(Dt 30,10-14; Sl 68[69]; Cl 1,15-20; Lc 10,25-37).
1. A pergunta do mestre da lei no
evangelho, sobre como herdar a vida eterna, fez com que a liturgia tomasse esse
texto do Deuteronômio a respeito da lei divina. Ela não é simplesmente algo que
vem do alto, como uma imposição, mas ela nasce do coração humano. O que Deus
quer de nós é a mesma coisa que o nosso coração deseja.
2. Podemos assim compreender a palavra
de Jesus, quando chama de bem-aventurados os puros de coração. Quando não nos
deixamos cegar pelas paixões; quando não nos deixamos levar por frios
raciocínios, nosso coração permanece aberto às inspirações divinas.
3. Antes de chegarmos ao evangelho, a
liturgia nos propõe nesses quatro domingos que se seguem a leitura de trechos
da carta aos colossenses. Como sempre Paulo está tentando corrigir certa
compreensão errônea de algum elemento da fé. Esses assimilaram certa doutrina
que afirmava a existência de misteriosos espíritos.
4. Tais espíritos seriam superiores a
Cristo, por isso Paulo insere em seu texto esse hino a Cristo que proclama a
primazia de Cristo sobre todas as coisas e poderes. Quando a nossa fé não é
firme podemos facilmente ser vítimas do medo que pode nos levar a recorrer a
outras forças que nos protejam, correndo o risco de acender uma vela para Deus
e outra para o diabo.
5. Voltando a nossa reflexão provocada
pela 1ª leitura, Jesus trava um diálogo com um mestre da lei. Jesus lhe recorda
que não basta saber o que Deus nos pede, é preciso praticá-lo. A questão começa
a girar em torno do texto do livro do Levítico que acrescenta ao amor a Deus o
amor ao próximo. Quem é esse próximo?
6. Para os judeus a compreensão era
limitada, territorialmente, para Jesus a questão era mais humana que cultural,
está vinculada à própria natureza humana. Para melhor esclarecer sua visão das
coisas ele conta uma história universalmente conhecida, onde a prática da
misericórdia transcende raça, cultura e religião.
7. Há uma riqueza de detalhes que se
esconde na narrativa, mas Jesus apresenta esse homem sem nenhuma identificação
para caracterizar a universalidade de sua narrativa. Mas identifica aqueles que
por ali passam: dois judeus piedosos e um samaritano. Jesus cutuca assim uma
prática religiosa que não transcende o mero formalismo; para dizer o mínimo. Ao
mesmo tempo mostra que o estrangeiro, o que tomamos por inimigo, o desconhecido
pode nos surpreender.
8. O homem move-se tão somente por
compaixão; perceber a necessidade do outro o fez identificar quem era o seu
próximo. Que outra resposta poderia dar o mestre da lei? Se o seu coração for
honesto, puro e simples, ele identificará as situações que seriam a real
preocupação divina: a vida do ser humano, constantemente ameaçada.
9. Não existe um manual para entender
certas coisas. Podemos ter imagens diferentes de Deus em nossa mente, mas
aquela que se traduz universalmente é o da solidariedade, da compaixão e da
misericórdia pelo outro. Independente da religião, nela se traduz o verdadeiro
Deus que Jesus veio nos ensinar.
Pe. João Bosco Vieira Leite