(1Rs 17,10-16; Sl 145[146]; Hb 9,24-28; Mc 12,38-44)
1.
A cena que acabamos de acompanhar foi muito bem construída, do ponto de vista
literário. Está dividida em três momentos: Jesus se senta e observa; chega uma
pobre viúva; Jesus chama os discípulos e lhes comunica algo. Observação, ação,
lição. Ou se quisermos: ver, ler, entender.
2.
O ponto de partida está nesse contraste entre o exibicionismo dos doutores da
Lei, dito anteriormente por Jesus, e a comovente generosidade da mulher. Ao fechamento arrogante dos grandes, dos sábios, opõe-se a disponibilidade de
gente simples, pela qual Jesus não esconde sua simpatia.
3.
Nessa pobre viúva Jesus encontra aquilo que não viu ao entrar no Templo e
encontra-lo cheio de mercadores e cambistas. Se diz que o ofertante deveria
declarar ao sacerdote se sua contribuição era para o culto ou outra coisa. Ali
Jesus via e ouvia.
4.
A oferta da viúva era uma coisa irrisória, mas de uma generosidade que chama a
atenção de Jesus, pois os demais davam do seu supérfluo, ela dava da sua
pobreza, do estritamente necessário, da sua penúria. E a faz sem que ninguém
note. Com essa sentença sobre o valor da oferta, Jesus encerra sua atividade e
ensinamento no Templo.
5.
Se Ele havia começado o seu dia contestando o comércio que acontecia sob a tutela dos
sacerdotes, desacreditando a autoridade dos mesmos, do significado do Templo,
do tributo a ser pago a Cesar, sobre a ressurreição dos mortos, do mandamento
mais importante, ele conclui exaltando o autêntico valor religioso daquela
pobre mulher.
6.
Para dizer-nos que o lugar do encontro com Deus não passa através do poder
cultual ou institucional, mas através de um coração pobre, isto é, totalmente
aberto e disponível a Deus. De um sacrifício silencioso, completo e natural,
que não transforma a história com seu gesto, mas que, para além das seguranças
humanas, resolve abandonar-se inteiramente à misericórdia de Deus. Uma
conclusão adequada à sua atividade pública.
7.
Aquelas duas moedas que caem no recipiente das ofertas soam como música aos
ouvidos de Jesus, cansado de tantas discussões teológicas ao longo do seu dia.
Aquela mulher não queria chamar a atenção sobre si, mas seu gesto ficará
registrado para sempre no livro dos pequenos, dos desconhecidos, dos que são
grandes aos olhos de Deus.
8.
Esse pequeno episódio é um capítulo importante na pedagogia de Jesus, pois
convida seus discípulos a observar. Mas a observar com profundidade, sem
avaliação superficial dos fatos ou das pessoas. Ser capaz de ir além das
aparências. Olhar bem. Olhar além.
9.
Jesus conclui sua pregação e seus ensinamentos com essa cena. A mulher não
fala, apenas realiza um gesto. E dele recolhemos ou intuímos algo, talvez de
uma entrega ou confiança que às vezes nos escapa. Pior para nós, se não
conseguimos aprender nada...
Pe.
João Bosco Vieira Leite