(Gn15,5-12.17-18; Sl 26[27]; Fl 3,17—4,1; Lc 9,28-36)
1.
A Quaresma é um tempo no qual somos convidados a nos dedicar mais intensamente
à mística e à espiritualidade cristã. Para isso, a Igreja estabelece pilares
onde fortalecer mística e a espiritualidade no decorrer deste tempo quaresmal.
2.
Trata-se do jejum, da esmola, da oração e da meditação da Palavra. O jejum tem
a finalidade de controlar nosso corpo e discipliná-lo, principalmente para que
o estômago — como diz Paulo, na 2ª leitura — não se transforme em “deus”.
3.
A esmola incentiva a dimensão fraterna; não se entende esmola como dar do que
resta, mas partilhar a vida com quem perdeu o sentido de viver; é um modo de
participar e partilhar o pão, as vestes, a presença — todas as virtudes cristãs
— com quem apenas existe, mas não vive.
4.
Por fim, a oração e a meditação da Palavra. Este é o tema que gostaria de
meditar com vocês neste Domingo, a partir do mistério da Transfiguração de
Jesus. É um tema cada vez mais importante para nossos dias, quando a correria
nos faz perder oportunidades ricas de silenciar para rever a vida e rezar.
5.
O início do Evangelho que ouvimos coloca a intenção de Jesus ao convidar os
discípulos para ir com ele ao Tabor: convidou os discípulos para rezar; diz
ainda que a transfiguração de Jesus aconteceu enquanto rezava.
6.
Especialistas em espiritualidade dizem que a oração é um processo de
transfiguração; assim como aconteceu com Jesus, pode acontecer com qualquer um
de nós. Dito em outros termos: a oração tem uma força transfiguradora.
7.
Quanto mais rezamos, mais nossa vida busca o rosto de Deus e, como cantava o
salmista, mais o brilho da face divina brilhará em nós. Jesus convida seus
discípulos para rezar no Monte Tabor porque a montanha é um espaço envolvido
pelo silêncio, um convite para silenciar...
8.
Entende-se este silenciar numa compreensão bem mais ampla que simplesmente
deixar de falar. Para nos envolver em Deus, é preciso silenciar pensamentos,
fantasias, preocupações, projetos... silenciar o próprio corpo... entrar num
espaço de silêncio, porque é neste espaço que nós nos encontramos com Deus.
9.
No Tabor, a voz do Pai mandou ouvir Jesus, porque Jesus é a Palavra do Pai.
Também para a meditação da Palavra de Deus é preciso silenciar. No Domingo
passado celebrávamos a Palavra como alimento, hoje, esta Palavra se apresenta
como voz de Deus falando dentro de nós. Para ouvir a voz de Deus é preciso
silenciar.
10.
Algumas pessoas têm mais facilidade que outras para silenciar. Isto não
significa que os quietos, aqueles que falam pouco, silenciam com mais
facilidade. Alguns quietos não falam com a boca, mas tem a mente e o coração
barulhentos. Tanto para faladores como para quietos não é simples silenciar.
11.
Muitos, por exemplo, acordam ouvindo rádio, outros deixam o rádio, TV ou outros
aparelhos ligados o dia inteiro. Muitos vivem envolvidos no barulho. Quantos
jovens (e menos jovens) colocam sons em seus carros e desfilam seus barulhos
interiores amplificados em altas potências para chamar atenção sobre si mesmos.
12.
Tudo isso mostra uma cultura avessa ao silêncio. Por isso, a Quaresma é tempo
de converter costumes, mudar atitudes e, uma delas, poderá ser a busca do
silêncio para nossas vidas. É nesse processo silenciador que se encontra a
porta para entrar na oração e na meditação da Palavra.
13.
As leituras apontam três tipos de dificuldades que podem aparecer em nossos
momentos de oração e meditação da Palavra. Uma dificuldade muito comum são as
distrações. Como lemos na 1ª leitura, as distrações são como aves de rapina que
nos tiram do silêncio e, por isso precisam ser enxotadas nos momentos de
oração.
14.
Outra dificuldade é o sono. Ouvimos no Evangelho que os discípulos foram
convidados a subir o Tabor para rezar, mas dormiram. Também no Getsêmani,
quando os discípulos subiram para rezar em vigília com Jesus, dormiram e Jesus
os repreendeu.
15.
Para que o sono não nos impeça de silenciar, rezar e meditar, é bom escolher um
horário nos qual estejamos bem despertos. Uma terceira dificuldade são as
preocupações terrenas, como alerta Paulo, na 2ª leitura. Quantos vivem
preocupados com tantas coisas que cada vez que silenciam, as preocupações os
invadem, tomam conta de seus pensamentos, fazem o maior barulho dentro deles e
os impedem de rezar e meditar a Palavra.
16.
É bom colocar nossas preocupações diante de Deus, melhor é silenciar; entrar na
paz e se deixar iluminar para que as preocupações não sejam peso, mas desafios
a superar.
17.
Vou concluir respondendo uma pergunta: por que o silêncio é tão importante para
nós? Do ponto de vista psicológico, os entendidos dizem que o silêncio é
necessário para o equilíbrio interior. Do ponto de vista da espiritualidade, o
silêncio é o espaço onde nos encontramos com Deus e conosco mesmos.
18.
Deus habita no silêncio e quando silenciamos, entramos no espaço divino. A
Quaresma é este tempo favorável de oração e de meditação da Palavra que nos
incentiva aceitar o convite de Jesus para que nos transfiguremos através da
oração e da meditação.
19.
Não é fácil; é preciso o esforço de quem sobe uma montanha, e isso torna-se
possível pelo exercício diário. Quanto mais silenciamos diariamente, mais
aprendemos a silenciar e melhor rezamos.
20.
Agora, na Quaresma, temos o convite da Igreja para que nos dediquemos mais
intensamente à oração e à escuta da Palavra deixando-nos envolver pelo
silêncio. Está aí uma oportunidade para mudar nosso jeito de ser através do
silenciar, da oração e da meditação da Palavra de Deus. Amém!
Pe.
João Bosco Vieira Leite