8º Domingo do Tempo Comum – Ano C

(Eclo 27,5-8; Sl 91[92]; 1Cor 15,54-58; Lc 6,39-45) *

1. O Evangelho de hoje nos dá instruções sobre o reto uso de duas das mais nobres faculdades: o olhar e o falar. Da 1ª nos diz: “Por que vês tu o cisco no olho do teu irmão?”; e da 2ª se diz: “A boca fala do que o coração está cheio”.

2. O Olho é verdadeiramente a lâmpada, ou a luz, o ‘espelho’ da alma. As emoções mais intensas, as paixões mais violentas, as alegrias e as perturbações mais profundas, aquilo que não pode ser traduzido em palavras vem comunicado com os olhos.

3. Muitas coisas mudaram ao longo dos séculos, mas não mudou o alfabeto dos olhos: sorriso, lágrima, medo, espanto, confiança. Mas quantos são verdadeiramente os olhos que funcionam... como olhos? Somente as pessoas psicologicamente maduras sabem usar bem os seus olhos.

4. Jesus é nisso também um modelo insuperável. Sobre todas as coisas lança um olhar amorável e atento. Nos Evangelhos, através dos seus olhos podemos ver, como num filme, o mundo que o circunda. Seu olhar faz viver ou reviver ou chorar. Seus olhos também conheceram as lágrimas.

5. E assim, dentro desse breve quadro podemos entender melhor o que diz o nosso evangelho acerca de algumas disfunções do nosso olhar. A ciência olha o fundo do olho para identificar doenças. Jesus olha os olhos do coração para identificar umas tantas coisas.

6. Ele nos pede o cuidado de não nos deixar guiar por ‘guias cegos’, ou seja, dos que não se deixam guiar pela luz palavra de Deus, mas só pela prudência, ou pior, pela astúcia humana. Lucas se dirige aqui aos que estão à frente da comunidade e aos falsos profetas da comunidade de seu tempo.

7. Mas Jesus faz também uma advertência a todos. Espiritualmente falando, o defeito da vista mais frequente não é a miopia, mas a presbiopia. Miopia é ver bem de perto e mau ao que está distante; a presbiopia, ao contrário, vê bem o que está distante, mas mau o que está perto.

8. Aquele que vê o cisco no olho do irmão, não vê a trave que está no seu. É um que vê distante, mas não vê próximo. Jesus denuncia aqui uma tendência inata ao ser humano que os moralistas antigos ilustravam com a fábula dos dois alforjes de La Fontaine: “Assim são os homens em seu caminhar, é como se eles tivessem colocados dois alforjes: no peito, o alforje com os males alheios; e nas costas, o alforje com os próprios males, de tal modo que eles são cegos com relação aos próprios defeitos, mas enxergam com nitidez os defeitos dos outros”.

9. Temos olhos de lince, nota o autor, nos damos conta dos defeitos do próximo e somos cegos com relação aos nossos. Deveríamos inverter os alforjes. Mas nos lábios de Cristo esse ensinamento assume uma motivação mais profunda.

10. Se tivéssemos em nós um pouco mais de amor e de compaixão, não nos ocuparíamos tanto de olhar o pecado do outro e de condená-lo. Um pouco do que dissemos no domingo anterior quanto ao julgar as ações do outro. Quem tem um pé doente, chagado, certamente não o despreza, nem pede para amputá-lo, mas fará de tudo para salvá-lo, mesmo que esteja próximo da gangrena.

11. “Somos um só corpo e membros uns dos outros” nos lembra Paulo. E isso não exclui a correção a ser feita, só se diz que, antes devemos retirar a trave do nosso olhar. A trave do desprezo, da superioridade. Que não nos mova a ira ou o ressentimento, mas o desejo do bem ao irmão e à própria comunidade ou sociedade.

12. Por fim, lembremos que de cada ação nossa se pode dizer que o fruto é bom ou ruim. Mas no terreno das palavras, daquilo que sai da nossa boca, Jesus ensina a julgar o homem pelas palavras que diz, mas também o julgar as palavras daquele que as diz; ensina a julgar a árvore pelos frutos, mas também os frutos pela árvore.

13. Quando fala de frutos, Jesus não entende só as palavras, mas mais globalmente, todo o modo de comportar-se e de viver. As palavras podem enganar quem não conhece a pessoa, mas não quem convive com ela.

14. Mas Jesus adverte sobre aquilo que está em nosso coração, quando alguém observa o nosso falar, por onde caminha o nosso discurso, aquilo que está em nosso coração naquele momento, que nos perturba ou nos alegra.

15. Tudo isso não são meras observações psicológicas, mas devem servir de critério para julgar a nós mesmos. Aquilo que percebemos quando falamos de alguém, nossa crítica ou sutil ambiguidade, que nos leva a questionar se há amor em nosso coração por aquela pessoa ou tão somente desprezo, ressentimento, inveja.

16. Paulo nos adverte das palavras ‘más’, que saem de nossa boca e nos convida a termos palavras ‘boas’, como essas que Deus dirige a nós. Que edifiquem, que encorajem. Como reza a aclamação ao nosso Evangelho de hoje sobre o nosso testemunho cristão. 

* Com base em texto de Raniero Cantalamessa. 

Pe. João Bosco Vieira Leite