(Jn 3,1-5.10; Sl 24[25]; 1Cor 7,29-31; Mc 1,14-20) *
1. Na escuta que estamos fazendo do
Evangelho Marcos, estas são as primeiras palavras de Jesus; são importantes,
pois nos oferecem um certo programa do Seu agir. Mas vejam que antes Marcos nos
informa que João Batista havia sido preso, e essa não é uma informação
qualquer: ele une os caminhos e os destinos de João Batista e de Jesus.
2. Esse destino envolverá também os
discípulos agora chamados de modo oficial. Antes de pregar, ensinar e curar,
Jesus e seus discípulos, a sua Igreja, são mensageiros que anunciam em voz alta
uma mensagem: “O Evangelho de Deus”.
3. Com isso, entendemos que eles vivem
de Deus e da Sua Notícia Boa, feliz, não agem por conta própria, não são
emissores da sua própria sabedoria ou opinião. É Deus em ação que abre aos
seres humanos novas e belas perspectivas.
4. O tempo de Deus é esse, é o hoje,
não uma mera referência ao passado ou futuro. Só Deus pode agir sobre o tempo
cronológico, tornando-o Kairós, tempo grávido de alegria e esperança.
5. Jesus em sua palavra inicial não
começa com normas e exigências, mas assinala quanto Deus já fez e está a fazer,
por sua gratuita iniciativa, em nosso favor. Só depois, e como normal
consequência, surgem na boca de Jesus dois imperativos: “Convertei-vos e crede
no Evangelho”, que traduzem o que compete a nós fazer. Jesus não é um
moralista, mas um Evangelizador.
6. Logo depois Jesus lança seu olhar e
chama, para romper amarras e segui-lo. Ficamos espantado com esse
‘imediatamente’ deixaram e foram atrás de Jesus. Sem reticências nem
calculismos. Marcos está nos convidando a pensar: quem pode dar uma ordem
assim? Quem merece uma tal confiança?
7. Falando em escutar o chamado de
Deus, encontramos Jonas na 1ª leitura, que já desconfiado da misericórdia
divina, não quer ir pregar a conversão da cidade inimiga, ele sabe que se
converterão. Ele queria o fim de Nínive. Por isso tenta fugir de Deus. É a
contragosto que prega, e será tomado por grande desgosto quando estes se
convertem.
8. Essa narrativa remonta ao século V
antes de Cristo, e Jonas encarna um Israel particularista e míope,
diferentemente do autor do livro, que testemunha admiravelmente um
universalismo salvífico próximo já ao espírito do Novo Testamento.
9. Esse judaísmo fechado que Jonas
representa, é a mesma tentação que recai sobre a Igreja, e também a nós, de
tempos em tempos, sem olhar ao nosso redor e vendo aos demais como inimigos e
aí levantamos muros. Enquanto isso Jonas sabe que Deus ama a todos e Jesus o
confirma, numa pregação para todos.
10. Paulo nos diz que o tempo da
oportunidade dada, da enchente da Palavra de Deus já respondida ou ainda não,
está a chegar ao fim.
11. Como a olhar o mundo presente, ele
diz que devemos aprender a relativizar a maneira como habitualmente nos
agarramos às nossas ideias feitas e às coisas deste mundo, desde o casamento,
aos bens possuídos, aos negócios. A nossa vocação traduz-se na adesão ao
Último, que reclama o desprendimento do penúltimo e um amor desmedido.
12. Concluamos com o salmo 25, nesse
fino e delicado jogo de olhares entre o orante fiel e um Deus sensível, que
olha para nós com ternura paternal, refúgio premente para os pobres pecadores.
Nesse salmo encontramos eco da pergunta a uma grande mística muçulmana do
século VIII: ‘Como chegaste a um grau tão elevado de vida espiritual?’, respondeu:
“Repetindo ininterruptamente: ‘Meu Deus, refugio-me em ti para me defender de
tudo que me distrai de ti, e de todo obstáculo que se interpõem entre mim e
ti’”. Que Ele sempre nos mostre os seus caminhos e sua verdade nos conduza.
Amém.
* Segui o esquema de D. António
Couto: “Quando Ele nos abre as Escrituras” (Paulus).
Pe. João Bosco Vieira Leite