Santa Maria, Mãe de Deus

(Nm 6,22-27; Sl 66[67]; Gl 4,4-7; Lc 2,16-21)


1. Na missa do dia de Natal, ao ouvirmos o prólogo de João, na beleza do seu texto, ficou-nos uma nota triste: “Veio para o que era seu, e os seus não a acolheram” (Jo 1,11). Por que a palavra, o Verbo, não foi acolhido?

2. Se viesse hoje, com esse seu estilo de pobreza, de pouca história, certamente o mandaríamos de volta ao seu país de origem. Mas se viesse com demonstrações de poder e dominação, certamente o deixaríamos reinar sobre nós.

3. Mas nos veio assim, uma criança, sem complicações, em um cocho (sinalizando já o pão oferecido...), como alguém que não conta, que não impõe força, como um mendicante, sem intenções de mandar. E por isso foi ignorado; marginalizaram a criança.

4. Maria, por sua vez, guardava todos esses fatos em seu coração, meditando sobre os mesmos. No seu coração de mãe há dois mistérios. O mistério de um Filho que, para chegar aos homens, escolhe uma estrada imprevisível. E o mistério dos homens que rejeitam a luz, não acolhem o hóspede.

5. Não se sabe qual dos dois mistérios é o mais difícil de compreender, aceitar, levar consigo. A surpresa da Virgem se abre sobre duas vertentes: a de Deus e a do ser humano. Já é por si só motivo para longas meditações. De uma parte a persistência do dar-se, e do outro a obstinação da rejeição. A Virgem do acolhimento tenta entender essas portas fechadas.

6. Um autor resolveu escrever uma carta à Virgem para esclarecer-lhe um pouco os aspectos principais deste fato sempre atual, registrado no evangelho: “Veio para o que era seu, e os seus não o acolheram”. Vai aqui algumas linhas da longa carta escrita por ele:

7. “Maria, por favor, explica tu essa desagradável situação ao teu Filho. Nós ficamos contentes, e até orgulhosos, que tu tenhas aceitado deixar-lhe tomar posse da tua existência. Que tu tenhas subordinado os teus projetos ao projeto inaudito do próprio Deus. Para nós, sua total entrega é aceitável. Mas, por caridade, não pretenda de nós a mesma coisa. Não exija de nós a tua resignação, esse seu colocar-se à disposição, o teu mover-se para Ele. Tu és uma exceção.

8. Diz, por favor, ao teu Filho que há alguns equívocos a serem esclarecidos. Nós não odiamos a luz. Mas a luz do teu Filho é incômoda, indiscreta, fastidiosa. Ela coloca a nu nossas misérias e covardias. Não temos nada contra a alegria anunciada pelos anjos aos pastores. Mas, não se ofenda, já temos as nossas alegrias testadas. Sabemos de que coisa se trata. A alegria d’Ele, não sabemos de que tipo é. Ele deveria precisar melhor. Parece dizer respeito a eliminação do pecado e da salvação. E ao pecado estão associadas tantas coisas... que às vezes não nos incomodam. Francamente, tememos que teu Filho seja um intruso, um desmancha-prazeres. Um inimigo da alegria, com aquela cruz às costas.

9. Temos a impressão que para propor-nos uma alegrai celeste, nos venha roubada a da terra, envenenando os nossos ‘nutrientes terrestres’, onde nós afundamos com dentes e unhas. É melhor deixar-nos em paz, sem muitas complicações, com nossas minúsculas alegrias humanas.

10. Maria, busca convencer teu Filho de que não temos nada contra ele. Se fechamos a porta em sua cara, não é para deixa-lo fora. É somente para não termos a Ele demasiadamente dentro. Temos medo que Ele queira organizar a nossa casa. Nós aceitamos o Deus conosco, o Emanuel. E que seja por um tempo limitado, com horário fixo. Quem sabe aos domingos, na igreja. Como no Natal, por exemplo. É agradável a Sua presença. Enfeitamos tudo, fazemos festa, até montamos presépio. Queremos a Sua presença, mas não em demasia. Nós iremos até lhe prestar homenagem, como os pastores, os magos, mas com uma condição, deixe-nos voltar em paz. À nossa casa, como antes, retomando nossos costumes.

11. Nós confiamos em ti Maria, em tua capacidade de persuasão. Busca convencê-lo que cremos que Ele foi capaz de deixar tudo, para buscar o ser humano. Nós estamos dispostos a receber tudo o que Ele nos quiser dar, mas que não percamos nada do que já possuímos. Somos criaturas sensatas... por isso nossos dias são iguais. E também o ano novo corre o risco de ser, já de partida, um ano velho. Tudo repetido. As mesmas coisas. Os mesmos hábitos. Nós confiamos nas coisas já vistas, experimentadas. Temos medo da novidade. E ao começo de um novo ano desejamos um ‘feliz ano novo’. Entendemos que será um ano empanturrado das coisas do ano passado. Não queremos nos arriscar. Principalmente o risco, como tu viveste, como propõe teu Filho, de inventar uma vida nova, diferente...”. 

 

Pe. João Bosco Vieira Leite

Sábado, 31 de dezembro de 2022

(Is 52,7-10; Sl 97[98]; Hb 1,1-6; Jo 1,1-18)

“Surgiu um homem enviado por Deus, seu nome era João” Jo 1,6.

“’O Verbo (Jesus Cristo) – diz João – era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem’ (v.9). Aqui o evangelista apresenta-nos um Homem-Deus, Jesus, que é a verdadeira luz para todo homem, que sua passagem pelo mundo deverá ser iluminado por ele, para conseguir a vida eterna. E apresenta-nos também um outro homem: João, que foi enviado por Deus com uma missão muito semelhante. Nada melhor que transcrever as frases inspiradas do evangelista: ‘Houve um homem, enviado por Deus, que se chamava João. Este veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos cressem por meio dele. Não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz’ (João 1,6-7). Impossível descrever com maior precisão, e em poucas palavras, o modelo que melhor expressa a missão apostólica de todo cristão comprometido. Você é um deles. De você também se pode dizer verdadeiramente que veio a este mundo ‘para dar testemunho da luz’, que é Cristo, a fim de que todos creiam nele. Você era simplesmente trevas e escuridão, mas é chamado a refletir a luz de Cristo em sua vida. A sua vida não tem outro sentido, como a vida de João não se explicaria sem esse testemunho” (Alfonso Milagro – O Evangelho meditado para cada dia do ano – Ave-Maria).

  Pe. João Bosco Vieira Leite 

Sexta, 30 de dezembro de 2022

(Eclo 3,3-7.14-17 [ou Cl 3,12-21]; Sl 127[128]; Mt 2,13-15.19-23) 

Sagrada Família de Jesus, Maria e José.

“Mas, sobretudo, amai-vos uns aos outros, pois o amor é o vínculo da perfeição” Mt 2,14.

“Esta frase pode ser entendida em dois sentidos: a caridade resume perfeitamente todas as virtudes; ou, mantendo-se todas unidas entre si, ela conduz à perfeição. O termo latino ‘caritas’ traduz o termo grego ‘ágape’ que expressa aquela forma elevada de amor, todo feito de entrega, de aceitação do outro, de renúncia, de serviço, de compreensão e de perdão. Esta é propriamente a novidade cristã. Jesus nos dá um ‘novo mandamento’: ‘que vos ameis uns aos outros como eu vos amei’. Ele quer que nós sejamos reconhecidos como seus discípulos pelo amor. Para ele, a Lei e os Profetas se resumem no amor a Deus e ao próximo: amar a Deus no próximo e amar o próximo em Deus.O amor será o termômetro de todas as nossas ações; sem ele nada vale; nem mesmo as virtudes infusas e os carismas extraordinários. Paulo deixou-o bem claro no seu famoso hino ao amor (1Cor 13): ‘Se eu falar as línguas dos homens e de anjos, mas não tiver a caridade, sou como bronze que soa e tímpano que retine... Se eu alcançar tanta fé que chegue a transportar montanhas, mas não tiver a caridade, nada sou’. Todas as virtudes humanas só serão realmente virtudes cristãs se passarem pelo crisol da caridade. Imaginemos cada virtude como uma ‘conta’ do nosso rosário. Posso possuir o número exato de contas e não ter o rosário; eles, por si, não fazem. Falta-lhes o ‘vínculo da perfeição’: um fio, um cordão, uma corrente que enlace todas elas, unindo-as entre si. Aí terei o rosário. De igual modo, todas as virtudes, por mais belas que sejam, se não forem vinculadas pelos elos da caridade, permanecerão contas isoladas, sem formar rosário do Cristianismo. – Senhor, São João da Cruz diz no fim do dia seremos julgados pelo amor. Chegamos ao fim do ano... Nosso ano também será julgado pelo amor. Então ensina-nos a amar para não termos surpresas no fim da vida (Geraldo de Araújo Lima – Graças a Deus [1995] – Vozes).     

 Pe. João Bosco Vieira Leite

Quinta, 29 de dezembro de 2022

(1Jo 2,3-11; Sl 95[96]; Lc 2,22-35) 

Oitava de Natal.

“Simeão os abençoou e disse a Maria, a mãe de Jesus: ‘Este menino vai ser causa tanto de queda como de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição” Lc 2,34.

“Que profecia realista, esta de Simeão: Jesus, sinal de contradição! Como se cumpriu e continua se cumprindo ao pé da letra! Milhões se apaixonam e dão a vida por ele, enquanto inúmeros outros continuam a vociferar: ‘não queremos que ele reine sobre nós!’ Os antigos ´profetas já haviam captado isto: ora o apresentam como uma pedra fundamental, angular e preciosa, na qual se pode confiar; ora como pedra de tropeço, uma rocha que faz cair, um laço e uma armadilha (cf. Is 8,14; 28,16). O próprio Jesus assume esta realidade: ‘Pensai que vim trazer paz à terra? Digo-vos que não, e sim a separação. Doravante estarão cinco numa casa separados entre si, três contra dois e dois contra três’ (Lc 12,51-52). Diante dele não se pode ficar indiferente; tem-se que tomar partido, pró ou contra. Não se pode ficar em cima do muro porque, no dizer de Paulo, Jesus veio exatamente para derrubar o muro. Diante dele tem-se que ser quente ou frio, porque o morno ele vomita de sua boca (Ap 3,16). Sincero, autêntico e resoluto como é, não aceita subterfúgios e meias verdades. Mais do que uma adesão à sua doutrina, ele exige adesão à sua pessoa: ‘Quem não está comigo, está contra mim; e quem não recolhe comigo, dispersa’ (Mt 12,30). Com a mesma firmeza com que diz: ‘Segue-me!’, diz também: ‘Afasta-te de mim!’. Todavia, fique clara uma coisa: não é dele a responsabilidade pela não-adesão ou pela rejeição; é nossa. Não foi por sua vontade que ele se tornou pedra de tropeço, mas pela nossa. Cafarnaum e Jerusalém sabem disso. E nós também. – Senhor, enviastes vosso Filho ao mundo para salvar-nos; não para condenar-nos. Porém, a salvação não é tarefa só dele; é nossa também. Ajudai-nos a não desprezar a advertência do apóstolo: ‘Trabalhai para vossa salvação com temor e tremor’ (Fl 2,12). Amém” (Geraldo de Araújo Lima – Graças a Deus [1995] – Vozes).

  Pe. João Bosco Vieira Leite

Quarta, 28 de dezembro de 2022

(1Jo 1,5—2,2; Sl 123[124]; Mt 2,13-18) 

Santos Inocentes.

“A mensagem que ouvimos de Jesus Cristo e vos anunciamos é esta: Deus é luz, e nele não há trevas” 1Jo1,5.

“Diante de tantas dificuldades, de tantas notícias ruins, de tanta falsidade, de ver tantas pessoas mentindo, de tantos outros roubando, de tantas traições, só podemos chegar à conclusão de que vivemos no mundo das trevas. É claro que a mídia exagera. Parece que notícias ruins trazem mais audiência aos telejornais. Mas você vai ver que existe luz, existem coisas boas que nós mesmos vivenciamos e até fazemos nas nossas relações com as pessoas com quem convivemos. Basta que encontremos a luz para que as trevas desapareçam da nossa vida. As trevas nada são do que a ausência da luz. Com ela, não percebemos a escuridão do mundo. João quer trazer esta mensagem a você no dia de hoje: ‘Deus é luz, e nele não há trevas’. Encontramos aqui um caminho a trilhar no ano que está para chegar. Quando andamos por lugares escuros, o que fazemos? Usamos uma lanterna se estivermos em casa sem luz ou em algum lugar que não há luz. Para andar pelas estradas usamos os faróis de nossos carros ou de nossas motocicletas para encontrar o caminho. Muita gente viaja à noite, pois é possível com poderosos faróis. Portanto, perdemos o medo quando existe luz para iluminar o nosso caminho. Preparando a mochila para mais uma caminhada, não pode faltar a lanterna. E é na Bíblia que aprendemos que lâmpada para os nossos pés é a Palavra de Deus que nos conduz. Assim, a Bíblia servirá de lanterna para esta travessia envolta às trevas. As trevas sempre estarão por perto se não tivermos como iluminar o caminho. Mas com Deus na condução dos nossos passos esta possibilidade está totalmente descartada. Bom, então agora estamos quase que completos para uma nova jornada. Bem preparados vai dar tudo certo. Luz para você, para sua família, para seus amigos e para seus companheiros de trabalho! – Ilumina, Senhor, o caminho para que as trevas não tomem conta de nós. Tira o medo de viver e restitui-nos toda a alegria. Amém (Douglas Moacir Flor – Meditações para o dia a dia [2017] – Vozes).

  Pe. João Bosco Vieira Leite

Terça, 27 de dezembro de 2022

(1Jo 1,1-4; Sl 96[97]; Jo 20,2-8) 

São João Evangelista.

“Então entrou também o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo. Ele viu e acreditou” Jo 20,8.

“João – ‘o discípulo que Jesus amava’ e ao qual confiou sua mãe do alto da cruz – era galileu, filho de Zebedeu e irmão de são Tiago Maior. Pescador de profissão, oriundo de Betsaida, como os outros dois célebres pescadores, Pedro e André. É provável que, por sua qualificação de pescador, o Sinédrio – depois da Ascensão de nosso Senhor – o tenha considerado ‘homem iletrado e sem posição social’, mas quem lê o quarto evangelho dá-se conta da audácia do pensamento de João, que os cristãos chamavam ‘o Teólogo’ por antonomásia. Mas inclinado à contemplação que à ação, é o protótipo das almas consagradas. Está entre os íntimos de Jesus, mais próximo do Mestre nos momentos solenes, como na Última Ceia; está junto a Jesus moribundo na cruz e recolhe suas últimas palavras. À diferença dos outros apóstolos, João não era casado e manteve tal estado na sua longa existência consumida a serviço do Evangelho. É o autor do quarto evangelho, centrado na divindade de Cristo desde a primeira linha, no qual, como a águia (símbolo de João), já no primeiro bater de asas eleva-se às vertiginosas alturas do mistério trinitário: ‘No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus’. É também autor de três cartas canônicas e do Apocalipse (o ‘livro da Revelação’ ou livro profético, que finaliza o cânon bíblico), no qual ´preconizado o triunfo do Redentor e de sua Igreja, a infâmia das perseguições que lhe obstruem o caminho. A luta do poder das trevas contra ela durará sempre nesta terra, mas a Igreja sairá vencedora. O ‘Filho do Homem’ – assim o chamou o Mestre – era, portanto, de temperamento ardente, alheio aos compromissos como às exaltações. E talvez nesse ponto resida o segredo da inefável amizade que o ligava a Jesus. Depois de Pentecostes, passou grande parte de seus anos em Éfeso e na ilha de Patmos. Constitui lenda que ele tenha sido lançado numa caldeira com óleo fervente, em Roma, e saído ileso. João morreu em Éfeso, em idade avançada” (Mario Sgarbosa – Os santos e os beatos da Igreja do Ocidente e do Oriente – Paulinas). 

 Pe. João Bosco Vieira Leite

Segunda, 26 de dezembro de 2022

(At 6,8-10; 7,54-59; Sl 30[31]; Mt 10,17-22) 

Santo Estevão, diácono e protomártir.

“Vós sereis odiados por causa do meu nome. Mas quem perseverar até o fim, esse será salvo” Mc 10,22.

“Sempre aprendi quando criança que em Deus encontramos segurança, paz, amor, igualdade, fraternidade. Nunca imaginei que o ódio dos outros pudesse interferir na nossa fé. Muitos pensam que ser cristão os torna imunes de todo o mal. Mas a história nos conta que nem sempre foi e não garante que nossa fé traga apenas felicidade. Jesus mesmo faz este alerta aos seus discípulos. Tanto é verdade, que Ele mesmo foi preso, julgado e condenado pelo povo. Os seus discípulos foram perseguidos e muitos deles mortos por causa do Evangelho. Os primeiros cristãos foram cruelmente assassinados por imperadores inescrupulosos. Muitos foram odiados por defender o nome de Jesus. Bom, mas hoje é diferente. O mundo mudou, os tempos são outros e os cristãos são livres para pregar! Não é bem assim. No Brasil, por seu um país laico, onde todos têm o direito de praticar a sua religião protegidos pela Constituição, há até mesmo certa liberdade. Mas em muitos países do mundo os cristãos ainda são perseguidos e mortos, principalmente em países mulçumanos. Alguns destes acontecimentos serviram de publicidade para pessoas que se dizem de outra religião. Usam a religião para mostrar o ódio e matam sem dó e sem piedade. Meu desejo é que o nosso dom de pregar a Palavra continue e que Deus nos defenda de todo este ódio. Sabemos que os religiosos muçulmanos, não radicais, respeitam as outras religiões e encontram um parentesco com o cristianismo. Portanto, se não conseguimos conviver, Deus nos ajude a tolerar tantas diferenças e tanto ódio. Nós sabemos que perseverança é a Palavra. Hoje vivemos e anunciamos o Evangelho porque muitos cristãos na história perseveraram. A estes o prêmio está dado: a salvação eterna. – Senhor Deus, ajuda-nos a perseverar na fé, a levar o teu evangelho a todos os que têm sede da tua Palavra. Amém (Douglas Moacir Flor – Meditações para o dia a dia [2017] – Vozes).

 Pe. João Bosco Vieira Leite

Natal do Senhor – Missa do Dia

(Is 52,7-10; Sl 97[98]; Hb 1,1-6; Jo 1,1-18)

 

1. Esse prólogo que acompanhamos em sua versão cantada e que podemos retomar nos versículos iniciais do nosso evangelista, é considerada por alguns como a história do mundo em 18 versículos. Sua estranha introdução não segue o estilo clássico que busca precisar o argumento, a fonte, o método, os destinatários...

2. Um belo poema composto de 18 versículos bastante concisos. Onde cada palavra conclusiva de um versículo é retomada no versículo seguinte. Mas não se trata de simples poesia. Aqui aparece as grandes ideias que atravessam o seu evangelho, e sintetiza centenas de páginas do Antigo e do Novo Testamento.

3. Há uma realidade de fundo: o amor de Deus, que se exprime num projeto que alcança o ser humano de todos os tempos, que chega também a mim, aqui e agora.

4. Uma trajetória que parte da eternidade e toca o instante da história, no tempo, e declara ao ser humano o seu amor e lhe revela seu plano: fazê-lo filho, fazê-lo nascer do alto e não mais da ‘carne e do sangue’.

5. Nessa narrativa de João, o Personagem principal não chega depois de uma série de personagens menores. O Protagonista aparece logo ao início. Mesmo antes de João Batista. Pois no princípio estava o Verbo. Até parece querer corrigir o Gênesis. Mas na realidade, a palavra vem antes da obra criadora, pois esta só é possível graças ao Verbo, a palavra: ‘tudo foi feito por ela, e sem ela nada se fez de tudo que foi feito’.

6. O Verbo traduz o termo ‘Logos’ dos gregos. Mas não se trata de algo abstrato. Aqui em João, a palavra assume características de uma pessoa histórica, vivente e concreta. Uma palavra que tem um conteúdo: o projeto divino a ser executado. Não é uma palavra sobre Jesus, mas o próprio Jesus é a palavra de Deus.

7. João não se intimida em afirmar desde o início que a palavra estava com Deus e era Deus mesmo. Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens. Com a sua vinda na história, ele arranca da morte o poder de apagar a chama da vida. Luz e Vida são inseparáveis.

8. Jesus é a própria vida, e conhecer essa vida traz a experiência da luz que guia os nossos passos, e que se torna norma de vida e de conduta. Essa Palavra se torna ‘carne’, o que significa o ser humano em sua totalidade: um ser de relações, tangível, visível, capaz de comunicar-se, mas também frágil.

9. O Natal nos faz tocar essa realidade de um Deus-menino, pobre, indefeso e perseguido. Que veio habitar entre nós. Armou sua tenda em nossa terra. Habita em meio a nós. A humanidade de Jesus inaugura um novo Templo, não como massa estática e fixa, mas como um caminho na história, não com os objetivos da carne, mas aqueles do Espírito, que só Ele sabe onde vai dar.

10. Mas tem também o drama: ‘veio para o que era seu, mas os seus não a acolheram’. No ser humano há sempre a possibilidade de rejeição, a vontade de não reconhecimento, obstinação a fechar os olhos diante da luz, se opor a deixar iluminar o caminho, a receber um significado para a própria existência.

11. Em cada um de nós pode estar a escolha da sombra, das trevas. E as trevas não são somente ausência de luz, mas uma força negativa que se opõe obstinadamente à luz, a contrasta, uma força de morte que sufoca a vida. E este é um drama que se faz sentir cada dia.

12. ‘E nós contemplamos a sua glória’, nos diz João. Por sorte tem também quem decide abrir os olhos, reconhecer, acolher, contemplar. A estes olhos arregalados diante do seu mistério, Ele se revela em sua glória. Não só sua graça e verdade, mas também sua ternura e misericórdia.

13. Esse amor louco pelo ser humano, como bem entendeu Paulo. É o amor de Deus em Cristo Jesus. ‘Amor que não se mede, amor que não se pede, que não se repete’. Que não diminui diante da rejeição. Seu amor é a realidade mais sólida, mais segura com que se pode contar.     

 Pe. João Bosco Vieira Leite

Sábado, 24 de dezembro de 2022 - Missa da Noite

(Is 9,1-6; Sl 95[96]; Tt 2,11-14; Lc 2,1-14).                                                                                                                                                                                 

“Aconteceu que, naqueles dias, Cesar Augusto publicou um decreto, ordenando o recenseamento de toda a terra”

Lc 2,1.

“Será difícil achar alguém que não se comova com a história do nascimento de Jesus como nos é contada por Lucas. Lucas entrelaçou artisticamente três histórias: as narrativas sobre o recenseamento, sobre o nascimento de Jesus e sobre o anúncio do nascimento aos pastores. Os exegetas estão de acordo, hoje, em dizer que não houve um cadastramento de contribuintes do império inteiro, apenas algumas regiões. Mas Lucas não cita simplesmente fatos históricos, ele os interpreta. Ele coloca o nascimento de Jesus no mundo político do imperador Augusto, para mostra que Jesus é o verdadeiro rei da paz, e que não é Augusto quem traz a salvação, como afirmavam muitas inscrições, e sim Jesus, que nasceu como criança pobre numa estrebaria. Esse nascimento, num recanto insignificante da Palestina, tem significado decisivo para o mundo inteiro. Jesus é o verdadeiro Salvador e Senhor. É ele quem traz a paz verdadeira, e não Augusto, que se deixava homenagear como ‘Imperador da Paz’. Com a sua narrativa Lucas corrige a ideologia do domínio imperial, mas ao mesmo tempo também a teologia política dos zelotes, que se revoltavam contra o recenseamento. Maria e José obedecem à ordem do imperador. A reviravolta da situação não avia de acontecer pela violência ou por força externa, e sim partindo de dentro. Em Jesus, Deus interveio na história. A paz em que Jesus reluziu na história tem resultados históricos e políticos. Os cristãos deverão, na visão de Lucas, difundir a paz de Cristo pelo mundo inteiro. Graças aos cristãos, a história de Jesus deverá ter efeitos sanadores a pacificadores. A paz de Deus fica visível na história de Jesus, e tende a penetrar, por ele, em toda a história do mundo” (Anselm Grüm – Jesus, modelo do ser humano – Loyola).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Sexta, 23 de dezembro de 2022

(Ml 3,1-4.23-24; Sl 24[25]; Lc 1,57-66) 

4ª Semana do Advento.

“Completou-se o tempo da gravidez de Isabel, e ela deu à luz um filho” Lc 1,57.

“O nascimento de João Batista foi um ato de ‘misericórdia’ de Deus em relação a Isabel. A ‘misericórdia’ divina não é a compaixão por quem é desprezível, mas a ternura, a intervenção do Senhor a favor de quem precisa do Seu auxílio. ‘Oito dias depois vieram circundar o menino e queriam dar-lhe o nome do pai, Zacarias’. A circuncisão era o sinal da pertença ao povo da Aliança. No oitavo dia, João tornou-se um israelita, como seu pai. É nesta altura que adquire importância o nome que recebe porque, para os povos semitas, o nome indicava a identidade de uma pessoa, a sua condição, as suas qualidades, o seu destino. Zacarias significa ‘O Senhor lembrou-se’ ou ‘O Senhor recorda as suas promessas’. É o símbolo do povo de Israel o qual, durante todo o tempo do Antigo Testamento, continuou a transmitir, de pai para filho, ‘a lembrança’ das profecias, apesar de nunca ver a sua realização. No momento em que João Batista se torna membro do seu povo, não pode chamar-se ‘Zacarias’. Ele não dá simplesmente continuidade à estirpe de seu pai – como pensam os seus parentes e vizinhos que não tiveram a revelação celeste – mas assinala o início da nossa época. Acabou o tempo em que se relembram as promessas, chegou o tempo que se põe em atuação a bondade de Deus. O anjo que apareceu a Zacarias indicou o nome desejado por Deus: ‘João’ (Lc 1,13), que significa ‘o Senhor tem piedade’, manifestou a Sua bondade, a Sua benevolência” (Giuseppe Casarin – Lecionário Comentado [Advento - Natal] – Paulus).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Quinta, 22 de dezembro de 2022

(1Sm 1,24-28; Sl 1Sm 2; Lc 1,46-56) 

4ª Semana do Advento.

“Maria disse: ‘A minha alma engrandece ao Senhor’” Lc 1,46.

“No magnificat, Maria interpreta o acontecimento que ela viveu na Anunciação, e que há de se completar no Nascimento de Jesus. Nele, Maria é a representante de Israel, mas também porta-voz de todos os pobres e injustiçados, que pelo nascimento de Jesus terão garantidos os seus direitos. No nascimento de Jesus, Deus derruba os poderosos do trono, e os pobres são enaltecidos. A teologia da libertação descobriu novamente, hoje em dia, o Magnificat como o cântico da esperança dos pobres. Teólogas feministas veem nele o cântico da libertação das mulheres. Cada um pode pessoalmente cantar esse canto maravilhoso, louvando a Deus, porque também sobre a sua insignificância Deus pôs os olhos, e lhe fez grandes coisas. Nesse cântico expressa-se que Deus inverte todos os nossos critérios, e enaltece exatamente o que em nós é humilde, e sacia o que em nós é faminto” (Anselm Grüm – Jesus, modelo do ser humano – Loyola).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Quarta, 21 de dezembro de 2022

(Ct 2,8-14; Sl 32[33]; Lc 1,39-45) 

4ª Semana do Advento.       

“Naqueles dias, Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se apressadamente, a uma cidade da Judeia”

Lc 1,39.

“Antes de descrever o nascimento de João e de Jesus, Lucas nos conta a bela história do encontro de Maria com Elisabete. Por meio dessa história, ele relaciona o nascimento de João com o nascimento de Jesus, e ao mesmo tempo interpreta os acontecimentos. Maria é a mulher abençoada mais que todas as outras, pois carrega o próprio Senhor dentro dela. É uma história maravilhosa, essa que Lucas nos conta sobre o encontro. Uma menina de uns 12 ou 14 anos parte para uma viagem apressada pelas montanhas. Precisa-se normalmente de uns quatro dias para tal caminhada. Maria deve ser uma mulher briosa para ter a coragem de fazer semelhante viagem sozinha. A experiência divina, na cena da Anunciação, a pôs em movimento. Também Elisabete se movimenta. À saudação de Maria, a criança dá um pulinho no seu ventre. Ela entra em contato com a sua fertilidade, com o novo ser que dentro dela já está crescendo. E ela fica repleta do Espírito Santo; torna-se uma profetisa, que percebe em Maria o mistério da sua maternidade. Nessa maravilhosa história, não se trata apenas daquilo que aconteceu ali. A cena é um protótipo de todo encontro humano e profundo. Em todo encontro trata-se de descobrirmos no outro o mistério de Cristo. Quando entendemos isso, a criança dentro de nós dá um pulinho. Para tal encontro se torne possível, devemos nos levantar, como Maria, e nos pôr a caminho. Precisamos de nossos próprios pés para chegar à casa dos outros. E teremos de dobrar montanhas, transpondo montes de inibições e preconceitos, a fim de ver o outro como ele é” (Anselm Grüm – Jesus, modelo do ser humano – Loyola).  

Pe. João Bosco Vieira Leite

Terça, 20 de dezembro de 2022

(Is 7,10-14; Sl 23[24]; Lc 1,26-38) 

4ª Semana do Advento.

“O anjo entrou onde ela estava e disse: ‘Alegra-te cheia de graça, o Senhor está contigo’” Lc 1,28.

“A saudação do anjo Gabriel surpreendeu Maria. Quem era ela senão uma humilde habitante de Nazaré, cidade sem importância das montanhas da Galileia? Mulher sem maiores pretensões do que a de ser fiel a Deus; uma virgem já prometida em casamento a José, mas sem viver conjugalmente com ele, conforme as tradições de seu povo? Afinal, que méritos tinha para ser ‘agraciada’, ‘plena da graça’ divina? Maria estava longe de compreender o projeto de Deus a seu respeito. Sua humildade de mulher simples do interior não lhe permitia pensar grandes coisas a respeito de si mesma. Quiçá tenha sido este o motivo por que fora escolhida por Deus para ser mãe do Messias. Livre de toda forma de orgulho e autossuficiência, Maria podia abrir seu coração para receber a graça de Deus que haveria de torna-la templo do Espírito Santo. Ela tornou-se objeto da atenção divina, no seu anseio de salvar a humanidade. Deus queria contar com alguma pessoa disposta a se tornar ‘escrava do Senhor’, e permitir que a vontade divina acontecesse em sua vida, sem objeções. Foi para Maria que se voltaram os olhares de Deus! Tudo quanto o anjo comunicara a Maria era grande demais para o seu entendimento, e superava sua capacidade de pô-lo em prática. Abriu-se para ela uma perspectiva nova, ao lhe ser prometida a assistência do Espírito Santo. Este seria a força que lhe permitiria levar a bom termo a missão divina que lhe fora comunicada pelo anjo. – Pai, plenifica-me com tua graça, como fizeste com Maria, de forma que eu possa ser fiel como ela ao teu desígnio de salvação para a humanidade (Pe. Jaldemir Vitório, sj – O Evangelho nosso de Cada Dia [Ano C] - Paulinas).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Segunda, 19 de dezembro de 2022

(Jz 13,2-7.24-25; Sl 70[71]; Lc 1,5-25) 

4ª Semana do Advento.

“Ambos eram justos diante de Deus e obedeciam fielmente a todos os mandamentos e ordens do Senhor” Lc 1,6.

“Zacarias e Isabel, pais de João Batista, eram justos e santos na presença de Deus; sua vida transcorria no cumprimento de suas ações e obrigações religiosas para com Deus nosso Senhor. Deus os premiou concedendo-lhes a alegria de ter um filho, apesar da idade avançada de ambos. A justiça de Zacarias e sua mulher era própria do bom israelita, consistindo na observância perfeita da lei, e essa justiça alimentava-se da fé e da esperança do Messias. Isto deve ser um exemplo para nós, que devemos viver com fidelidade completa, que por certo será recompensada por Deus, senão neste mundo, sempre o será na outra vida. A fé de Zacarias foi colocada à prova; as razões humanas estão contra a promessa do anjo. Todavia, no final, a promessa de Deus se cumpriu. Também em nossa vida cumprir-se-á a palavra de Deus, embora contrariando todas as razões humanas. A santidade de vida e a fidelidade à palavra de Deus têm de ser a sua principal preocupação. Uma austeridade de vida que leve você a desapegar-se das coisas da terra e a preocupar-se com maior empenho nas coisas de Deus. O evangelho afirma que Zacarias e Isabel ‘eram justos perante Deus’. É o que deve preocupar você: sua santificação diante de Deus, que vê o fundo do coração e conhece os mais íntimos segredos e intenções” (Alfonso Milagro – O Evangelho meditado para cada dia do ano – Ave-Maria).

 Pe. João Bosco Vieira Leite 

4º Domingo do Advento – Ano A

(Is 7,10-14; Sl 23[24]; Rm 1,1-17; Mt 1,18-24)

1. Ontem comentávamos a relação entre os textos bíblicos desse 4º domingo do Advento. Gostaria de me reter nessa última frase do anjo ao revelar os planos de Deus a José: ‘Ela dará à luz um filho, e tu lhe darás o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados’.

2. Pecado é uma palavra que parece rejeitada há certo tempo, mesmo no vocabulário de vários crentes. Uma moeda sem valor que só serve ao interesse arqueológico de certos pesquisadores de tabus religiosos. Mas o grande problema consiste no saber como reencontrá-lo. Será que alguém se interessaria por isso?

3. Antes de tudo, o pecado não é visto simplesmente como transgressão de uma lei arbitrária. A estrada do ser humano não é pontilhada de cartazes com os dizeres: faça isso, não faça aquilo. Na estrada do ser humano está, antes de tudo, um Deus que quer travar uma relação de amizade.

4. Um Deus que propõe o seu amor. A única proibição é a de não amar. Um único mandamento: ama! Mas o ser humano, desde o 1º instante, aprendeu a dizer não à amizade com Deus, rejeitando suas propostas de amor. A solenidade da Imaculada nos recordava aquela pergunta de Deus a Adão: ‘Onde estás?’

5. O ser humano não está onde deveria. Este é o pecado. Adão foi esconder-se. Rejeita o encontro, o diálogo, a amizade. Vira as costas ao amor. E depois irá pelas estradas mais desoladas da terra desperdiçando o patrimônio paterno. Para sentir-se livre, se liberta de Deus. Se distancia também de si mesmo. Incapaz de amar.

6. Na língua hebraica, o verbo que traduzimos como ‘pecar’ significa, literalmente, ‘perder a marca’, ‘errar o alvo’. Uma meta não atingida. Nesta perspectiva, pecar não é somente, de maneira genérica, fazer o mal, mas fazer-se o mal. O pecado seria aquilo que impede a nossa realização. Que desfigura a nossa identidade.

7. Em cada ação humana, a pessoa é chamada a construir-se na doação e na comunhão com Deus e com os outros. Por isso, todo pecado, rejeição dessa comunhão, é uma rejeição de construir-se. É um não querer crescer, não realizar a própria missão. É mais grave ignorar um chamado que violar uma regra.

8. Na proximidade do Natal, o nosso Evangelho nos precisa o motivo essencial da vinda de Jesus em nosso meio: ‘salvar o seu povo dos seus pecados’.

9. No seu comentário à narração bíblica da criação, Santo Ambrósio diz algo interessante: ‘Agradeçamos a Deus por ter levado a cumprimento uma obra que depois da mesma pudesse descansar. Fez os céus, e não leio que tenha repousado. Fez o sol, a lua, as estrelas, e não leio que tenho repousado. Mas leio que fez o homem e então repousou, tendo finalmente alguém a que perdoar os pecados’.

10. Mas, e tem sempre um ‘mas’, é necessário que esse alguém esteja disposto a deixar-se perdoar. E reconheça de ter algo a pedir perdão. Deus não desculpa o pecado, não passa a mão em nossa cabeça dizendo que não somos culpados. Nos busca enquanto culpados, para perdoar-nos.

11. Admitir a nossa culpa, significa reconhecer a nossa dignidade, liberdade, o nosso ser autônomo. Um certificado de grandeza. E não será mal prepara-nos ao Natal reafirmando esta verdade elementar: Ele veio procurar os pecadores. (E aqui estamos nós...).    

 Pe. João Bosco Vieira Leite

Sábado, 17 de dezembro de 2022

(Gn 49,2.8-10; Sl 71[72]; Mt 1,1-17) 

3ª Semana do Advento.

“Juntai-vos e ouvi, filhos de Jacó, ouvi Israel vosso pai!” Gn 49,2.

“’Estou para morrer, mas Deus estará convosco’ (Gn 48,21). Com estas palavras Jacó prepara-se para abençoar os doze filhos que estão no Egito; depois continua: ‘Reuni-vos, para que vos anuncie o que vai acontecer no futuro’ (Gn 49,1). A leitura de hoje refere o oráculo pronunciado pelo Patriarca sobre o filho Judá, o fundador da tribo gloriosa da qual teria saído a dinastia de Davi. Judá é celebrado com louvores hiperbólicos. Embora não sendo o primogênito, está destinado a ter a preeminência sobre todas as tribos irmãs que lhe tributarão honra e se submeterão à sua autoridade. Em seguida, Jacó introduz na sua bênção um anúncio misterioso: o reino da tribo de Judá durará ‘até que venha Aquele a quem pertence e a quem os povos há de obedecer’. Quem é este dominador esperado? Para os cristãos, este soberano universal enviado pelo Pai é Cristo, embora não se tenha realizado à letra a profecia de Jacó. Com efeito, Jesus não foi um guerreiro, não dominou à espada os Seus inimigos e a Sua vitória não foi obtida com a violência, mas com o amor. Ele apresentou-se ao mundo revestido de fraqueza, e no entanto o vidente do Apocalipse soube reconhecer n’Ele ‘o Leão da tribo de Judá, o Rebento de Davi’ (Ap 5,5)” (Giuseppe Casarin – Lecionário Comentado [Advento - Natal] – Paulus).

 Pe. João Bosco Vieira Leite 

Sexta, 16 de dezembro de 2022

(Is 56,1-3.6-8; Sl 66[67]; Jo 5,33-36) 

3ª Semana do Advento.

“Mas eu tenho um testemunho maior que o de João: as obras que o Pai me concedeu realizar.

As obras que eu faço dão testemunho de mim, mostrando que o Pai me enviou” Jo 5,36.

“A aceitação de Jesus como Messias não dependia tanto do que ele falava de si mesmo, quanto de seus gestos poderosos. Ele foi sempre muito parco e discreto em se referir à sua pessoa. Afinal, é muito fácil alguém se superestimar ou afirmar de si mesmo coisas infundadas. E não é difícil amealhar pessoas incautas e manipuláveis predispostas a transformar em verdade o que é pura imaginação, quando não, exploração da boa-fé alheia. Jesus sempre apelava para o testemunho de suas obras para respaldar sua condição de Messias. Tudo quanto fazia era apresentado como resultado de sua obediência ao Pai. Não atuava por iniciativa própria, nem realizava milagres a seu bel-prazer. Todo o seu ministério consistiu em realizar o projeto de Deus, de modo a manifestar o imenso amor do Pai pela humanidade. Aqui, também, Jesus revelava-se humilde. Jamais buscou atrair para si glória e reconhecimento, devido a seus gestos poderosos. Antes, atribuía-os todos ao Pai. Assim, o reconhecimento do messianismo de Jesus tinha como pressuposto: acreditar que o Pai, por seu imenso amor pela humanidade, confiou a seu Filho Jesus a tarefa de manifestá-lo por meio de gestos de bondade e misericórdia, como era o caso dos milagres; e crer que Jesus submeteu-se à vontade paterna. Seu messianismo partia do Pai e a ele remetia. Este era o contexto de suas obras. – Pai, reconheço Jesus como manifestação de tua imensa misericórdia pela humanidade. Dá-me tua luz para que eu o acolha como Messias salvador (Pe. Jaldemir Vitório, sj – O Evangelho nosso de Cada Dia [Ano C] - Paulinas).

Pe. João Bosco Vieira Leite 

Quinta, 15 de dezembro de 2022

(Is 54,1-10; Sl 29[30]; Lc 7,24-30) 

3ª Semana do Advento.

“Teu esposo é aquele que te criou, seu nome é Senhor dos exércitos; teu redentor, o santo de Israel,

chama-se Deus de toda a terra” Is 54,5.

“Na primeira parte da leitura (Is 54,1-6) o profeta narra com imagens poéticas os frutos da relação amorosa reconstituída entre o Senhor e Israel. Juntos terão uma descendência numerosa, de modo que não poderão ter lugar para acolher na sua casa os filhos gerados na sua união; serão obrigados a ‘alargar o espaço da sua tenda, sem olharem a despesas, a alongar as cordas, e reforçar as estacas’. Mas o espaço ainda não será suficiente, será necessário expandir-se para o Oriente para o Ocidente, ocupar as terras de outras nações e povoar as cidades abandonadas do deserto. Saindo da metáfora: quando o homem se afasta de Deus ilude-se, pensa poder bastar-se a si próprio e estar em condições de deixar no mundo um rastro das suas obras e da sua passagem. Pelo contrário, condena-se, apesar de todos os seus esforços e o esforço despendido, à falência e à esterilidade. Não constrói nada de duradouro se não estiver em comunhão com Deus. Se o êxito ou a falência dependem do acolhimento ou da rejeição do Senhor, como não temer as nossas fraquezas, as incoerências que verificamos em todos os instantes da vida? Nesta história de amor – assegura-nos o profeta – a última palavra não a terão as nossas traições, mas a fidelidade indefectível de Deus. É na força do Seu amor que assenta nossa confiança” (Giuseppe Casarin – Lecionário Comentado [Advento - Natal] – Paulus).

 Pe. João Bosco Vieira Leite 

Quarta, 14 de dezembro de 2022

(Is 45,6-8.18.21-25; Sl 84[85]; Lc 7,19-23) 

3ª Semana do Advento.

João convocou dois dos seus discípulos “e mandou-os perguntar ao Senhor:

‘És tu aquele que há de vir ou devemos esperar outro?” Lc 7,19.

“Jesus é indefinível, porque abarca e compreende todas as realidades humanas e divinas. Se o Senhor tivesse respondido aos discípulos de João, que o interrogavam sobre sua identidade, que ele era um profeta, um enviado de Deus, um taumaturgo, um mestre de doutrina até então desconhecida, um chefe do povo de Deus, teria respondido bem; porém, não teria dito tudo que deveria ter dito. Assim, preferiu não responder com palavra, mas com fatos: depois de curar enfermos, dar vista aos cegos e expulsar espíritos malignos dos possessos, disse ao enviado de João: ‘Ide anunciar a João o que tendes visto e ouvido’. Jesus define-se por suas obras. Sua resposta são as obras. Por outro lado, aquelas curas milagrosas eram a obra que se esperava do Messias, profetizado quase literalmente em Isaías, e essa é a resposta que Jesus lhes manda comunicar ao Batista, não para que se confirme em sua fé, mas para que ele mesmo lhes comente a hora messiânica, ao confrontar as obras de Jesus Cristo com as previsões proféticas sobre o Messias. As obras de Jesus são sinais de seu mistério, e o encontro com Jesus produz-se pelo mistério de suas obras e de suas palavras tal como a Sagrada Escritura no-las traz. O testemunho das obras será característico do discípulo autêntico de Jesus. Quando lhe perguntam quem é, deverá responder como seu Mestre: ‘Vede o que eu faço, como vivo, de que maneira trabalho, e assim podereis deduzir se minha missão é deste mundo ou de outro’. ‘Anunciai (...) o que tendes visto’ é o argumento mais convincente e irrefutável da verdade, quando só se fala como se vive, mas que sobretudo se vive como se fala; então os dois elementos: palavra e testemunho de vida, são os que convencem da veracidade daquilo que se prega” (Alfonso Milagro – O Evangelho meditado para cada dia do ano – Ave-Maria).

 Pe. João Bosco Vieira Leite 

Terça, 13 de dezembro de 2022

(Sf 3,1-2.9-13; Sl 33[34]; Mt 21,28-32) 

3ª Semana do Advento.

“Então Jesus lhes disse: ‘Em verdade vos digo que os publicanos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus’”

Mt 21,31b.

“A religião de Israel, fundada numa Aliança, distinguia duas categorias de pessoas: de um lado, os bons e justos, identificados por sua fidelidade a Deus; de outro lado, os ímpios e maus, cujo modo de proceder estava em aberto contraste com a vontade divina. Alguns grupos religiosos, no tempo de Jesus, votavam ao desprezo e à condenação certas categorias de pessoas, taxando-as de pecadoras e recusando-se a conviver com elas. A parábola de Jesus leva em consideração este fato. Entretanto, inverte os polos da aplicação dos títulos de justos e pecadores. Os destinatários da parábola evangélica eram os líderes religiosos de Jerusalém. Soberbamente, estes se consideravam salvos. Por se terem na conta de fiéis aos ditames da religião, longe do contato com os infiéis. Jesus, porém, mostrou que a realidade era bem outra. Eles eram como o filho que se predispôs a trabalhar na vinha do seu pai, e acabou não indo. Sua fidelidade não era feita de sinais concretos de obediência à vontade divina. Viviam uma religião baseada em exterioridades, surdos aos apelos de Deus. Por isso, os cobradores de impostos e as meretrizes precedê-los-iam no Reino de Deus. Estes, por se reconhecerem pecadores e necessitados da misericórdia divina, mostravam-se mais dispostos a acolher os apelos do Batista e os de Jesus do que os chefes religiosos. E, assim tornavam-se mais justos e dignos de salvação do que quem os desprezava. – Pai, tira do meu coração a soberba que impede que eu me converta totalmente a ti. E que eu acolha o convite que me fazes (Pe. Jaldemir Vitório, sj – O Evangelho nosso de Cada Dia [Ano C] - Paulinas).

Pe. João Bosco Vieira Leite 

Segunda, 12 de dezembro de 2022

 (Gl 4,4-7; Sl 95[96]; Lc 1,39-47) 

Nossa Senhora de Guadalupe.

“Com grande grito, exclamou: ‘Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!’” Lc 1,42.

Em seu diálogo com o padre Marco Pozza, este lhe fala da situação de mulheres que – com o aborto e o abandono – não aceitam um filho. Ele pergunta: ‘Mas na verdade um filho pode ser uma maldição?’. 

“Um filho jamais pode ser uma maldição. Pode ser uma cruz, para a mãe. Há pouco tempo foi introduzida a causa de beatificação de uma jovem mulher de Roma, morta aos 23 anos. Foi descoberta uma enfermidade durante sua gravidez e ela rejeitou o tratamento para proteger o filho até o seu nascimento. Para ela aquele filho era verdadeiramente uma bênção. Existe uma palavra que gosto muito: ternura. Outro dia um senhor me disse, falando da humanidade, que perdemos a capacidade de amar, perdemos a memória dos afetos, a memória da ternura. Pensemos na imagem da Mãe de Deus: é a imagem da ternura que cuida, seu rosto junto ao rosto do seu filho. Temos necessidade da Mãe da ternura: essa é a bênção. Sem ternura não se compreende uma mãe, sem ternura não se pode entender Maria. Na catedral de Bari contemplei o ícone da Virgem Odigitria: era a primeira vez que eu via o Menino quase totalmente nu, parcialmente coberto por Maria com seu manto. Maria cobre a nossa nudez; a mãe é a única que pode entender um filho porque o conhece nu desde o seu ventre, do seu útero, lhe deu à luz nu. Depois Maria recebe a Cristo nu ao pé da Cruz e o cobre de novo. Maria é uma bênção para nós porque é a Mãe da nossa nudez: o mal, o pecado nos desnuda. Ela nos cobre sempre” (Papa Francisco – Ave Maria – Planeta/Paulus).

Pe. João Bosco Vieira Leite 

3º Domingo do Advento – Ano A

(Is 35,1-6.10; Sl 145[146]; Tg 5,7-10; Mt 11,2-11)

1. Continuamos com a figura de João Batista em 1º plano. Agora ele atravessa um outro deserto, o da prisão. Foi preso por ter dito a Herodes, sem nenhuma diplomacia, uma verdade desagradável. João lhe faz ver que o poder não significa que tudo lhe seja permitido.

2. É estranho que, no deserto, João vê e apresenta Jesus como o Messias e, na prisão, parece não ter uma opinião precisa. Aquele que ele desejava ver crescer enquanto ele diminuía, o surpreende. Não quer aplausos, não se manifesta abertamente, não enfrentava diretamente os poderes da época.

3. Enquanto João falava de colheita, como quem traz uma foice, Jesus usa termos de ‘semeadura’. João esperava que o Messias sistematizasse claramente e definitivamente as coisas. Mas Jesus acolhe a todos, faz refeições com publicanos e pecadores.

4. Jesus deixa a entender que o juízo se dará ao final, que ele não veio ‘sistematizar’ as coisas, mas encaminhar alguma coisa, não separar, mas acolher. João havia descrito o Messias como um fogo devorador.  Jesus descreve as próprias ações em termos de misericórdia.

5. A resposta de Jesus vem de suas ações e palavras. Jesus conclui com uma afirmação ainda mais desconcertante: ‘Feliz aquele que não se escandaliza por causa de mim!’. É certo que o Messias realiza obras, mas não são aquelas que esperava o Precursor e, com ele, muita gente do seu tempo.

6. João foi capaz de perceber o tempo da chegada, mas se atrapalhou no modo. Soube indicar exatamente o Esperado, mas não se centrou no estilo do seu agir. Talvez esse tenha sido um martírio maior para ele do que a própria prisão que sofria.

7. Um Deus que fala diferente do que esperamos, que não se comporta segundo as nossas razoáveis previsões, que não escuta as nossas sugestões, que não segue os nossos cerimoniais, certamente se torna insuportável. Talvez nem seja mais Deus. 

8. Defender a causa de um Deus que não abraça as nossas causas, que nos desmente regularmente, é a coisa mais difícil. Não é um martírio, mas a prova decisiva da fé.

9. Para João, assim como para nós, é um desafio acolher um Deus diferente das nossas ideias, dos nossos esquemas, das nossas imagens habituais. Jesus representa a ruptura com todas as representações de Deus do tempo de João e do nosso.

10. É necessário purificar continuamente e acuradamente a nossa ideia de Deus, confrontando-a com a imagem autêntica, mesmo que desconcertante da nossa mentalidade, manifestada por Cristo. Certo ateísmo, não é a rejeição de Deus. É a rejeição de sua caricatura.

11. Uma escritora francesa, em seu livro autobiográfico, recorda o tempo da sua adolescência em que estudava num colégio tido como religioso em que ela ia a igreja para desafogar suas desilusões. Por vezes chorava e batia fortemente o punho no banco dizendo: ‘ó Deus, eu quero que tu sejas diferente de como me vem apresentado!’. 

12. Somente quando conseguimos aceitar um Deus ‘diferente’, que desmascara nossas tentações idolátricas, que destrói continuamente as nossas classificações e sistematizações, é que temos a possibilidade de conversar com Deus com uma linguagem sempre inadequada, mas que respeita o mistério, que busca adivinhar as profundidades, que nos convida a aventurar-nos...

Pe. João Bosco Vieira Leite