(Ex 24,3-8; Sl 115[116]; Hb 9,11-15; Mc 14,12-16.22-26)
1.
Um sacerdote foi abordado por uma senhora, uma cientista com carreira política,
não crente, sobre a Eucaristia. Pelo interesse demonstrado, ele lhe emprestou
um livro que havia escrito sobre esse sacramento. Uma semana depois, ela vem
devolver o livro e lhe disse:
2.
“Você colocou em minhas mãos não um livro, mas uma bomba... Já se deu conta de
tudo quanto escreveu? Você diz que bastaria abrir os olhos para descobrir todo
um outro mundo ao nosso redor; que o sangue de um homem morto há dois mil anos
nos salvou a todos. Lendo, tive uma experiência inaudita: me tremiam as pernas
e que mesmo assim eu deveria levantar-me. Se o que você escreveu é verdade,
muda tudo...”
3.
Mais do que as palavras daquela mulher, o seu olhar e o tom de voz comunicavam
um sentido de estupor quase sobrenatural. Escutando-a, junto com a alegria de
ver que a semente não caiu na estrada, ele provava uma grande sensação de
humilhação e vergonha.
4.
Ele havia recebido a comunhão pouco antes e não lhe tremia as pernas. Ele
entendeu o quanto nós cristãos estamos expostos ao risco de ver de maneira
superficial, as grandes verdades que cremos. Que experiência não deveria ter
aqueles que tomam seriamente a Eucaristia?
5.
Francisco de Assis foi um desses que nunca permitiu que a Eucaristia se
tornasse um hábito e sempre falava de maneira comovida sobre a Eucaristia aos
seus confrades ao mesmo tempo que recomendava a devida atenção aos sacerdotes
pela grandeza d’Aquele que se colocava em suas mãos.
6.
Talvez essa seja a coisa mais necessária de fazer nesta festa do Corpo do
Senhor: não ilustrar este ou aquele aspecto da Eucaristia, mas despertar cada
ano o espanto, a admiração, o maravilhar-se diante desse mistério.
7.
Essa festa de hoje tem sua origem no início do século XIII nos mosteiros
beneditinos. O papa Urbano IV a estende para toda a Igreja. Que necessidade
teríamos de uma festa se a realidade da instituição da Eucaristia já era
recordada na Quinta-feira Santa?
8. A
festa de hoje é a primeira que não tem por objeto um evento da vida de Jesus,
mas uma verdade de fé: a real presença de Cristo na Eucaristia. Ela responde a
uma necessidade de proclamar solenemente essa fé; serve para espantar um
perigo: habituar-nos com Sua presença e não fazer-lhe a devida reverência e
atenção.
9.
Isso nos ajuda a entender a extraordinária solenidade e visibilidade que essa
festa ganhou na Igreja católica. Durante muito tempo essa era a única procissão
conhecida e a mais solene. O que temos hoje é uma sombra em comparação com os
relatos que se tem da mesma na história da Igreja.
10.
Os tempos mudam e perdemos toda uma coreografia externa, mas permanece o
sentido profundo que inspirou essa festa: manter desperto esse espanto, essa
admiração diante do maior e mais belo mistério da fé. Toda a nossa liturgia de
hoje, seus textos, cantos, orações estão perpassados por esse sentido de
maravilhar-se.
11.
Se a festa do Corpo do Senhor não existisse, seria necessário inventá-la. E se
há um perigo que nós crentes hoje corremos em relação a Eucaristia é de
banalizá-la. Houve um tempo em que a recebíamos em longos intervalos e se devia
jejuar e confessar.
12.
Hoje, praticamente, todos se aproximam dela... Entendamos: é um progresso, é
normal que a participação na Missa comporte também a comunhão, ela existe
para isso. Mas tudo isso comporta um risco, e como diz São Paulo, de não
estarmos verdadeiramente preparados. Há a tentação de ‘domestiquemos’ a Deus.
13.
Mas não deve ser tanto a grandeza e a majestade de Deus a causa do nosso
espanto diante do mistério Eucarístico, mas sim a Sua condescendência e o Seu
amor. A Eucaristia é sobretudo isto, um memorial de um amor maior: dar a vida
pelos próprios amigos.
Pe. João Bosco Vieira Leite