Sábado Santo
(a nossa meditação contempla a realidade do
Cristo ainda não ressuscitado, que aguardamos em espírito de vigília...).
“No credo rezamos que
ele ‘desceu aos infernos’. Descer aos infernos é descer às profundezas da
condição humana para, então, dar-lhe luz, purifica-la e salvá-la. Diante do
sofrimento não poderíamos acreditar num Deus sumamente bom e justo se não fosse
o caminho da cruz percorrido por Jesus. Nele sabemos que o próprio Deus assumiu
e nos livrou do peso dos nossos pecados. Agora estamos livres e nenhuma
condenação pode pesar sobre nós (Rm 8,1ss). No Novo Testamento é na 1ª Carta de
Pedro que se fala explicitamente da ‘descida aos infernos’: é dito que Cristo
‘foi pregar também aos espíritos que se encontravam na prisão, àqueles que
outrora tinham recusado crer’ (3,19-20). Estes espíritos são os homens ‘mortos’
(4,5-6), a quem a Boa-Nova foi também anunciada, ‘a fim de que, embora julgados
na carne segundo os homens, vivam no espírito segundo Deus’ (4,6). Na carta aos
Efésios é dito que ‘aquele que desceu é o mesmo que subiu acima de todos aos
céus, para encher todas as coisas’ (4,10; cf. Rm 10,7). Essa ‘descida aos
infernos’ só pode ser entendida à luz da ressurreição e ela abre as portas do
céu aos homens que viveram antes da vinda de Jesus e àqueles que, mesmo depois,
não o conheceram. Ou devemos admitir que só serão admitidos na comunhão de amor
com Deus os que puderam crer em Jesus por uma decisão refletida? Ora, Jesus
nunca associou a promessa de salvação escatológica ao reconhecimento do sentido
de sua missão. Ao contrário, sua universalidade inclui também os ‘mortos’,
aqueles que só puderam conhecer o amor misericordioso do Pai quando então já se
encontravam fora da esfera de conhecimento só possível pela fé. A liberdade que
foi conquistada por Jesus não significa apenas ausência de grades, de
limitações ou de obstáculos à vontade e aos desejos do homem. Na linha do
evangelho, ser livre é poder fazer o que quiser ou até mesmo usufruir do
direito de explorar e esmagar os outros que isto contribua para o aumento
quantitativo, numérico e econômico do progresso e do desenvolvimento. Essa é a
falsa liberdade, atrelada ao reino da necessidade. À luz da mensagem de Jesus o
homem é tanto mais livre quanto mais se coloca a serviço do bem comum, sem
temer, inclusive perder a própria liberdade para que os outros se tornem
livres. A caridade é o exercício supremo dessa liberdade. Em Jesus essa
liberdade autêntica foi vivida na obediência ao Pai e no serviço desinteressado
aos homens. Ela atinge o seu ápice na cruz. A cruz é o vazio completo, a
entrega total, a perda radical de si mesmo no outro. Ao buscar nas Escrituras o
sentido da morte de Jesus na cruz a comunidade primitiva já estava convencida
de que Jesus não havia morrido para si mesmo, mas para nós. Sua morte exprime o
serviço à humanidade que determinou toda a sua missão, na linha da morte de
rejeição e martírio sofrida anteriormente pelos profetas. Daí o seu caráter
expiatório. Nessa linha uma teologia da libertação deve ser necessariamente uma
teologia da cruz” (Frei Betto – Experimentar Deus hoje –
Vozes).
Pe. João Bosco Viera Leite