(Pr 8,22-31; Sl 08; Rm 5,1-5; Jo 16,12-15)
1. A Trindade é um
mistério que ainda hoje ‘atormenta’ tanto aqueles que creem ou não. Uma espécie
de quebra-cabeça. Deixamo-nos dominar por esse exercício de álgebra banal: 1=3.
É provável que pela lógica dificilmente compreenderemos esse mistério, mas
podemos abordá-lo do ponto vista existencial.
2. Essa proposta vem de um escritor
francês, que tentarei aqui resumir. Ele nos diz que o ser humano autêntico,
verdadeiro, completo, vive em três dimensões: vertical, horizontal e de
profundidade. Isso podemos exprimir em três termos: Acima, ao redor, e dentro.
3. Na dimensão vertical o ser humano se
vê em relação ao que está acima dele: por exemplo o pai, ou a mãe, seus
superiores, ou mesmo alguma autoridade. Lhes reconhece os valores que são
encarnados especialmente na imagem do pai: obediência, docilidade, dependência,
ordem.
4. Se aceita viver nesta dimensão, ele
se torna filho. Se a rejeita radicalmente, permanece adolescente, numa revolta
estéril contra o pai, e se debate numa contestação confusa e anárquica.
5. A dimensão horizontal diz respeito
ao que lhe está em torno: irmãos, irmãs, amigos, companheiros. Os valores
essenciais são aqueles da fraternidade e igualdade.
6. A pessoa que vive esta dimensão
horizontal se torna irmão. Se a rejeita, permanece um menino egoísta e
caprichoso, fechado em seu pequeno mundo, preocupado exclusivamente do próprio
bem-estar (mesmo espiritual), indiferente às exigências do mundo que o
circunda, insensível aos problemas da justiça.
7. Por fim, tem a dimensão interior,
pela qual o ser humano entra em relação, em sintonia com o que está ‘dentro’
dele, com o seu ser mais profundo. É o mundo da alma, do espírito, da intuição,
da criatividade. A pessoa descobre os valores da interioridade, do silêncio,
reflexão, liberdade, contemplação, poesia, chega às próprias fontes e raízes.
8. Torna-se um ser espiritual. E,
notemos bem, o espiritual não é uma criatura que vive nas nuvens, desencarnada.
É, simplesmente, alguém que vive em profundidade. A pessoa privada desta
dimensão interior se condena à superficialidade, à vaidade, à agitação
exterior. Permanece na superfície de tudo.
9. Portanto, um ser humano completo
deve viver uma relação com o que está acima, ao redor e dentro dele. A confusão
em nosso mundo vem justamente de que essas dimensões se colocam em oposição, ou
concorrência, ao invés de conviverem, se harmonizarem e se completarem.
10. O que isso tem a ver com a
Trindade? O crente não encontra em Deus um ser unidimensional, mas encontra, ao
contrário, as suas três dimensões fundamentais. Pelo Evangelho conhecemos um
Deus que está acima. Que é nosso Pai. Terno misericordioso, respeitoso da
liberdade, disposto a perdoar.
11. Mas esse Deus, em Jesus, assumiu um
rosto humano, fraterno, um Deus em meio a nós. Nosso irmão. E, por fim, um Deus
que se encontra na dimensão interior, no profundo de nosso ser. Ele é ‘dentro’
de nós. Assim, Deus é nosso Pai, nosso Irmão, nosso Espírito.
12. Para entendermos Deus, nossa
reflexão deve ir na perspectiva da comunhão. Nesta linha, um garoto expressava
maravilhado: ‘Deus é uma família!’. O cristão que crê na Trindade, se esforça
em viver tal mistério rejeitando o egoísmo, ou fechamento sobre si mesmo, para
ser imagem de um Deus que é comunhão e relação.