Cristo, Rei do Universo – Ano B

 

(Dn 7,13-14; Sl 92[93; Ap 1,5-8; Jo 18,33-37)*

1. No Evangelho, Pilatos pergunta a Jesus: “Tu és o rei dos judeus?” E Jesus responde: “Tu o dizes: eu sou Rei”. Um pouco antes, Caifás havia dirigido a mesma pergunta a Jesus, mas de outra forma, e Ele respondeu fazendo referência a esta imagem que está na 1ª leitura: “O Filho do Homem”, que Jesus tomou para si por várias vezes.

2. Com essas duas imagens Jesus traz luz à nossa compreensão do mistério da Encarnação. O seu ser dentro da história e para além dela, temporal e eterno. Esses dois títulos, rei e filho do homem, são apenas dois de tantos outros com que a Bíblia nos fala, direta e indiretamente, de Cristo, soberano sobre a história.

3. Há um canto inglês, que visita os 73 livros da Bíblia e de cada um, retira um elemento que faz referência principalmente a Cristo. No Gn é o cordeiro do sacrifício de Abraão. No Ex é o cordeiro pascal; no Lv é o nosso sumo sacerdote, no Nm é a nuvem do dia e a coluna de fogo da noite... E por aí vai.

4. Jesus não se restringe a um pequeno aspecto da história, mas a enche toda: presente no AT como profecia, no NT como encarnado, no tempo da Igreja como anunciado. O fato de dividir a história do mundo em duas partes, antes e depois de Cristo – exprime essa convicção.

5. Mas ao lado dessas duas imagens gloriosas de Cristo em nossa liturgia de hoje, encontramos também um aceno, na 2ª leitura, do Cristo humilde e sofredor. Uma afirmação que evoca tantas palavras e imagens do Evangelho:

6. O Bom Pastor que dá a vida por suas ovelhas; o Jesus “manso e humilde de coração”; o Jesus que na última Ceia disse a seus discípulos: “Não vos chamo servos, mas amigos”; o Jesus, sobretudo, que ao fim se encaminha silencioso para a morte para nos salvar.

7. Por vezes nos é difícil manter unida essas duas prerrogativas de Cristo, derivadas da sua natureza, divina e humana: aquela da majestade e aquela da humildade. Com facilidade reconhecemos a Cristo como amigo e irmão universal, mas nos é difícil proclamá-lo como Senhor e reconhecer seu real poder sobre nós.

8. O próprio cinema, em seus filmes sobre Jesus, tem essa dificuldade. De um modo geral, optaram por um Jesus manso, perseguido, incompreendido, muito próximo do ser humano a ponto de partilhar suas lutas, rebeliões, e o seu desejo de uma vida normal.

9. Não se trata de desclassificar essas tentativas de repropor em termos acessíveis e populares a história de Jesus. Nem mesmo Jesus se ofendia se as pessoas o tinham como apenas um profeta...

10. A Igreja nos apresenta novamente, nesse domingo, aquele que devemos levar sempre conosco, e que nos leva com Ele, de modo completo: humaníssimo e transcendente.

11. Em Paris se conserva, sob especial custódia, a barra que serve para estabelecer o cumprimento da medida do metro, para que esta unidade de medida, introduzida na revolução francesa, não venha alterada com o passar do tempo.

12. Do mesmo modo, a Igreja custodia a verdadeira imagem de Jesus de Nazaré que deve servir de critério para medir a legitimidade de cada representação Sua, seja na literatura, no cinema e na arte. Não é uma imagem fixa e inerte, como a medida do metro, porque se trata de um Cristo vivente que cresce também na compreensão da própria Igreja, em meio as perguntas e provocações sempre novas da cultura e do progresso humano.

13. O salto de qualidade na fé se dá quando se aceita, alegremente a Cristo em sua vida não só como irmão e amigo, mas também como Rei, Senhor e Salvador pessoal. Isto é, não só como homem, mas também como Deus.

14. E no mais, a que nos serviria um Cristo só humilde e perseguido como nós, se não fosse também suficientemente poderoso para salvar e mudar a nossa situação de opressão, e de desejo e de pecado?

15. Aquele que um dia virá glorioso sobre as nuvens do céu, nos vem agora pelas páginas do Evangelho e virá daqui a pouco, manso e humilde, nos sinais do pão e do vinho. Acolhamos a cada uma de suas vindas dizendo também como as crianças em sua entrada triunfal em Jerusalém: “Bendito aquele que vem em nome do Senhor!”    

* Reflexão com base em texto de Raniero Catalamessa.  

Pe. João Bosco Vieira Leite