2º Domingo do Tempo Comum – Ano B

(1Sm 3,3b-10.19; Sl 39[40]; 1Cor 6,13c-15a.17-20; Jo 1,35-42)*

1. A festa do Batismo de Jesus encerra o tempo do Natal e ao mesmo tempo nos abre a essa 1ª etapa do ‘Tempo Comum’ do ano litúrgico. Ao contrário do que se possa pensar, não é um tempo secundário, mas fundamental na vida celebrativa da Igreja.

2. Ao longo deste ‘Tempo Comum’, domingo após domingo, a Igreja é convidada a contemplar de perto, episódio após episódio, toda vida histórica do Senhor, desde o Batismo no Jordão até a Cruz e à Glória da Ressurreição. Já introduzimos o Evangelho de Marcos, que ouviremos quase na íntegra.

3. Como dissemos também, o breve evangelho de Marcos é complementado pelo de João. Eis que nos encontramos novamente com João Batista; ele está do outro lado do Jordão, onde um dia o povo do êxodo esteve também, para preparar a entrada na Terra Prometida, atravessando o Jordão.

4. E desse lugar de passagem que João, parado como um guarda ou sentinela, vê Jesus passar e logo o apresenta como o Cordeiro de Deus. Apresenta-o a nós, e põe-nos em movimento atrás dele. É uma bela e rica apresentação de Jesus.

5. Ao chama-lo de Cordeiro, na língua aramaica, outros significados também se escondem nessa mesma palavra: ‘servo’, ‘filho’, ‘pão’. Assim, com uma pincelada de mestre, ele traça para nós a identidade de Jesus.

6. E aí vamos nós a segui-lo, num caminho que conduz à Casa. ‘Onde moras?’, é a questão que nos move. E a resposta-convite de Jesus: ‘Vinde e vede’’ aviva e sacia nossa sede, quem sabe, de sentido. André e o outro discípulo nos representam. E aqui tem início uma rede de chamamento sem introdução, explicação ou demonstração convincente.

7. Na realidade, aqui a demonstração é frágil diante da experiência que implica a vida. Aquele que testemunha não incita o destinatário a inclinar-se ou render-se perante provas, mas o incita a fazer, por sua vez, a experiência. Aquilo que dirá pouco depois Filipe a Natanael: ‘Vem e vê’ (Jo 1,46).

8. No chamamento de Pedro há logo uma mudança de nome, Cefas, que em aramaico é também rocha, mas não tanto pela sua solidez, mas rocha escavada, oca, espécie de gruta que serve de lugar de refúgio e acolhimento, não é sólido, mas dá solidez e proteção e aqui a palavra se derrama em outros sinônimos.

9. Nasce aqui, portanto, um Simão Pedro novo, casa aberta e acolhedora, atento, próximo, cuidadoso e carinhoso, frágil, com a missão pastoral de alimentar e cuidar de todos os filhos de Deus. Mas, entenda-se sempre bem, a casa é de Deus, e são de Deus os filhos e filhas que nela são gerados, acolhidos, alimentados.

10. Temos esse contraponto da 1ª leitura, onde Eli faz bem o papel de diretor espiritual. Depois de discernir a Voz de Deus que chamava Samuel, é para Deus que Eli remete Samuel, com uma indicação precisa. Lembrando que nossa missão é atrair outros para Deus, não para nós mesmos.

11. Acompanharemos alguns trechos da 1ª Carta de Paulo aos Coríntios, nos revelando de forma indireta, uma cidade com muitas divisões, distrações, idolatrias e imoralidades, coisa em tudo semelhante ao que se vê nas grandes metrópoles modernas.

12. E aponta aos cristãos de todos os tempos o caminho do Evangelho: o corpo, que, no mundo bíblico, diz a pessoa toda, integral, é para o Senhor, e o Senhor é para o corpo.

13. Todos os textos nos falam desse rumo novo que devemos empreender: a busca de Deus e para isso não só orientamos e disciplinamos o corpo, mas apuramos os ouvidos, nos diz o salmo que cantamos: ‘Sacrifício e oblação não quisestes, mas abristes, Senhor, meus ouvidos’.  

14. Diz um poeta (Nelly Sachs), que talvez seja necessário escavar bem os ouvidos: “Se os profetas irrompessem/ pelas portas da noite/ com as suas palavras abrindo feridas/ nas rotinas do cotidiano [...]/ Se os profetas irrompessem/ pelas portas da noite/ à procura de um ouvido como pátria/ Ouvido humano/ obstruído por mato e por silvas/ será que saberias escutar?”

 

* Sigo o esquema reflexivo de D. António Couto “Quando ele abre as Escrituras” (Paulus).


Pe. João Bosco Vieira Leite