Quarta, 13 de novembro de 2024

(Tt 3,1-7; Sl 22[23]; Lc 17,11-19) 32ª Semana do Tempo Comum.

“Porque nós outrora éramos insensatos, rebeldes, extraviados, escravos de toda sorte de paixões e prazeres, vivendo na maldade e na inveja, dignos de ódio e odiando uns aos outros” Lc 17,3.

“Os versículos de abertura (1-2) recordam o dever dos fiéis cristãos de respeitarem as autoridades civis e enumeram uma lista de virtudes a que eles são chamados. Nos versículos sucessivos é introduzida uma motivação teológica. A argumentação é precedida de uma visão negativa das condições da Humanidade antes de Cristo (v. 3), à qual se segue a descrição da mudança realizada por Cristo (vv. 4-7). [Compreender a Palavra:] O âmago da argumentação está colocado no versículo 4. Nele o autor anuncia a Epifania, a manifestação da bondade de Deus e do Seu amor pelos homens. O texto sublinha, além disso, que nossas obras não estão na origem da nossa salvação, enquanto esta nos é concedida pela misericórdia divina, através do ‘batismo de regeneração e renovação do Espírito Santo’ (cf. v.5), pelo qual se atualiza para o cristão uma nova vida, uma regeneração. Esta regeneração é uma água (Ef 5,26) que foi derramada sobre nós por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador, que assim nos justificou e tornou herdeiros da esperança na vida eterna” (Giuseppe Casarin – Lecionário Comentado [Tempo Comum – Vol. 2] – Paulus).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Terça, 12 de novembro de 2024

(Tt 2,1-8.11-14; Sl 36[37]; Lc 17,7-10) 32ª Semana do Tempo Comum.

“Assim também vós, quando tiverdes feito tudo o que vos mandaram, dizei: ‘Somos servos inúteis;

fizemos o que devíamos fazer’” Lc 17,10.

“Costuma você pensar e dizer com frequência: Sou livre para fazer o bem, ou o mal; e isso pode ser ambíguo. Você é livre psicologicamente para decidir-se pelo bem ou pelo mal. Não existe força alguma, oculta ou manifesta, que o/a impeça de decidir-se. Se você se decide pelo bem ou pelo mal, é você o/a único(a) responsável, e decide-se porque quer fazê-lo, não porque alguém, ou algo o/a pressione, empurre, force. Psicologicamente falando, você é livre, e aí reside sua grande responsabilidade: saber usar ajuizadamente e com prudência da sua liberdade. No entanto, moralmente, você de maneira alguma é livre para fazer o que lhe agrade, ou o que bem lhe pareça. Moralmente você é obrigado(a) a fazer o bem e evitar o mal. De tal forma que se não fizer, assume a responsabilidade pelo al praticado ou pelo bem que deixou de realizar. Quando se faz o bem outra coisa não é feita senão o que se devia fazer; ao fazer o bem, você é simplesmente um ser normal, ao passo que, ao praticar o mal, você age de modo anormal por realizar algo indevido, e aí, então, você é como uma máquina que funciona às avessas, é uma monstruosidade. É verdade que você não estranha que o sol brilhe, que a chuva molhe, que a terra produza planta e flores, que as árvores deem frutos, que o fogo queime, que o gelo enregele? Menos ainda você deve estranhar se você realiza o bem, porque esse deve ser feito, seu produto, seu fruto, sua ação. Considere, portanto, o transtorno que aconteceria no mundo, se você não realizar o bem, e imagine o que aconteceria se os outros tampouco o fizessem; este mundo transformar-se-ia em terra sem plantas, fogo sem luz e sem calor, sol pagado, árvore sem fruto, algo sem vida, algo morto. Jesus não veio senão para dar-nos o exemplo do serviço, conforme lemos em Marcos 10,43-45: ‘Entre vós, porém, não será assim: todo o que quiser tornar-se grande entre vós seja o vosso servo; e todo o que entre vós quiser ser o primeiro seja o escravo de todos. Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em redenção por muitos’. Assim, entre os seguidores do Senhor: ‘o que quiser tornar-se grande entre vós seja o vosso servo’ (Marcos 10,43). Isso foi dito por Jesus, para que seus discípulos nunca se detivessem nem descansassem acreditando terem trabalhado o suficiente, tentação que muito bem lhe pode suceder. O apóstolo deve ter sempre pela frente a frase: ‘Somos servos como quaisquer outros’ (v. 10), para viver convencido de que no sentido do apostolado nada é do apóstolo, a não ser os defeitos e limitações, ao passo que todo bem é de Deus e vem de Deus, segundo nos adverte São Paulo: ‘Assim nem o que planta é alguma coisa nem o que rega, mas só Deus, que faz crescer’ (1Coríntios 3,7)” (Alfonso Milagro – O Evangelho meditado para cada dia do ano – Ave-Maria).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Segunda, 11 de novembro de 2024

(Tt 1,1-9; Sl 23[24]; Lc 17,1-6) 32ª Semana do Tempo Comum.

“Jesus disse a seus discípulos: ‘É inevitável que aconteçam escândalos.

Mas ai daquele que produz escândalos!’” Lc 17,1

“O relacionamento, no interior da comunidade cristã, deve ser de fraternidade e de respeito mútuos. Contudo, as pessoas estão dando os primeiros passos na fé merecem atenção especial. Não devem ser tratadas com intolerância e impaciência por quem se considera firme e maduro na sua adesão a Jesus. Esse tratamento poderia leva-las ao desespero, acabando por abandonarem sua caminhada de fé. A isso chamamos escândalo. E Jesus advertiu seus discípulos a evitá-lo. A ofensa a uma pessoa fraca na fé atinge o próprio Deus. Daí o castigo terrível que Jesus sugeriu para quem escandalizar um pequenino. É Deus o primeiro interessado em que alguém se converta ao Reino anunciado por Jesus, e se esforce por adequar sua vida a esse mesmo Reino. Porque conhece a fraqueza humana, o Pai sabe que ninguém é capaz de atingir a maturidade da fé, da noite para o dia. O processo é lento e penoso, feito de altos e baixos. Ele acompanha, com carinho e paciência, cada discípulo do Reino que se esforça para crescer na fé. Deus não suporta que alguém se intrometa e ponha a perder a obra de sua graça. E o escândalo, em última análise, consiste em desfazer a obra de Deus, no coração das pessoas. Portanto, é obrigação da comunidade colaborar para que os pequeninos, apesar de suas quedas, sigam adiante, fazendo amadurecer sempre mais a própria fé.  – Senhor Jesus, que eu seja sensível e atencioso para com meus irmãos de fé, especialmente os mais fracos e carentes de apoio (Pe. Jaldemir Vitório, sj – O Evangelho nosso de Cada Dia [Ano B] - Paulinas).

Pe. João Bosco Vieira Leite

 

 

32º Domingo do Tempo Comum – Ano B

(1Rs 17,10-16; Sl 145[146]; Hb 9,24-28; Mc 12,38-44)

1. A cena que acabamos de acompanhar foi muito bem construída, do ponto de vista literário. Está dividida em três momentos: Jesus se senta e observa; chega uma pobre viúva; Jesus chama os discípulos e lhes comunica algo. Observação, ação, lição. Ou se quisermos: ver, ler, entender.

2. O ponto de partida está nesse contraste entre o exibicionismo dos doutores da Lei, dito anteriormente por Jesus, e a comovente generosidade da mulher. Ao fechamento arrogante dos grandes, dos sábios, opõe-se a disponibilidade de gente simples, pela qual Jesus não esconde sua simpatia.

3. Nessa pobre viúva Jesus encontra aquilo que não viu ao entrar no Templo e encontra-lo cheio de mercadores e cambistas. Se diz que o ofertante deveria declarar ao sacerdote se sua contribuição era para o culto ou outra coisa. Ali Jesus via e ouvia.

4. A oferta da viúva era uma coisa irrisória, mas de uma generosidade que chama a atenção de Jesus, pois os demais davam do seu supérfluo, ela dava da sua pobreza, do estritamente necessário, da sua penúria. E a faz sem que ninguém note. Com essa sentença sobre o valor da oferta, Jesus encerra sua atividade e ensinamento no Templo.

5. Se Ele havia começado o seu dia contestando o comércio que acontecia sob a tutela dos sacerdotes, desacreditando a autoridade dos mesmos, do significado do Templo, do tributo a ser pago a Cesar, sobre a ressurreição dos mortos, do mandamento mais importante, ele conclui exaltando o autêntico valor religioso daquela pobre mulher.

6. Para dizer-nos que o lugar do encontro com Deus não passa através do poder cultual ou institucional, mas através de um coração pobre, isto é, totalmente aberto e disponível a Deus. De um sacrifício silencioso, completo e natural, que não transforma a história com seu gesto, mas que, para além das seguranças humanas, resolve abandonar-se inteiramente à misericórdia de Deus. Uma conclusão adequada à sua atividade pública.

7. Aquelas duas moedas que caem no recipiente das ofertas soam como música aos ouvidos de Jesus, cansado de tantas discussões teológicas ao longo do seu dia. Aquela mulher não queria chamar a atenção sobre si, mas seu gesto ficará registrado para sempre no livro dos pequenos, dos desconhecidos, dos que são grandes aos olhos de Deus.

8. Esse pequeno episódio é um capítulo importante na pedagogia de Jesus, pois convida seus discípulos a observar. Mas a observar com profundidade, sem avaliação superficial dos fatos ou das pessoas. Ser capaz de ir além das aparências. Olhar bem. Olhar além.  

9. Jesus conclui sua pregação e seus ensinamentos com essa cena. A mulher não fala, apenas realiza um gesto. E dele recolhemos ou intuímos algo, talvez de uma entrega ou confiança que às vezes nos escapa. Pior para nós, se não conseguimos aprender nada...  

Pe. João Bosco Vieira Leite

Sábado, 09 de novembro de 2024

(Ez 47,1-2.8-9.12; Sl 45[46]; Jo 2,13-22) Dedicação da Basílica do Latrão.

“No templo, encontrou vendedores de bois, ovelhas e pombas e os cambistas que estavam aí sentados”

Jo 2,14.

“O dado foi recordado pelos observadores do fato religioso: Deus está presente nos povos pobres e marginalizados da terra, e está se ocultando lentamente nos povos ricos e poderosos. Os países que são pobres em poder, dinheiro e tecnologia são mais ricos em humanidade e espiritualidade do que as sociedades que os marginalizam. Talvez, o antigo relato de Jesus expulsando do Templo os vendedores nos leve à pista, não à única, que pode explicar o porquê deste ocultamente de Deus, precisamente nas sociedades da abundância e do bem-estar. O conteúdo essencial da cena evangélica pode resumir-se desta maneira: onde se busca o próprio proveito não há lugar para um Deus que é Pai de todos. Quando Jesus chega a Jerusalém, não encontra gente que busca a Deus, mas comércio. O próprio Templo converteu-se num grande mercado. A religião continua funcionando, mas ninguém escuta a Deus. Sua voz se extingue, silenciada pelo ruído do dinheiro. O que interessa é apenas o próprio proveito. Segundo o evangelista, Jesus atua movido pelo ‘zelo da casa de Deus’. O termo grego significa ardor, paixão. Jesus é um ‘apaixonado’ pela causa do verdadeiro Deus e, quando vê que está sendo desfigurado por interesses econômicos, reage com paixão, denunciando essa religião falsa e hipócrita. A atuação de Jesus lembra as terríveis condenações pronunciadas no passado pelos profetas de Israel. Só vou citar as palavras que Isaías põe nos lábios de Deus: ‘Estou farto de holocaustos... Não continueis a trazer-me oferendas vazias, nem incenso execrável... Eu desteto vossas solenidades e festas; tornaram-se para mim um peso que não suporto. Quando estendeis vossas mãos, fecho os olhos; ainda que multipliqueis as orações, não escutarei. Vossas mãos estão cheias de sangue. Lavai-vos, afastai de minha vista vossas más ações. Cessai de fazer o mal e aprendei a fazer o bem. Buscai a justiça, corrigi o opressor. Fazei justiça ao órfão, defendei a viúva. Então vinde’ (Is 1,11-18). Não é de estranhar que na ‘Europa dos comerciantes’ se fale hoje de ‘crise de Deus’ (Gotteskrise). Onde se busca a própria vantagem ou ganho, sem levar em conta os necessitados, não há lugar para o verdadeiro Deus. Ali o anseio pela transcendência se apaga e as exigências do amor são esquecidas. Esta Europa do bem-estar, onde a crise de Deus já está gerando uma profunda crise do ser humano, precisa ouvir uma mensagem clara e apaixonante: ‘Quem não pratica a justiça e quem não ama seu irmão, não é de Deus’ (1Jo 3,10)” (José Antonio Pagola – O Caminho Aberto por Jesus – João – Vozes).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Sexta, 8 de novembro de 2024

(Fl 3,17—4,1; Sl 121[122]; Lc 16,1-8) 31ª Semana do Tempo Comum.

“Ele o chamou e lhe disse: ‘Que é isso que ouço ao teu respeito? Presta contas da tua administração,

pois já não podes administrar meus bens’” Lc 16,2.

“É sempre desagradável para nós isso de ‘prestar contas’, de dar satisfação a alguém sobre algo que realizamos, ou que nos pediram. Porém, quando essa prestação de contas afeta toda a nossa vida, quando devemos exigir de nós mesmos, para analisar os diferentes aspectos da nossa vida, facilmente surge em nós o desgosto e o tédio. No entanto, nossa vida por mais que chamemos de ‘nossa’ não nos pertence; há nisso um engano; não é nossa, mas de Deus, que a colocou em nós, mas com a obrigação de a fazermos frutificar. E como a vida não é nossa, mas de Deus, que ele no-la pode tirar a qualquer momento e pode exigir de nós que lhe prestemos conta a respeito dela, e, então, você terá de dar contas a Deus de como empregou suas forças físicas, sua saúde, suas qualidades, seu tempo, sua inteligência, sua vontade, seu coração. Deverá, então, pesar e analisar todos e cada um de seus pensamentos, de seus desejos, de seus projetos, e de como sua vida pessoal se projetou para os outros, porque você não pode encerrar a sua vida dentro de você mesmo (a), simplesmente porque não é sua, mas de Deus, e Deus quer que você a projete para seu próximo. O homem rico da parábola é Deus nosso Senhor, dono de toda a terra e de todos os talentos e qualidades que colocou nele; o homem não é senão administrador dos bens de Deus e, como tal, a Deus deverá dar conta da administração que realiza durante sua vida. Você pode ser chamado a esta prestação de contas a qualquer momento de sua vida, talvez quando menos você o pense, quando menos o imagine. Por isso, o Senhor adverte-nos: ‘estai também vós preparados, porque o Filho do Homem virá numa hora em que menos pensardes’ (Mateus 24,44). Estar preparados, isto é, ter as contas prontas para entregar, viver na graça e cumprir sempre e em tudo a vontade do Senhor” (Alfonso Milagro – O Evangelho meditado para cada dia do ano – Ave-Maria).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Quinta, 7 de novembro de 2024

(Fl 3,3-8; Sl 104[105]; Lc 15,1-10) 31ª Semana do Tempo Comum.

“E se uma mulher tem dez moedas de prata e perde uma, não acende uma lâmpada, varre a casa e a procura cuidadosamente, até encontrá-la?” Lc 15,8.

“Agora a mulher acende uma lâmpada. Para Gregório, é a inteligência. Ela precisa da luz da inteligência para esclarecer a escuridão inconsciente, procurando aí a completude perdida. Mas Lucas, sem dúvida, pensa aí também na luz da fé. É somente pela fé que a inteligência fica realmente iluminada. É a luz de Deus, da qual precisamos para procurar a dracma na nossa casa interna. A mulher varre a casa toda. Ela remove a sujeira que se depositou no chão da casa. Gregório interpreta essa sujeira como sendo a negligência com a qual vivemos. Quando nos ocupamos negligentemente com muitas atividades, a nossa casa fica suja. Não somos mais senhores da nossa casa. Uma camada de poeira deposita-se no chão de nossa alma. Então precisamos varrer energicamente, para redescobrir o lustro original da nossa alma. E a mulher procura, incansavelmente. A palavra grega ‘epimelos’ significa ‘solicitamente’, ‘cuidadosamente’, ‘com precisão e afinco’. A mulher olha com atenção, procura com cuidado. Ela está preocupada; quer mesmo encontrar sua dracma. O ser humano não está apenas em busca de Deus, mas também de si mesmo, de sua verdadeira essência. Perdeu a si mesmo. É essa a desgraça do ser humano: alienar-se de si mesmo, perder a si mesmo” (Anselm Grüm – Jesus, modelo do ser humano – Loyola).

 Pe. João Bosco Vieira Leite

 

Quarta, 6 de novembro de 2024

(Fl 2,12-18; Sl 26[27]; Lc 14,25-33) 31ª Semana do Tempo Comum.

“Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim não pode ser meu discípulo” Lc 14,27.

“Para Jesus, segui-lo é seguir o caminho da cruz. No evangelho de Lucas, Jesus convida os seus discípulos duas vezes a carregarem a sua cruz: ‘Quem não carrega sua cruz e não vem em meu seguimento não pode ser meu discípulo’ (Lc 14,27); ‘Se alguém quiser vir em meu seguimento, renuncie a si mesmo, e tome sua cruz cada dia e siga-me’ (Lc 9, 23). A primeira palavra mostra a seriedade do ‘seguir’. Quem segue Jesus deve contar com isto: o seu caminho há de levar também à cruz, à perseguição, a hostilidade e finalmente à morte. A segunda palavra interpreta o seguimento da cruz como caminho espiritual. Lucas acrescenta aqui ‘cada dia’. Aí a cruz se torna imagem das aflições e dos conflitos cotidianos. Todo dia alguma coisa nos contraria. Todo dia os outros nos decepcionam ou nos ofendem. Se entendermos os desafios de cada dia como uma cruz, não nos farão desanimar: a cruz há de nos levar a uma união mais profunda com Cristo. A cruz acabará com a nossa vaidade. Vivemos muitas vezes, no nosso dia-a-dia, com uma imagem idealizada, ilusória de nós mesmos. Pensamos estar obedecendo à vontade de Deus, cumprindo o nosso dever. Quando alguém, então, nos critica e nos trata com injustiça, quando nos despreza e humilha, então sentimo-nos ofendidos e lamentamos a nossa situação. Jesus quer nos convidar para que deixemos nos lavrar por essas aflições de cada dia, para Deus. É isso, creio, que significa ‘abnegação’. Acontece que a palavra ‘abnegação’ muitas vezes foi mal entendida, como se devêssemos renegar completamente, nos desvalorizar ou deformar. A palavra grega ‘arneisthai’ significa ‘negar’, ‘resistir’, ‘distanciar-se’. Pelas experiências da cruz na minha vida devo renegar o meu ego que se enfuna, e imagina que tudo deve servir só a ele, mas para descobrir o meu verdadeiro ‘eu’. Devo me distanciar do egoísmo que gostaria de puxar tudo para si mesmo, a fim de descobrir debaixo disso o verdadeiro núcleo da minha pessoa. Essa palavra de Jesus não é uma exortação para eu tornar a minha vida bem penosa para mim mesmo e para me sobrecarregar, e sim um convite para me deixar lavrar pela vida e pelas suas aflições, para Deus. Então a vida me levará até Deus. Então a cruz se tornará a chave da vida. Abrirá a porta para o centro da minha alma, sou eu, além de sucesso e bem-estar, além de reconhecimento e acolhimento, além de crítica e humilhações” (Anselm Grüm – Jesus, modelo do ser humano – Loyola).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Terça, 05 de novembro de 2024

(Fl 2,5-11; Sl 21[22]; Lc 14,15-24) 31ª Semana do Tempo Comum.

“Um homem que estava à mesa disse a Jesus: ‘Feliz aquele que come o pão no Reino de Deus!’” Lc 14,15.

“Todos somos convidados para o baquete do Reino de Deus; todos sem exceção; todos temos fome e sede de justiça, fome e sede de felicidade, fome e sede de Deus. E essa fome e essa sede não podem ser aclamadas em nós com nenhuma coisa criada. Jesus, no evangelho de hoje, promete-lhe as alegrias do Reino de Deus, e com essas alegrias lhe promete calma em suas ansiedades, tranquilidade em suas inquietações e paz em suas amarguras. O convite do Senhor é para que você participe do seu banquete, e esse convite lhe chega repetidamente por incontáveis meios. O convite a que se refere este evangelho é, antes de mais nada, para o Reino de Deus, que frequentemente é comparado com um suntuoso banquete, e o sentido primário expressa-o Jesus, quando diz ‘feliz daquele que se sentar à mesa do Reino de Deus’ (v. 15), que é equivalente a dizer que é ditoso aquele que chegue a possuir em si o Reino de Deus, que é Reino de justiça, de verdade, de amor e de paz. Mas, em sentido secundário, esse banquete refere-se ao banquete eucarístico, do qual assistindo-o e dele participando, o homem se dispõe para o outro banquete do Reino de Deus. Assim o diz expressamente o próprio Senhor Jesus, quando afirma: ‘Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós memos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna’ (João 6,53-54). Realmente a ceia eucarística é um grande banquete: grande pela dignidade daquele que convida, que é, nada mais nada menos, que o próprio Deus, Jesus Cristo nosso Redentor e Salvador; grande pelo número de convidados, visto que a ele são chamados todos os homens de bom coração; ninguém fica excluído desse banquete por sua pobreza, por sua pouca cultura, por sua condição humilde; antes, os grandes e poderosos devem humilhar-se e tornar-se pobres e simples de coração, para merecerem ser admitidos neste banquete; grande pelos efeitos que produz: aumenta a graça divina, purifica a alma de seus pecados, preserva-a de novas quedas, prepara o homem que comunga para a vida eterna” (Alfonso Milagro – O Evangelho meditado para cada dia do ano – Ave-Maria).

Pe. João Bosco Vieira Leite

 

Segunda, 04 de novembro de 2024

(Fl 2,1-4; Sl 130[131]; Lc 14,12-14) 31ª Semana do Tempo Comum.

“Então tu serás feliz! Porque eles não te podem retribuir. Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos” Lc 14,14.

“O Reino insere, no coração humano, preocupações que superam a visão mundana da vida. Ele toca, até mesmo, coisas muitos simples, qual seja a lista de convidados para um almoço ou jantar. Quem não pensa segundo o Reino, será levado a convidar pessoas que, no futuro, poderão retribuir-lhe o convite. Os ricos, neste caso, serão visados em primeiro lugar. O discípulo do Reino, porém, parte de outro critério. Escolhe exatamente os pobres e excluídos, aqueles que não terão condições de oferecer-lhe nada em troca. Basta-lhe a retribuição que o Senhor reservou para quem se deixou guiar pelo amor. Sua felicidade consistirá em compartilhar, a saciar a fome do próximo, em proporcionar um momento de prazer a quem vive sob o peso da rejeição social e de suas próprias limitações físicas, em valorizar quem vive na condição de resto da sociedade. O coração do discípulo deve manter-se imune de segundas intenções. É possível fazer um banquete e convidar os pobres e excluídos, com o intuito de ter o nome estampado nos jornais e ser objeto da admiração alheia. O discípulo não tem um espírito demagógico. Sua opção pelos pobres é fruto da comunhão com sua causa, porque os preferidos de Deus. Ao colocar-se do lado deles, o discípulo tem motivos para esperar a retribuição do Pai. – Senhor Jesus, tira do meu coração todo desejo de receber retribuições humanas, mas esperar somente a que provém do Pai” (Pe. Jaldemir Vitório, sj – O Evangelho nosso de Cada Dia [Ano B] - Paulinas).

 Pe. João Bosco Vieira Leite

 

Todos os Santos e Santas – 2024

(Ap 7,2-4.9-14; Sl 23[24]; 1Jo 3,1-3; Mt 5,1-12)*

1. O teor da liturgia da Palavra é a vocação universal à santidade, isto é, à perfeição que nos torna agradáveis a Deus. Deus criou o ser humano para ter as qualidades dele.

2. A santidade é o bom êxito desse projeto que é uma graça de Deus, o oposto do envolvimento com o pecado como já está descrito na história do primeiro casal. A santidade é a ‘consagração’ àquele que é chamado ‘o Santo’, Deus – a harmonia com Ele.

3. A 1ª leitura nos ensina que a santidade é uma vocação universal. O autor nos fala de uma multidão que ninguém podia contar (cf. Ap 7,4). Assim, no início das descrições apocalípticas do Fim, o autor nos comunica sua visão da glória dos eleitos, fruto da ‘salvação que pertence ao nosso Deus... e ao Cordeiro’ (Ap 7,10).

4. Podemos incluir nessa multidão, todos os que vivem segundo o amor e a justiça divina que se revelam no amor até a morte e na glorificação de Jesus – mesmo sem conhecer o seu nome. A felicidade de estar definitivamente com Deus vem da comunhão com a obra que Jesus levou a termo.

5. A universalidade da vocação à santidade e do pertencer a Deus, mas também a exigência inerente a isso é expressa no Evangelho das Bem-aventuranças. A santidade é dom e missão. Deus no-la dá, mas a nós cabe realiza-la em nossa vida e irradiá-la em nosso redor.

6. Como dom, só pode ser recebido pelos que não estão cheios de si mesmos. Como tarefa, exige empenho: fazer acontecer a justiça de Deus, promover sua paz. Em todos os casos, exige desprendimento, conversão, abandono da autossuficiência e a opção por aqueles que Deus contempla com carinho especial: os pobres, os excluídos. 

7. Na 2ª leitura, o autor da Carta exorta os fiéis a receber com convicção a santidade como dom de Deus em Cristo. Quem não se sabe amado por Deus não entende o que significa ser ‘filho de Deus’.

8. Mas sabe-o quem o pratica! Esse saber fica ainda velado, só na glória é que se manifestará em plena clareza. Entretanto, já participamos, na esperança, da santidade de Deus, se vivemos como seus filhos.

9. A santidade não é o destino de uns poucos, mas de uma imensa multidão: todos aqueles que, de alguma maneira, até sem o saber, aderiram e aderirão à causa de Cristo e do Reino: a comunhão ou comunidade dos santos.  

10. Ser santo significa ser de Deus. Não é preciso ser anjo para isso. Significa um cristianismo libertado e esperançoso, acolhedor para com todos os que ‘procuram a Deus com um coração sincero’ (Oração Eucarística IV). Mas significa também um cristianismo exigente.

11. Devemos viver mais expressamente a santidade de nossas comunidades (a nossa pertença a Deus e a Jesus), por uma prática de caridade digna dos santos e por uma vida espiritual sólida e permanente.

12. Sobretudo: santidade não é beatice, medo de viver. Pelo contrário, é uma atitude dinâmica, uma busca de pertencer sempre mais a Deus e assemelhar-se sempre mais a Cristo. Não exige boa aparência, mas disponibilidade para se deixar atrair por Cristo e para entrar na solidariedade dos fiéis de todos os tempos, santificados e unidos por Ele.

* Essa reflexão tem por base texto de Franscisco Taborda e Johan Konings.

Pe. João Bosco Vieira Leite

Todos os fiéis defuntos – 2024

(Is 25,6-9; Sl 24[25]; Rm 8,14-23; Mt 25,31-46) *

1. Esse ano as duas celebrações estão muitos próximas, ainda que invertidas. Amanhã contemplaremos a ‘Cidade do Céu’ onde estão os santos e santas. Hoje, também dentro desse olhar para as realidades últimas, comemoramos todos os fiéis defuntos, que nos precederam com o sinal da fé e dormem o sono da paz.

2. É muito importante que nós cristãos vivamos a relação com os defuntos na verdade da fé, e olhemos para a morte e para o além à luz da revelação.

3. Paulo, escrevendo às primeiras comunidades, exortava os fiéis a “não estar tristes como os outros que não têm esperança”. “Se de fato, - escrevia-, cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus, através de Jesus, reunirá com ele todos os que estão mortos” (cf. 1Ts 4,13-14).

4. É necessário também hoje evangelizar a realidade da morte e da vida eterna, realidades particularmente sujeitas a crenças supersticiosas e a sincretismos, para que a verdade cristã não corra o risco de se misturar com mitologias de vários tipos.

5. Em sua Encíclica sobre a esperança cristã, ao falar da vida eterna, Bento XVI colocava algumas questões: a fé cristã é também para os homens e mulheres de hoje uma esperança que transforma e ampara sua vida? E de maneira mais radical: os homens e mulheres desta época ainda desejam a vida eterna? Ou tornou-se, porventura, a existência terrena o seu único horizonte?

6. Na realidade, como já observava Santo Agostinho, todos queremos a “vida bem-aventurada”, a felicidade, queremos ser felizes. Não sabemos bem o que seja e como seja, mas sentimo-nos atraídos por ela. Esta é uma esperança universal, comum aos homens e mulheres de todos os tempos e lugares.

7. A expressão “vida eterna” pretende dar um nome a esta expectativa insuprimível: não uma sucessão infinita, mas um imergir-se no oceano de amor infinito, no qual o tempo, o antes e o depois já não existem. Uma plenitude de vida e de alegria: é isto que esperamos e aguardamos do nosso ser com Cristo.

8. Renovamos hoje a esperança da vida eterna fundada realmente na Morte e Ressurreição de Cristo. “Ressuscitei e agora estou sempre contigo”, diz o Senhor, “e a minha mão ampara-te. Onde quer que tu caias, cairás nas minhas mãos e estarei sempre presente até na porta da morte. Onde ninguém te pode acompanhar e para onde nada podes levar, lá eu espero por ti para transformar para ti as trevas em luz”.

9. Mas a esperança cristã não é apenas individual, é sempre também esperança para os outros. As nossas existências estão profundamente ligadas umas às outras e o bem e o mal que cada qual pratica atinge sempre também os outros.

10. Assim, a oração de uma alma peregrina no mundo pode ajudar outra alma que se está a purificar depois da morte. Eis por que hoje a Igreja nos convida a rezar pelos queridos defuntos e a visitar os seus túmulos nos cemitérios.

11. Maria, estrela da esperança, torne mais forte e autêntica a nossa fé na vida eterna e ampare a nossa oração de sufrágio pelos irmãos defuntos. Amém.

* Com base em texto de Bento XVI

 

Pe. João Bosco Vieira Leite