(Dt 5,12-15; Sl 80[81]; 2Cor 4,6-11; Mc 2,23—3,6)
1. Dois episódios. Os
discípulos transgredem a Lei do sábado tirando espigas enquanto atravessam o
campo de trigo. E Jesus que, provocativamente, cura um homem no dia em que não
é lícito ‘trabalhar’.
2. O 1º incidente, algo
insignificante, ganha uma dimensão maior devido as minuciosas prescrições que
dominam a Lei judaica. Este fato acaba por provocar um pronunciamento decisivo
de Jesus: “O Sábado foi feito para o homem, e não homem para o sábado”. E assim
Jesus põe o homem como medida da Lei.
3. A Lei não vale por si
mesma. Vele enquanto é para o bem do homem, se está voltada para sua vida, para
o seu crescimento. Assim Jesus quer recordar o aspecto da alegria e da bênção
que caracteriza o sábado; mesmo admitindo essa realidade, alguns legistas,
estabelecem por si mesmos o que seria um bem para o outro, ao invés de
reportar-se ao projeto de Deus.
4. Nessa perspectiva do
projeto divino para o ser humano está uma lei feita para suas exigências,
aspirações, para sua realização. É antirreligioso uma lei que esmaga,
mortifica, oprime, sufoca o ser humano, restringe sua liberdade, envenena sua
alegria de viver, estrangula sua espontaneidade.
5. No 2º episódio Jesus está
na sinagoga, um espaço sagrado, e é sábado, tempo sagrado. E é ao interno dessa
sacralidade do lugar e do tempo que Ele inaugura uma nova sacralidade: aquela
da pessoa. O homem da mão seca é convidado ou ordenado, a colocar-se no centro.
6. Assim Jesus acaba por
provocar uma discussão que coloca o ser humano no centro, tirando-o do sistema
de regras que faz o que bem quer, para permitir sua desenvoltura. Originalmente
o verbo utilizado para ‘levantar’ significa, ‘acordar’, que era uma expressão
usada pela Igreja primitiva no sentido de ‘ressurreição’.
7. Um homem ‘ressuscitado’,
ao centro, atravessa, se sobrepõe ao terreno da casuística religiosa, dessas
leis minuciosas, para colocar-se no plano dos valores. A pergunta de Jesus
sobre fazer o bem ou mal, salvar uma vida ou deixá-la morrer, exige uma posição
clara, tornando impossível qualquer acordo.
8. Só existe uma
alternativa: não fazer o bem significa fazer o mal. Não salvar uma vida
significa matá-la. Quando se deve fazer o bem não existe uma zona neutra, na
qual não se faz nem uma coisa nem outra; nenhuma escapatória, nenhum direito a
um legalismo cuja observância formal permita evitar de cumprir o bem, ou seja
de fazer o mal. Em outras palavras: não amar já significa fazer o mal.
9. Mas eles ficaram em
silêncio diante da pergunta de Jesus. Não é um silêncio que reconhece a própria
derrota, mas um silêncio de obstinação, de incapacidade de sair fora dos
próprios esquemas. Acostumados a falar do ser humano, em seu lugar, eles se demonstram
embaraçados na presença do próprio homem, do principal interessado. E de Jesus,
o Filho do Homem, solidário a ele. Jesus o cura.
10. A Palavra sábado deriva
de um verbo que vem usado frequentemente no sentido de ‘cessar’, ‘parar de’, e
daí ‘repousar’. Dizer que Deus repousou no sétimo dia, quer dizer: fez sábado.
Com a cura em dia de sábado, Jesus mostra que Deus não interrompe sua atividade
em favor de suas criaturas, Ele não conhece repouso: “Meu Pai trabalha sempre,
e eu também trabalho” (Jo 5,17), disse Jesus.
11. Cristo cura o homem da
mão seca e queria também curar a outros, aflitos de um mal mais grave: ‘a
dureza de coração’ (a cegueira, a incapacidade de compreender). Mas nem pôde
fazê-lo porque já haviam saído para uma reunião importante: a decisão de matar
Jesus. Tal decisão, em Marcos, já vem logo ao início.
12. Com seus gestos, com sua
tomada de posição em contraste com a religião oficial, com suas escolhas em
favor do ser humano e não da ordem constituída, Jesus assina sua própria
condenação à morte. A sombra da cruz começa a projetar-se.
13. Um Deus que não é a
favor da aplicação rígida da lei, é um Deus que vai tirado do centro, empurrado
para fora da humanidade. Um Deus que está a favor do ser humano, um Deus por
nós, é um Deus que se coloca como um fora da lei. É necessário impedir-lhe, a
todo custo, que nos cure de certa cegueira ou obstinação.
Pe. João Bosco Vieira Leite