer pessoa faz. Ao cristão pede-se mais.

5. É inevitável que nos perguntemos: este programa de Jesus é viável ou seria uma simples utopia para sonhadores? Com a maioria, talvez digamos: isso é impossível, demasiado sublime. Quando muito, um ofendido poderá perdoar, mas esquecer e amar o agressor... parece algo impossível.

6. Não esquecer não quer dizer necessariamente que se alimente sentimento de ódio, rancor ou agressividade, ou mesmo o estranho prazer da vingança.

7. Apesar de todas as razões que temos para apresentar, esse ideal impossível esteve presente na vida de muitos cristãos ao longo da história, não eram homens e mulheres inconscientes ou covardes, mas de grande coração e de maturidade humana e cristã inigualável.

8. Jesus nos convida a não-violência ativa do amor. A nossa estrutura psíquica não pode suportar um amor afetivo e o carinho emocional ao inimigo por simples decreto, isso teria consequências patológicas e inumanas. Jesus não faz isso, não o exige.

9. O que Ele nos propõe é o seu próprio modo de agir, que sejamos capazes de fazer o bem ao inimigo, rezar por ele, respeitá-lo como pessoa, filho de Deus, excluindo de nosso agir toda violência e ódio, que não é uma resistência pacífica, ainda que ativa, pelo amor.

10. Ele a praticou no processo de sua paixão, que estará no centro de nossa meditação durante a quaresma. Se agem com violência para com Ele, ele pede uma explicação. Não se aprova qualquer silêncio perante a irracionalidade e a injustiça. Sabemos quantos valentes defensores dos direitos humanos deram suas vidas.

11. Gandhi sabia que perdoar e amar é a grande força ativa do não-violento, a única opção capaz de travar e destruir o espiral do mal e da violência. Tudo isso requer caráter, valentia e maturidade humana e cristã, ao estilo de Jesus que morreu perdoando e amando.

Pe. João Bosco Vieira Leite

Sábado, 22 de fevereiro de 2020


(1Pd 5,1-4; Sl 22[23]; Mt 16,13-19) 
Cátedra de São Pedro.

“Simão Pedro respondeu: ‘Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo’” Mt 16,16.

“É Jesus verdadeiramente o Filho de Deus? Eis o gênero de questão cujo enunciado parece bem simples, mas que não tem sentido algum, separada do contexto global do Evangelho. Feita a pergunta, por exemplo, a um muçulmano, ele responderá logo: impossível! A quem, com efeito, concebe Deus como único e transcendente, é impensável associar-lhe um ‘filho’ ou lhe atribuir não sei que ato carnal ou mítico de geração. Essa ideia, aliás, estava longe do pensamento dos próprios discípulos de Jesus, quando começaram a ligar-se a ele. O que, entretanto, era notável para eles, é que a expressão ‘filho de Deus’ fazia parte do vocabulário das Escrituras. Esta metáfora significava relações aparentemente mais estreitas entre Deus e tais de suas criaturas: os anjos eram por vezes designados assim, frequentemente o próprio povo de Israel, e finalmente o rei que simbolizava mais particularmente a fidelidade de Deus por seu povo. No tempo de Jesus, a expressão ‘filho de Deus’ fazia, pois naturalmente parte da panóplia de títulos atribuídos ao Messias. É nesse sentido que se deve compreender a palavra do demônio na cena da tentação: ‘Se és o Filho de Deus, ordena a essas pedras que se mudem em pão’, ou a questão de Caifás: ‘Es tu o Cristo, o Filho Bendito?’ O sentido da expressão podia, pois, ser tão ambíguo como a concepção do messianismo que lhe era subjacente. É por isso que Jesus não reivindicou, sem mais nem menos, esse título. Foi por uma outra via que ele deixou suspeitar o mistério real da sua pessoa: falando cada vez mais abertamente de Deus como seu Pai, revelando a intimidade das suas relações com ele, numa palavra, deixando reconhecer a filiação divina que ele vivia em todas as fibras do seu ser, e que ele manifestava não pela especulação sobre títulos, mas por atos de Filho. Foi S. João que melhor reuniu e concentrou no seu Evangelho esses múltiplos traços que desenham a fisionomia autêntica e o mistério inaudito d’Aquele que os seus, pouco a pouco aprenderam a conhecer como Filho de Deus. Mas essa suprema confissão, que basta para fazer o cristão, pode ser preparada para tais sinais e palavras, pode tornar-se pensável e plausível para o espírito: ela só se tornará certeza e grito de fé, quando e porque Deus mesmo consuma, dentro dos corações, ‘a revelação, em nós, do seu Filho’, como diz S. Paulo (Gl 1,16). Por isto a Igreja sempre considerou como certidão de seu nascimento a confissão da fé de Pedro em Cesaréia: ‘Tu és o Cristo, o Filho de Deus Vivo’ (Mt 16,16). Aí ela escuta com clareza o que Pedro, no princípio, só podia compreender obscuramente, e ela sabe que poder dizer isto não provém ‘bem da carne, nem do sangue, mas do Pai’ de Jesus Cristo. Porque ‘ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho quiser revelar’ (Mt 11,27)” (A. M. Besnard – Fêtes et Saisons – Editora Beneditina Ltda.).

Pe. João Bosco Vieira Leite   

Sexta, 21 de fevereiro de 2020


(Tg 2,14-24.26; Sl 111[112]; Mc 8,34—9,1) 
6ª Semana do Tempo Comum.

“Com efeito, de que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro se perde a própria vida?
E o que poderia o homem dar em troca da própria vida?” Mc 8,36-37.

“Se Jesus é o Servo Justo, que carrega nossas dores e nossos sofrimentos sobre si para nossa justificação, quem o assume como Senhor da sua vida, assume com Ele a cruz, ou seja, a humilhação, o sofrimento, a injustiça e toda forma de aflição. Quem quiser seguir Jesus precisa ter a coragem de renunciar a própria vida, pois aquele que se sacrifica por causa de Jesus alcançará a vida eterna da alma. Por isso, absolutamente não adianta possuir todas as riquezas, todos os títulos e honrarias neste mundo se nada disso fará com que a pessoa humana possa reverter sua situação após sua morte. Não é possível comprar a salvação da alma. Uma vez perdida a vida eterna, não se tem nem poder nem meios para redimi-la. Não se pode dar nada em troca da vida eterna. Aquele que assume essa incumbência precisa ter comprometimento, pois as exigências podem custar a própria vida terrena. Os tantos mártires, ao longo dos séculos, dão-nos testemunho dessa adesão total ao projeto divino. Seguir Jesus não é um caminho fácil, mas os que o fazem têm a certeza da grandiosidade que estão abraçando. É imprescindível que essa trajetória, uma vez conhecida sua aridez, não seja percorrida com lamúrias, queixumes ou pranto, mas com alegria e amor. Todo o universo vai conspirar para que esse projeto não se concretize, porém, Jesus é a certeza de que estamos no caminho certo. Sigamos em frente! Quantas vezes nos deixamos abater porque não vemos de imediato o resultado de todo o nosso empenhado sacrifício. Também Jesus não viu prontamente uma resposta e, ainda assim, seguiu, confiante na Palavra do Pai. É a hora de recobrar o ânimo e ser instrumento na mão do oleiro. – Senhor, não diminua o peso da minha cruz, mas me dê forças para carrega-la com dignidade, alegria e empenho. Que o medo não me paralise e que a esperança em ti seja minha fortaleza. Amém!”  (Patrícia de Moraes Mendes de Sousa – Meditações para o dia a dia [2017] – Vozes).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Quinta, 20 de fevereiro de 2020


(Tg 2,1-9; Sl 33[34]; Mc 8,27-33) 
6ª Semana do Tempo Comum.

“Jesus proibiu-lhes severamente de falar a alguém a seu respeito” Mc 8,30.

“Estranha-nos a ordem de Cristo, pois sempre ouvimos dizer que devemos testemunhar dele, falar do evangelho, etc. como, então, calar? Como calar diante do fato de que aquele Jesus, com o qual Pedro e seus companheiros conviviam, era o Messias, o Cristo, esperado há tantos e tantos séculos? Há momentos em que é melhor calar. Há momentos em que falar confunde. Era esse o caso da declaração de Pedro – ‘Tu és o Cristo’ – pois, nesse momento, o que significa o conceito Cristo? Aos olhos nacionalistas do povo, Cristo era o líder revolucionário que traria libertação meramente política e, ainda assim, apenas para os judeus. Nesse contexto, de que adiantaria dizer que Jesus era Cristo? Nada. Para que tal declaração pudesse ter algum efeito positivo, primeiro teria ele de criar um conteúdo para o tipo de cristo que ele encarnava para, só então, anunciar ao mundo que ele era de fato o ‘Cristo’. Enquanto isso não acontece, o título deveria ficar trancado em absoluto silêncio. Hoje, porém, esse silêncio não deve ser em hipótese alguma a característica principal da Igreja cristã. Mas como teria sido bom se a Igreja tivesse permanecido calada especialmente quando apresentou ao mundo não o verdadeiro Cristo, amoroso, gracioso, perdoador e libertador, mas o falso cristo, rancoroso, intransigente, cobrador e opressor. Em ocasiões como essa, o silêncio teria sido o propalado ouro do ditado popular. Pelo menos não teria sido impedimento para o santo evangelho. Falar, porém, sobre o verdadeiro Cristo, sobre o conteúdo que ele emprestou a esse conceito – eis a nossa tarefa, tarefa sobre a qual não deve pesar nenhum silêncio. – Ó Jesus Cristo, nem sempre compreendemos o alcance do título que ostenta praticamente como um sobrenome. Faze-nos ver que ele implica sofrimento e cruz – da tua parte como o Senhor Nosso: da nossa, como seguidores teus. Amém (Martinho Lutero e Iracy Dourado Hoffmann – Graças a Deus [1995] – Vozes).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Quarta, 19 de fevereiro de 2020

(Tg 1,19-27; Sl 14[15]; Mc 8,22-26) 
6ª Semana do Tempo Comum.

“Jesus e seus discípulos chegaram a Betsaida. Algumas pessoas trouxeram-lhe um cego e pediram a Jesus que tocasse nele” Mc 8,22.

“Marcos nos conta com todos os detalhes como Jesus cura um cego trazido por um grupo de pessoas para que o toque. Pode ser que estejam desesperadas porque esse cego já não se deixa tocar por nada. Já não tem nada para admirar. Há procedimentos terapêuticos que lembram os passos adotados na cura do surdo-mudo. Trata-se de práticas de cura conhecidas das histórias milagrosas que se contavam no mundo helenístico. Marcos mostra que Jesus é o verdadeiro médico, cuja força curativa liberta o homem para uma existência verdadeiramente humana. Jesus não necessita de palavras mágicas como aquelas recitadas pelos taumaturgos helenísticos ou rabínicos. Ele cura exclusivamente pela dedicação e pelo toque. Jesus toma o cego pela mão, para estabelecer relação com ele. Depois o leva fora da aldeia. Talvez o homem estivesse cego porque nunca ultrapassara os limites do seu povoado, porque ficara preso nos padrões estreitos de seu pensar (cf. Fischedick, 248). Mas também há o aspecto de Jesus ficar sozinho com o cego fora da aldeia. Cria, assim, uma esfera de privacidade em torno do doente. Evita uma demonstração de sua arte de curar diante dos olhos de todos. Ele ´precisa do afastamento, do clima especial, em que a cura pode acontecer. Muitas vezes a cegueira está ligada ao fato de o ser humano não poder enxergar o mundo porque lhe parece hostil e ameaçador. Ele fecha os olhos porque não suporta ver a realidade. Nesse caso, é necessário um âmbito de confiança, de intimidade, para que o cego ganhe coragem de abrir os olhos” (Anselm Grun – Jesus, Caminho para a Liberdade – Loyola).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Terça, 18 de fevereiro de 2020


(Tg 1,12-18; Sl 93[94]; Mc 8,14-21) 
6ª Semana do Tempo Comum.

“Então Jesus os advertiu: ‘Prestai atenção e tomai cuidado com o fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes’” Mc 8,15.

“Para termos uma vida cristã autêntica, tudo depende da sinceridade com que respondemos a esta pergunta: ‘Quem é Jesus para mim, para nossa comunidade, para nossa família, para as diversas realidades nas quais o cristão está? ’ Esta questão – ‘Quem é Jesus’ – pede abertura de nós próprios. Qual porta de entrada da alma, daquilo que constitui nossa identidade, os ‘olhos’ representam aqui o começo de tudo. Tudo depende do modo como vemos. Daí a advertência direta de Jesus: ‘Abri os olhos’. Para quantos a vida segue, os fatos e suas interpretações várias sucedem, e os olhos permanecem fechados! Nada de fechamentos! ‘Abri os olhos’, adverte Jesus, como que a dizer: não se deixem enganar pelas aparências. Ou melhor: olhem direto as aparências! Elas já revelam o que está oculto, o que não aparece, aquilo que realmente importa e que vai escondido, misturado com tudo, qual ‘fermento na massa’. Todos nós sabemos: fermento é o ingrediente necessário para o crescimento da massa de alguns alimentos. Jesus adverte para que vejamos e tomemos cuidado com aquilo que faz os fariseus e Herodes crescerem. De que fermento se trata? O que segue escondido em fariseus e em Herodes, com o qual devemos cuidar, dar atenção, observar, olhar bem? No contexto mais amplo do cap. 8 do Evangelho de Marcos, tanto fariseus (fervorosos religiosos) quanto Herodes (representante político) têm como ‘fermento’ um messianismo compreendido de modo nacionalista e político, ou seja, um messias mundano. Diante de um Deus assim compreendido, só pode Jesus dizer: cuidado! Não se deixe enganar por este fermento! É preciso compreender que o Deus que é Pai de Misericórdia não se impõe com violência, mas se oferece na doação generosa de cada gesto de amor à liberdade humana. – Na travessia de nossa vida, deixamo-nos enganar por incompreensões do sagrado! Sim, Senhor, é bom sermos corrigidos por ti. Obrigado por sua paciência para conosco, Senhor. Amém” (Adriano Freixo Pinto – Meditações para o dia a dia [2015] – Vozes).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Segunda, 17 de fevereiro de 2020


(Tg 1,1-11; Sl 118[119]; Mc 8,11-13) 
6ª Semana do Tempo Comum.

“Mas Jesus deu um suspiro profundo e disse: ‘Por que esta gente pede um sinal? Em verdade vos digo,
a esta gente não será dado nenhum sinal’” Mc 8,12.

“Quantas vezes gastamos tempo, empenhamos esforços, buscamos lugares, pessoas, batemos em várias portas, vagamos pelas ruas, perdemo-nos nos labirintos, procurando por algo que está ali à nossa frente? Temos a capacidade de nos tornarmos cegos e surdos àquilo que nos leva à realidade que procuramos e, dessa forma, pegamos a estrada que nos conduz ao vazio. Fechamo-nos à verdade e descerramos cortinas da ilusão em busca de feitos prodigiosos apenas para pôr à prova a autenticidade do que ‘negamos’. É exatamente isso que fazem os fariseus ao pedirem a Jesus um sinal que valide a sua identidade messiânica, quando eles deveriam crer em Jesus precisamente por causa do que Ele é. Há tempos os fariseus acompanham a missão de Jesus sendo testemunhas oculares dos milagres que Ele realiza junto ao povo. Os fariseus têm a oportunidade de ouvir a pregação de Jesus, testemunhar a sua autoridade e sua atividade, porém não enxergam tudo isso. Jesus percebe que a astúcia dos fariseus é tenta-lo, para que Ele utilize em causa própria o poder de Deus, ignorando os sinais realizados. Daí sua tristeza íntima expressa pelo profundo suspiro que dá. Essa passagem nos leva a refletir se hoje nós também não buscamos Jesus apenas para realizar sinais do céu em nossas vidas, sem nos preocuparmos em aprender com seu ensinamento. Leva-nos a refletir se não estamos procurando um caminho que nos traga alívio, proteção e segurança, sem notarmos que, na encruzilhada da vida, o caminho está bem delineado adiante e nós estamos procurando no espaço sideral. – Senhor, hoje é o dia de nos encantarmos com a mensagem do seu Filho, agora é a hora de nos deixarmos cativar por um sussurro que diz ‘Eu te amo’ através de sua presença real de amor, que é oferenda e encontro. Arranca as escamas dos nossos olhos. Amém! (Patrícia de Moraes Mendes de Sousa – Meditações para o dia a dia [2017] – Vozes).

Pe. João Bosco Vieira Leite

6º Domingo do Tempo Comum – Ano A


(Eclo 15,16-21; Sl 118[119]; 1Cor 2,6-10; Mt 5,17-37)

1. Tendo usado de imagens simbólicas para falar da presença cristã no mundo, Jesus dirige aos seus discípulos uma série de indicações práticas partindo dos mandamentos divinos. Assim o autor da 1ª leitura lembra aos seus leitores que o ser humano deve distinguir e escolher entre o bem o mal.

2. Nada escapa ao olhar divino, mesmo tendo dado ao ser humano a liberdade, Ele se preocupa com o mesmo, e lhe oferece seus mandamentos; de observá-los ou não, depende a sua vida ou a sua morte. O Salmo que segue canta o amor a essa lei, fonte de paz, salvação e alegria.

3. Paulo está às voltas na 2ª leitura com um discurso sobre a sabedoria contida na boa nova anunciada por Jesus, que escapa aos poderosos deste mundo que julgam conhecer Deus. É preciso abrir-se a essa nova compreensão e deixar-se conduzir pelo Espírito.

4. Jesus considera a Lei e os Profetas a maior manifestação da vontade de Deus para o seu povo, mas é preciso buscar a vontade originária desses mandamentos. Mais do que uma mera prática exterior, ela deve brotar do coração humano, do seu íntimo.

5. Jesus pede dos seus discípulos uma compreensão mais profunda para uma prática que se dê numa orientação nova à vida. Ao mesmo tempo é perceptível autoridade com que Ele dá uma nova interpretação, sem necessariamente se apoiar no que foi dito anteriormente.

6. Para Jesus não basta não matar; é preciso abafar o mal na sua origem, impedi-lo de nascer e de habitar no coração. Ele amplia a nossa compreensão e vivência: não ofender ninguém, ter o máximo respeito pelo outro.

7. Assim, para a o caso do adultério, aplica o mesmo princípio: extirpar o mal pela raiz, evitando os pensamentos e desejos já no coração. É preciso fazer todo esforço para controlar e submeter os maus desejos e as paixões.

8. Jesus fala sobre os desdobramentos do divórcio numa união legítima, não dando aos cônjuges separados a liberdade de desposar outra pessoa, desencadeando novas uniões irregulares.

9. Ele censura o juramento, pois a necessidade mesmo prova que as relações entre as pessoas são falsas. Ele pede que sejamos sempre sinceros e retos.  

10. Jesus exige um amor atento, não superficial, capaz de chegar às minúcias, comparado aqui ao amor de Deus por nós, e que ao mesmo tempo podemos encontra-Lo no outro.

11. Não podemos tomar as palavras de Jesus no seu significado material. O amor é o critério principal que deve guiar o discípulo. Ele vem antes da observância da Lei e do próprio culto oferecido a Deus.
- “Nós não amamos, por exemplo, se nos julgamos maiores que os outros, se exigimos um respeito que destrói a fraternidade; não amamos quando nos tornamos mordazes e matamos com palavras, quando desonramos o irmão e gozamos com ele, tratando-o como louco; não amamos quando somos impacientes ou demasiado exigentes” (Lecionário Comentado – Paulus). 

 Pe. João Bosco Viera Leite

Sábado, 15 de fevereiro de 2020


(1Rs 12,26-32; 13,33-34; Sl 105[106]; Mc 8,1-10) 
5ª Semana do Tempo Comum.

“Os discípulos disseram: ‘Como poderia alguém saciá-los de pão aqui no deserto?’” Mc 8,4.

“Marcos conta duas multiplicações dos pães. Alguns exegetas acham que ele se refere duas vezes ao mesmo fato. Mas a estrutura do Evangelho de Marcos mostra a importância que ele atribui aos dois textos. Marcos dá um valor todo especial à reação dos discípulos. Na segunda multiplicação dos pães, os discípulos reagem como se tivessem esquecido a primeira. Eles ainda não sabem quem é esse Jesus. Parecem cegos. Marcos descreve as duas multiplicações dos pães no meio de três relatos de travessia de barco. Nessas travessias, Jesus também mostra aos discípulos o seu poder sobrenatural. Mas nem assim chegam a fé. Na terceira travessia, Jesus chega a repreendê-los severamente: ‘Ainda não atinais e não compreendeis? Tendes o coração endurecido? Tendes olhos: não vedes? Tendes ouvidos: não ouvis?’ (8,17s). Nem as duas multiplicações dos pães nem as duas travessias do lago, ocasiões em que puderam experimentar o poder de Jesus, fizeram com que os discípulos abrissem seus corações à fé. Continuando em sua cegueira, eles servem de advertência constante ao leitor, para que leia o Evangelho de olhos abertos e coração preparado” (Anselm Grun – Jesus, Caminho para a Liberdade – Loyola).

Pe. João Bosco Vieira Leite 

Sexta, 14 de fevereiro de 2020


(1Rs 11,29-32; 12,19; Sl 80[81]; Mc 7,31-37) 
5ª Semana do Tempo Comum.

“Trouxeram então um homem surdo, que falava com dificuldade, e pediram que impusesse a mão” Mc 7,32.

“A cura seguinte também se dá no território pagão da Decápole. Jesus não tem medo do contato com os pagãos. Segundo Marcos, as curas acontecem em pagãos e no mundo que os cerca. Primeiro trazem um surdo-mudo, para que Jesus lhe imponha as mãos. As pessoas esperam que, pela imposição das mãos, o poder curador de Jesus ajude o doente. Quando tento imaginar como deve sentir-se um surdo-mudo, ocorre-me em primeiro lugar que lhe falta toda relação verdadeira com os outros. Quem é incapaz de ouvir a voz do outro nunca entrará em contato com as emoções daquele que encontra sua expressão na voz. E, se ele é incapaz de falar, nunca haverá um diálogo com o outro que o ligue a ele e lhe dê um novo entendimento. Pode ser também que tenham calado a sua boca. Talvez não pudesse falar porque lhe cortassem a palavra e o corrigissem a todo instante. Talvez tenha fechado os ouvidos porque ouviu muita rejeição e crítica. Não quer ouvir mais nada, porque aquilo que ele ouviu até agora só serviu para machuca-lo. Jesus cura o surdo-mudo em seis etapas. O primeiro passo consiste em toma-lo à parte, afastando-o da multidão. A terapia precisa sempre de um espaço para o encontro pessoal, de modo que o paciente se sinta protegido para que possa mostrar-se como ele é realmente. Jesus concede ao doente um tratamento especial, dando-lhe toda sua atenção, para que sua confiança cresça. Frequentemente, os surdos-mudos estão cheios de desconfiança, porque vivem num mundo sem ruídos. Assim não podem saber o que os outros estão falando para eles e sobre eles. Todos os demais passos da terapia de Jesus visam reforçar essa confiança, para que a língua do mudo possa soltar-se e seus ouvidos possam abrir-se” (Anselm Grun – Jesus, Caminho para a Liberdade – Loyola).

 Pe. João Bosco Vieira Leite

Quinta, 13 de fevereiro de 2020

(1Rs 11,4-13; Sl 105[106]; Mc 7,24-30) 
5ª Semana do Tempo Comum.

“Então Jesus disse: ‘Por causa do que acabas de dizer, podes voltar para casa. O demônio já saiu de tua filha’” Mt 7,29.

“A história registrada no texto indicado (cf. Mc 7,24-30) para leitura é intensa. Uma mulher dá um dos maiores exemplos de humildade e de fé da Escritura. Por outro lado, o texto nos surpreende por Jesus ter sido, aparentemente, rude com a mulher. A mulher estava angustiada com sua filha, dominada por um demônio, sofrendo, precisando de ajuda. Ela procura ajuda em Jesus. Porém, Jesus se faz de indiferente. Ela era uma estrangeira, e Jesus diz que não é certo deixar de atender os filhos (do povo de Israel) para atender os cachorrinhos (estrangeiro), conforme o v. 28. A mulher poderia ter ficado tremendamente ofendida. Poderia ter virado as costas e ter saído bufando. Mas não! Ela assume a condição de alguém que não merecia ajuda. Ela diz: ‘mas até mesmo os cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa de seus donos’. Jesus então sorri! Ele não estava sendo rude, estava desafinado e testando o coração da mulher. Ela foi aprovada e elogiada por Jesus, conforme lemos em Mt 15,21-28. Desta história aprendemos que engolir o orgulho não produz indigestão. Compreendemos na prática a aplicação dos textos que dizem assim: ‘O que a si mesmo se exalta será humilhado, o que a si mesmo se humilha, será exaltado’ (Mt 23,12). ‘Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes. Deus é contra os orgulhosos, mas é bondoso com os humildes’ (Tg 4,6). A fé em Jesus nos leva a esvaziar-nos de nós mesmos e nos enchermos do Espírito de Deus. Leva-nos a confiar e depositar a confiança em Deus, e assumirmo-nos como simples e necessitados pecadores. As migalhas de graça que caem sobre nós são um banquete que nos fartam, nos curam, nos enriquecem e nos alegram profundamente. – Senhor Deus, perdoa quando somos arrogantes, presunçosos, cheios de auto piedade e justiça. Ajuda-nos a desenvolvermos a humildade e a te buscarmos com toda fé, certo de que nos recebes e nos fartas com tua graça. Amém” (Ismar Lambrecht Pinz – Meditações para o dia a dia [2015] – Vozes).

Pe. João Bosco Vieira Leite