(Gn 3,9-15; Sl 129[130]; 2Cor 4,13—5,1; Mc 3,20-35)
1. Já tendo nos debruçado sobre
o Evangelho de hoje, gostaria de encaminhar nossa reflexão para a 1ª leitura,
que toca num tema atual e importante. A 1ª leitura nos situa no jardim do Eden.
Adão e Eva acabam de desobedecer a ordem divina e Deus os procura.
2. No diálogo que travam com
Deus se revelam a consciência de sua nudez, o medo e a vergonha. Sabemos que
essa história bíblica das origens usa uma linguagem simbólica e simples para
exprimir verdades perenes sobre o ser humano e o mundo.
3. Versículos antes se diz que o
homem e a mulher haviam sido criados nus e não sentiam vergonha (2,5). O que
aconteceu? O que mudou? A ruptura do equilíbrio e da harmonia entre o ser
humano e Deus determinou a ruptura, dentro do ser humano, do equilíbrio entre
corpo e espírito, entre instinto e razão.
4. A insubordinação da vontade
ao Criador é desencadeada. A insubordinação da carne à vontade. É como se um
vassalo rejeitasse a obedecer a um patrão, que por sua vez, se rebelou contra o
próprio soberano.
5. O pecado de Adão e Eva não é
a única razão que explica o desconforto que o ser humano prova diante da sua
nudez e da nudez alheia. Há uma explicação mais profunda, que mesmo aquele que
não crê, pode compartilhar, em parte. Ajuda também a entender o porquê o senso
do pudor é algo universal.
6. O ser humano é composto de
matéria e espírito, animalidade e racionalidade. Deus o dotou de liberdade e o
colocou, por assim dizer, diante de uma bifurcação, dizendo-lhe: ‘Ti criei
livre, escolhe tu mesmo em que direção vais desenvolver-te e realizar-te:
se para baixo, para aquilo que te aproxima dos outros animais, ou para o alto,
em direção àquilo que te faz parecido com os anjos”.
7. A perturbação e a
insatisfação que o ser humano experimenta quando se abandona à matéria e aos
sentidos, se explica como uma advertência que brota de si mesmo para dizer-lhe
que está fazendo a escolha errada.
8. Aquilo que chamamos de
‘pecado original’ não fez mais que agravar e trazer à luz essa situação de
fundo, criando uma espécie de tendência hereditária de repetir a escolha
atrapalhada dos progenitores.
9. Tudo isso explica o porquê
tendemos a cobrir as partes que mais fortemente chamam a atenção do instinto e
apresentamos espontaneamente ao olhar do outro o rosto e olhar que transparece
mais diretamente a nossa interioridade espiritual.
10. O pudor proclama por si
mesmo o mistério do corpo humano que está unido a uma alma imortal. Proclama
que há em nosso corpo qualquer coisa que está para além dele mesmo, que o
transcende. Onde cai o senso do pudor, a sexualidade humana vem banalizada,
despojada de qualquer reflexo espiritual e reduzida a produto de consumo.
11. À luz desse princípio
bíblico poderíamos discorrer sobre o como a nossa cultura ocidental
ridiculariza o pudor e cria uma competição de quem se expõe mais, e que com
isso está servindo a causa da liberdade humana. Isso é antes de tudo uma
rejeição da realidade que impõe a si e aos outros algo que não é natural, ao
seu contrário que seria cobrir-se.
12. O ‘senso comum do pudor’
muda, certamente, em sua forma e expressão, de uma cultura para outra. À sua
base, porém, há qualquer coisa que não depende só da sociedade, mas nasce e se
desenvolve com o crescimento de uma consciência de si como um ser também
espiritual.
13. O mal, é claro, não é a
nudez em si (o corpo humano é obra de Deus e um reflexo da sua beleza), mas a
instrumentalização e comercialização que se faz do mesmo. O uso que se faz da
nudez na pornografia e na publicidade não é outra coisa que uma forma rentável
de prostituição, um vender o próprio corpo. (pintor – filmes).
14. Não se trata de condenar
todo ornamento exterior do corpo e toda busca de valorizar a própria imagem e
torná-la mais bela, mas se trata de acompanhar tudo isso com os sentimentos do
coração. Por quê? Para quem? Não podemos mudar a sociedade em torno a nós, mas
podemos mudar a nós mesmos.
Pe. João Bosco Vieira Leite