(Ex 17,8-13; Sl 120[121]; 2Tm 3,14—4,2; Lc 18,1-8)
1. Mais uma parábola desconcertante. O
modelo de oração nos vem de uma pobre viúva (até aí tudo bem). Mas quando a
intervenção de Deus é comparada àquela de um ministro desonesto... aqui a coisa
se complica. Mas antes de nos escandalizarmos, é preciso olhar os protagonistas
dessa parábola.
2. Temos esse juiz, alguém a ser
evitado. Sem religião, sem humanidade, alérgico a cumprir o próprio dever. Se
não recebe ordens de Deus, também não escuta a própria consciência. Um
indivíduo egoísta, impermeável a qualquer sentimento. Insensível a tudo e a
todos.
3. Do outro lado temos uma viúva. A
imagem da fragilidade. Sem apoios, sem recomendações. Certamente não pode pagar
um advogado. Ela tem que enfrentar um adversário e um magistrado. Vítima de
dois abusos: prepotência de um lado e inércia da outra. A batalha parece já
começar perdida.
4. Mas ela não se rende. Vai ao juiz,
uma, dez, vinte vezes. O aborda sempre que o vê. Não se cansa diante da
rejeição. O persegue, o pressiona, lhe ocupa os ouvidos. Ele pôr fim se cansa e
decide fazer justiça para se livrar da mesma.
5. Na realidade a viúva percebeu que
ele tinha um ponto frágil: o seu próprio egoísmo; o seu desejo de não ser
importunado. Com sua persistência, abre uma brecha precisamente naquele ponto.
O ataca não no terreno da piedade, mas da insensibilidade. Ele se cansa de toda
aquela irritação.
6. A justiça é feita, não porque se
escutou a voz imperiosa do direito, mas porque não se quer mais escutar uma voz
incômoda. Assim a fragilidade prevalece sobre a força. A pessoa indefesa teve
razão sobre o poder arrogante. Essa é a primeira lição da parábola.
7. Não devemos ter medo da nossa
fragilidade, nem desencorajar-nos em nossa impotência. Não deixemo-nos
impressionar pela dificuldade. É inútil buscar apoio fora. A arma decisiva está
dentro de nós. E é justamente a nossa fragilidade, a nossa pobreza. É somente
com ela que temos a certeza de vencer.
8. Não devemos cansar se a resposta
demora. Não percamos o ânimo de a nossa voz arrisca-se a gritar inutilmente. A
demora, ao contrário de esfriar a esperança, é uma razão para alimentá-la.
9. Pois, do outro lado – e aqui o
segundo protagonista não é uma cópia, mas sim a imagem contrária de Deus! – não
está um juiz insensível, mas um Pai que se deixa ferir pelos gritos dos seus
filhos e é impaciente no desejo de atendê-los.
10. Assim, não se trata da fraqueza
contra a força. Mas de uma fraqueza, a nossa, contra uma outra fraqueza, aquela
de Deus. Nada é mais vulnerável do que um Deus que ama. Deus nos atende não
para não ser mais aborrecido. Ele ama a nossa insistência. Deseja ser
importunado, porque tudo lhe chega através do canal da fé.
11. A parábola termina com uma pergunta
inquietante. É certo que o tempo de Deus não é o nosso. Mesmo que Deus tenha
pressa de nos atender, pode acontecer que a nossa fé já se tenha apagado. Nosso
cansaço pode chegar primeiro.
12. Se interrompemos o canal da fé,
muitas respostas não chegam ao seu destino. E temos a coragem de lamentar-nos
porque Deus é surdo, que não nos escuta... Que pensar se, no dia em que o juiz
decidir responder a viúva, essa simplesmente não se faça ver?
Pe. João Bosco Vieira Leite