1º Domingo do Advento – Ano A

(Is 2,1-5; Sl 121[122]; Rm 13,11-14; Mt 24,37-44)

1. Iniciamos com este domingo o ano litúrgico, que representa, em certo sentido, a moldura da vida cristã. O ano litúrgico é a organização cristã do tempo. Como toda a realidade humana, na dimensão do tempo, seguimos os grandes ritmos do dia, da semana e do ano.

2. Esse ritmo não se condiciona ao giro da terra em torno do sol. Mas através desse, numa perspectiva cristã, acompanhamos o desenvolvimento do plano da salvação da humanidade em Jesus. Assim, o ano litúrgico gravita em torno da sua vinda entre nós, da sua morte e ressurreição.

3. O cristão é convidado a percorrer as etapas deste mistério que vem ‘representado’, ou seja, tornado de novo presente, atual, eficaz, operante, durante o ciclo litúrgico. Não numa realidade fechada em si mesma, como uma circunferência, mas de uma parábola, ou seja, uma curva aberta aos dois lados.

4. Estamos começando a etapa do Advento que é caracterizada pela espera humana do Salvador. Mas o nosso evangelho nos coloca brutalmente diante da vinda última do Senhor. Isso pode nos parecer estranho, mas na liturgia é normal essa sobreposição de planos, esse cruzamento de níveis.

5. Os dois acontecimentos – encarnação e vinda final do Filho do Homem – não se colocam em oposição, mas se atraem e se iluminam. O cristão deve viver em estado de espera, orientando o próprio olhar em direção a estas duas vindas. Isto vem sintetizado no verbo ‘vigiar’.

6. Não é possível programar, prever a chegada do Senhor – seja a primeira ou a última – porque essa se dará de forma surpreendente, imprevista, imprevisível. Somente o ‘vigiar’ nos permite ser contemporâneo dessa dupla vinda. O sono nos faz ausente. Representa a indiferença, a inércia.

7. Assim, Jesus nos remete ao tempo de Noé, onde comiam e bebiam, sem se preocuparem da questão fundamental: sua relação com Deus. Assim, despreparados, se viram envolvidos no dilúvio. Um exemplo inquietante. Como se dissesse do nosso tempo que a salvação fosse algo fora de interesse, estranho, algo que não nos diz respeito; que não sabemos bem o que fazer com isso.

8. Esperar o Salvador significa sentir-se interessado, reconhecer-se necessitado de salvação, admitir ser pecador, sentir a exigência e a urgência da conversão. Significa que em meio às nossas preocupações diárias, tomar consciência que é necessário preocupar-se com ‘algo fundamental’.

9. A parábola do servo e do patrão que chega no coração da noite, coloca a espera numa dimensão dinâmica, ativa, criativa. O tempo litúrgico, que falamos anteriormente, não determina uma linha de fuga do tempo ‘profano’ e dos seus riscos, para uma zona franca sagrada, protegido das tempestades e dificuldades da vida comum.

10. Não. Nenhuma fuga. Nenhum tranquilo refúgio no espaço religioso. A espera do Cristo, ao contrário, se traduz numa consciência lúcida dos deveres diários, dos programas ordinários, das responsabilidades terrenas, à luz, porém, das realidades últimas.

11. Vigiar é precisamente o contrário de evadir-se. Vigiar quer dizer romper com as obras das trevas, como diz Paulo, com a mentira, a hipocrisia, a vaidade. O cristão vigia não porque tem medo da chegada do ‘patrão’. Mas porque quer que o ‘Patrão’, quando se apresentar – e será sempre ao improviso – o encontre empenhado na construção de uma cidade terrena mais justa, fraterna, habitável.           

Pe. João Bosco Vieira Leite