(2Sm 5,1-3; Sl 121[122]; Cl 1,12-20; Lc 23,35-43)
1. Há muito essa linguagem de reinado e
de Reis para a nossa sociedade se tornou um tanto alérgica e estranha, apesar
de apreciarmos os filmes e séries que nos remetem a esse tempo com as lutas
entre reinos e suas intrigas palacianas.
2. Mas para refletirmos sobre a festa
de hoje, não podemos perder de vista um conceito fundamental presente na
pregação de Jesus: “Reino de Deus”. O termo traduz, essencialmente, o senhorio,
o domínio, a soberania de Deus sobre o mundo.
3. Não é um lugar, uma situação ou um
grupo de pessoas, mas é o fato que Deus reina e as potências que lhe fazem
oposição, o pecado, a morte, Satanás, foram vencidas. Mas na concepção de
Israel, o povo da antiga Aliança que recebeu a Lei divina, esse Reino vai
ganhando tons nacionalistas e vai se transformando num ideal político.
4. Em sua pregação Jesus retoma o tema
do Reino e se percebe um claro contraste com a perspectiva temporal, dominante
entre os judeus. Jesus fala de um Reino espiritual, cuja plenitude aponta para
o futuro, mas já está presente na sua pessoa e no seu agir (pregação e ação).
5. Um reino que não está atrelado à
pertença de um povo, mas que é determinado por uma resposta pessoal: conversão,
escolha, decisão, esforço. Os privilegiados aqui são os frágeis, pequenos,
pecadores, pobres, estrangeiros, aqueles que não têm privilégios, que não
contam.
6. Na perspectiva de Jesus o Reino é
determinado pela relação entre Deus e o seres humanos, mais que extensão,
pensa-se em profundidade. Lembremos que quando Cristo se proclama Rei, diante
de Pilatos, o faz numa circunstância que descarta qualquer dimensão
triunfalista e de poder de acordo com os critérios humanos.
7. Ao longo da história cristã sempre
nos causou estranheza ver homens da Igreja, pessoas religiosas aceitando e
tomando para si honras humanas. E justificam tudo isso como para maior glória
de Deus. Esquecem que a glória do Pai se coloca na extrema humilhação do Filho.
Infelizmente existe uma certa ‘vaidade eclesial’.
8. A chave de leitura da festa de hoje
nos é oferecida por esse companheiro de cruz de Jesus, o chamado ‘bom ladrão’
(o único santo canonizado diretamente por Jesus). De onde a gente menos espera,
vem esse reconhecimento de Jesus. Ele descobre Deus escondido nessa imagem de
um malfeitor comum sentenciado em meio a dois delinquentes.
9. Assim a festa de hoje não corre o
risco de se perder na exterioridade e na retórica de um triunfalismo anti evangélico, mas nos obriga a uma escolha. É fácil seguir o Jesus dos milagres,
das revelações excepcionais, procurado pelas multidões.
10. Difícil é seguir o itinerário desse
homem que se esconde, que não se defende, se deixa processar e fazer pouco
caso. Aceitar essa estrada de humilhação. O paradoxo cristão é saber que a
vitória está justamente com este Rei, que segundo a avaliação humana, é um Rei
perdedor ou vencido.
Pe. João Bosco Vieira Leite