Quarta, 02 de novembro de 2022

(Sb 3,1-9; Sl 41[42]; Ap 21,1-7; Mt 5,1-12) Finados

1. Já nos debruçamos mais de uma vez sobre os textos bíblico que acompanhamos. Todos eles lançam o nosso olhar para além dessa nossa existência, salientando esse mistério de uma vida em Deus como resultado de escolhas que fazemos aqui e agora.

2. Apesar de convivermos diariamente com essa realidade da morte e do morrer, evitamos tocar no assunto, ainda que nos passe pelo pensamento. É uma realidade dissolvente, que relativiza qualquer projeto, ridiculariza toda eloquência, profana todos os ídolos. É uma realidade escandalosa, que evitamos acuradamente.

3. Contudo hoje, visitando os cemitérios, paramos para uma oração por nossos entes queridos, esta realidade não podemos, nem devemos ignorá-la. Coragem, aprendamos a olhar essa realidade.

4. Mas em certos cemitérios, é importante não nos distrairmos das diferenças entre as tumbas, por vezes espalhafatosas ou de gosto duvidoso. A arte funerária cristã ainda não encontrou algo que expresse concretamente essa nossa esperança na ‘ressurreição da carne’.

5. As diferenças existem. Mas elas não estão nas lápides, nos mármores ou bronzes. São diferenças não aparentes, não barulhentas. Elas dizem respeito aos conteúdos, valores, os ideais de uma vida.

6. A mim, nas lápides, interessam essas duas datas, gostaria de saber o que aconteceu entre essas duas datas, de que coisas foi preenchida essa existência. Só nessa perspectiva é possível falar de ‘herança’, em termos que não dizem respeito somente aos cartórios.

7. O cemitério nos fala de uma lei da qual ninguém pode subtrair-se. Cantava Francisco de Assis: ‘Louvado seja, meu Senhor, pela nossa irmã morte corporal, da qual nenhum homem vivo pode escapar’. Alguém, prosaicamente, dizia: ‘Não entendo porque o verbo morrer seja considerado irregular, se morrer é regular para todos’. Inevitável, não casual.

8. A morte, traz necessariamente o discurso sobre a vida. Sobre o por que se vive, para que se vive, como se vive. A morte não se improvisa. Nós a fazemos merecer com toda a vida.

9. Preparamo-nos para a morte não esperando por ela. A vida não é uma sala de espera à qual nos resignamos, bem ou mal, como num acampamento, até que se chegue o trem ou a barca que nos levará para o além. A vida é itinerário, compromisso, amor.

10. Tudo está em não confundir o estar vivo com a agitação, o progredir com o correr, o crescer com o acumular. “Morrer é algo terrível. Mas a ideia de morrer sem ter vivido é insuportável”, dizia Eric Fromm. Devo ainda aprender a merecer a minha morte.

11. O cristão é, antes de tudo, um ‘celebrante da vida’. A vida nos foi dada justamente para termos o gosto de viver. Da nossa visita ao cemitério deveríamos voltar com uma decidida vontade de viver. 

12. Lembremos, a cada celebração estamos diante da cruz de Cristo, por ela, ele derrotou a morte. A existência cristã é iluminada por esse mistério da morte-ressurreição que nos salva do desespero, do nada. Repito: a vocação do cristão é uma vocação à vida. 

13. A morte é feita para não morrer mais. Vivendo na realidade do próprio corpo, um dia ouviremos um comando Imperioso, a palavra ‘recriadora’: ‘levanta-te...’. Amém.                                                                                                                    

Pe. João Bosco Vieira Leite