27º Domingo do Tempo Comum – Ano C

(Hb 1,2-3; 2,2-4; Sl 94[95]; 2Tm 1,6-8.13-14; Lc 17,5-10)

1. O Evangelho de hoje nos traz dois elementos distintos de reflexão. Ontem meditávamos sobre a gratuidade de Deus a partir das breves parábolas, mas hoje gostaria de me deter no pedido dos apóstolos a Jesus para que lhes aumente a fé.

2. Quando dizemos fé, podemos pensar num fio de verdade a crer, ou num complexo de doutrinas que buscamos viver e celebrar. Mas na realidade deveríamos pensar, imediatamente, em uma Pessoa. Crente é, essencialmente, alguém que se liga, adere totalmente a um Outro. Coloca sua confiança sobre Outro.

3. Fé, assim, reclama a ideia de segurança, solidez. E é, ao mesmo tempo, uma realidade dinâmica. Vem estabelecida uma ligação com Deus, não simplesmente para estar seguro, ser protegido, mas se deixar levar, deixar-se guiar. Se confia a Alguém em vista de um caminho. Se crer para caminhar ‘com’.

4. A resposta de Jesus aos seus apóstolos é inquietante. Uma fé do tamanho de uma ínfima semente para poder transladar uma árvore. Eles se dão conta que não precisam de um aumento de fé, mas têm necessidade simplesmente de fé. Se dão conta que não a possuem e nós com eles.

5. É menos humilhante pedir um aumento de fé do que reconhecer que não se tem fé. Não se trata aqui do aspecto quantitativo, mas de ter uma fé autêntica. Quando se tem, uma medida mínima é suficiente. E não só para fazer ‘caminhar’ uma árvore, mas para fazer caminhar a nós mesmos.

6. Há uma provocação para rever-nos o que chamamos de fé. Há quem veja a fé como algo a cuidar, um bem a administrar, um tesouro a gozar em santa paz, sem muitas complicações. A fé como patrimônio só pode andar bem ao máximo em condições normais de estabilidade.

7. Mas quando estamos em meio a uma realidade mutável, em situações que envolvem rapidamente e nos colocam problemas dramáticos e inéditos, agora esta fé é como uma moeda sem valor. A fé não é posse, é uma situação a ser vivida laboriosamente, dia após dia. É um caminho sempre diferente a inventar.

8. Quando a fé é armadura, firmeza interior, se enfrenta, corajosamente e serenamente as situações mais imprevisíveis e mutáveis. Mas se for uma armadura meramente exterior, pode não suportar as bruscas mudanças climáticas.

9. O ponto fraco da nossa fé é a pretensão de que ela abra para nós um caminho ‘privilegiado’, isento de contratempos. Não, a fé não nos abre um caminho de felicidade, não nos faz caminhar como privilegiados. A fé simplesmente lhe permite caminhar ao escuro, agredido por elementos hostis, em meio as dificuldades, nesses desafios comuns a todos os outros, com a única segurança de uma Presença.

10. De uma mão que te segura, não para lhe retirar das intempéries de maneira imediata, mas depois que passa a tempestade (como a Pedro que arriscava afundar-se.…). A fé não é uma fuga das responsabilidades da vida. Não facilita a estrada. Simplesmente lhe dá sentido.

11. Podemos pensar a fé em termos de segurança, onde precisamos de um Deus que sinalize bem a estrada a cada passo, que nos forneça sempre explicações, sólidos apoios e nos faça mover-nos em espaços seguros e bem definidos antecipadamente.

12. Mas podemos pensar a fé que vem vivida como a mais incômoda das aventuras que nos faz caminhar em meio a contradições na imprevisível geografia de Deus, que nos faz explorar territórios desconhecidos, sem outra bagagem se não sua Palavra, que nos desinstala.

13. A fé não traz a segurança de termos Deus ao nosso lado, mas de colocar-nos ao Seu lado todos os dias, de não perder o contato com o Companheiro de viagem. Quando a gente pensa que encontrou uma fé fácil, cômoda, na realidade perdemos a fé.  

 Pe. João Bosco Vieira Leite