Sábado, 11 de abril de 2020


Sábado Santo 
(a nossa meditação contempla a realidade do Cristo ainda não ressuscitado, que aguardamos em espírito de vigília...).

“No credo rezamos que ele ‘desceu aos infernos’. Descer aos infernos é descer às profundezas da condição humana para, então, dar-lhe luz, purifica-la e salvá-la. Diante do sofrimento não poderíamos acreditar num Deus sumamente bom e justo se não fosse o caminho da cruz percorrido por Jesus. Nele sabemos que o próprio Deus assumiu e nos livrou do peso dos nossos pecados. Agora estamos livres e nenhuma condenação pode pesar sobre nós (Rm 8,1ss). No Novo Testamento é na 1ª Carta de Pedro que se fala explicitamente da ‘descida aos infernos’: é dito que Cristo ‘foi pregar também aos espíritos que se encontravam na prisão, àqueles que outrora tinham recusado crer’ (3,19-20). Estes espíritos são os homens ‘mortos’ (4,5-6), a quem a Boa-Nova foi também anunciada, ‘a fim de que, embora julgados na carne segundo os homens, vivam no espírito segundo Deus’ (4,6). Na carta aos Efésios é dito que ‘aquele que desceu é o mesmo que subiu acima de todos aos céus, para encher todas as coisas’ (4,10; cf. Rm 10,7). Essa ‘descida aos infernos’ só pode ser entendida à luz da ressurreição e ela abre as portas do céu aos homens que viveram antes da vinda de Jesus e àqueles que, mesmo depois, não o conheceram. Ou devemos admitir que só serão admitidos na comunhão de amor com Deus os que puderam crer em Jesus por uma decisão refletida? Ora, Jesus nunca associou a promessa de salvação escatológica ao reconhecimento do sentido de sua missão. Ao contrário, sua universalidade inclui também os ‘mortos’, aqueles que só puderam conhecer o amor misericordioso do Pai quando então já se encontravam fora da esfera de conhecimento só possível pela fé. A liberdade que foi conquistada por Jesus não significa apenas ausência de grades, de limitações ou de obstáculos à vontade e aos desejos do homem. Na linha do evangelho, ser livre é poder fazer o que quiser ou até mesmo usufruir do direito de explorar e esmagar os outros que isto contribua para o aumento quantitativo, numérico e econômico do progresso e do desenvolvimento. Essa é a falsa liberdade, atrelada ao reino da necessidade. À luz da mensagem de Jesus o homem é tanto mais livre quanto mais se coloca a serviço do bem comum, sem temer, inclusive perder a própria liberdade para que os outros se tornem livres. A caridade é o exercício supremo dessa liberdade. Em Jesus essa liberdade autêntica foi vivida na obediência ao Pai e no serviço desinteressado aos homens. Ela atinge o seu ápice na cruz. A cruz é o vazio completo, a entrega total, a perda radical de si mesmo no outro. Ao buscar nas Escrituras o sentido da morte de Jesus na cruz a comunidade primitiva já estava convencida de que Jesus não havia morrido para si mesmo, mas para nós. Sua morte exprime o serviço à humanidade que determinou toda a sua missão, na linha da morte de rejeição e martírio sofrida anteriormente pelos profetas. Daí o seu caráter expiatório. Nessa linha uma teologia da libertação deve ser necessariamente uma teologia da cruz” (Frei Betto – Experimentar Deus hoje – Vozes).   

Pe. João Bosco Viera Leite