(Is 55,6-9; Sl 144[145]; Fl 1,20c-24.27a; Mt 20,1-6a)
1. Um tema recorrente na Bíblia é esse
da distância entre o pensamento de Deus e do ser humano. No domingo anterior
Jesus nos falava de como dista a misericórdia divina da misericórdia
humana. Assim, o texto da primeira leitura nasce nesse contexto de pensar
que Deus jamais perdoaria o seu povo pelos pecados que os levaram ao exílio.
2. Aqui se expressa não só o desejo da
conversão, mas do modo de compreender a Deus. Assim o texto nos lança ao
coração do evangelho.
3. Terminada a Carta aos Romanos, a
liturgia nos oferece quatro textos da Carta aos Filipenses como segunda
leitura. Já tomamos essa Carta como estudo no mês da Bíblia há pouco tempo. A
comunidade de Filipos foi fundada por Paulo. Esta se caracteriza principalmente
pela generosidade para com o Apóstolo.
4. Ele escreve da prisão, em Éfeso,
onde foi visitado pelo emissário desta carta que lhe levou apoio material e
afetivo. Nela se reflete seu cansaço e desejo de morrer para estar com Cristo.
Mas não é tanto uma decisão que lhe compete, e no mais, o evangelho ainda precisa
de seus serviços, ainda que lhe pareça limitada a situação em que se encontra.
Deus se serve de nós de um modo que desconhecemos. Tudo se resume nessa
expressão do Apóstolo: “Para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro” que lhe
serviu de epitáfio para seu túmulo em Roma.
5. Preparados pela 1ª leitura, podemos
pisar o terreno da parábola de hoje. Jesus se serve da realidade do seu tempo
para construir a sua narrativa. Um proprietário de um grande vinhedo tem pressa
de colher as uvas já maduras e sai então a contratar operários em vários
horários do dia. Até aí tudo bem.
6. O problema aparece na hora do
pagamento, nesse nivelamento do patrão. As reações se fazem sentir. É preciso
deslocar a parábola do campo trabalhista e trazê-la para a realidade teológica/religiosa
do seu tempo. Jesus está denunciando a chamada religião dos méritos, que
fez esquecer a bondade de Deus tão presente na pregação profética.
7. Deus se tornou distante, um
legislador e pagará a cada um conforme tenha vivido as suas leis. E assim
também se pode exigir de Deus aquilo que é justo. Jesus combate este tipo de
compreensão de Deus e de sua relação com o ser humano. Ele é aquele que não se
cansa de ir ao encontro, que o busca quando falha.
8. Deus não recompensa a partir de
méritos e nem se sente obrigado a nada. Ao ensinar a rezar a partir da condição
de filhos, ele espera uma atitude de confiança no bem que Ele nos deseja.
9. Quem chegou primeiro a essa
consciência, já desfruta de algo que outros só experimentarão depois. Quem
comunga do desejo de Deus de salvar a todos, não ficará com inveja dos que
vieram depois. Nossa demora em atender ao seu chamado é um momento de
amor perdido. Nossa relação com Deus não é um comércio, um ‘toma lá dá cá’.
10. Essa parábola ensina-nos também que
devemos acolher aos irmãos que se aproximam da comunidade, sem achar que por
termos mais tempo nela, teríamos mais direitos. A parábola não tem uma
conclusão. Fica no ar qual é a nossa reação nessa compreensão do agir divino?
Talvez não estejamos de acordo com esse agir. Jesus quer evitar que nos
assustemos com o resultado final. Paulo partiu nem um pouco preocupado com
isso.
Pe. João Bosco Vieira
Leite