(At 10,25-26.34-35.44-48; Sl 97[98]; 1Jo 4,7-10; Jo 15,9-17)*
1. Em nosso Evangelho, por duas
vezes Jesus nos fala do seu mandamento: “amai-vos uns aos outros”. E nos
perguntamos: pode o amor ser um mandamento, uma ordem, sem destruí-lo? Qual a
relação entre amor e dever, se um representa a espontaneidade e o outro a
obrigação?
2. Para responder a essa
objeção, é preciso que compreendamos os dois tipos de mandamentos ou obrigação.
Um vem de fora, de uma vontade diferente da minha e o outro vem de dentro e
nasce da coisa mesma.
3. Por exemplo, uma pedra
lançada ao ar ou uma fruta que cai da árvore é ‘obrigada’ a cair devido a força
de gravidade, não é uma imposição. Não tem como ser diferente. Por outro lado,
o ser humano pode ser induzido a fazer, ou a não fazer, certa coisa: por
constrição ou por atração.
4. A lei e os mandamentos
ordinários o induzem no 1º modo: por constrição, com a ameaça de castigo; o
amor o induz no 2º modo: por atração, um impulso interno. De fato, a pessoa é
atraída por aquilo que ama, sem nenhuma pressão externa. Como uma criança pelo
brinquedo; ele é atraído pelo desejo.
5. Mostre o Bem a uma alma
sedenta de verdade que essa se lançará em sua direção. Ninguém a obriga a
isso, ela é atraída pelo seu desejo. Mas se é assim, essa atração espontânea ao
bem e a verdade que é Deus, porque fazer do amor um mandamento, um dever?
6. Uma vez que estamos
circundados de outros bens nesse mundo, há sempre o perigo de errar o alvo, de
tendermos ao que não é essencial. Como uma nave que vai em direção ao sol e que
deve seguir certas regras para não cair dentro da esfera de gravidade de
qualquer planeta ou satélite intermediário, perdendo-se na própria trajetória,
ou seja no chegar ao próprio Deus.
7. Os mandamentos de Deus querem
nos ajudar em nosso caminhar, para o nosso bem, não para o de Deus. Como no
matrimônio se faz um contrato, um dever de amar, só assim o amor é garantido
contra possíveis mudanças. As novas gerações cada vez mais desconsideram o
sentido do matrimônio.
8. O amor tem necessidade de
horizontes de eternidade, para não se tornar um ‘perigoso passatempo’. Quem ama
verdadeiramente entende com angústia o perigo que corre o seu próprio amor,
perigo que não vem dos outros, mas de si mesmo: de cansar-se e de não amar
mais. O dever subtrai o amor da volubilidade para ancorá-lo na eternidade.
9. Uma imagem que diz muito é
aquela de Ulisses que retorna à sua pátria e deve atravessar um trecho de mar
habitado de sereias. Sabia que outros marinheiros, atraídos por seu canto,
haviam naufragado. Como amava Penélope, sua esposa, e deseja rever a sua
pátria, mandou que o prendesse no mastro do navio e que não o soltasse de modo
algum, mesmo que ele pedisse e a seus companheiros de viagem mandou que
tapassem os ouvidos. Ao atravessarem o local, Ulisses gritou, esperneou, mas
conseguiu escapar à sedução e chegar ao seu lar. Estar espontaneamente ligado,
preso, o salvou do naufrágio.
10. O amor é um tema poético; é
fácil entusiasmar-se por ele. Mas não basta a poesia. É preciso a graça. A
graça significa uma ajuda que vem do alto, que cura a nossa capacidade de amar,
ferida e fragilizada pelo egoísmo, e doa constância e perseverança. A fonte do
amor é o próprio Deus, nos lembra a 2ª leitura.
11. Antes do ‘mandamento’ de
amar, Deus nos dá a ‘graça’, isto é, o ‘dom’ de poder realizá-lo. Ele mesmo
tomou a iniciativa de ligar-se a nós por uma aliança eterna. A encarnação é
esse esposar-se com a humanidade. É sempre d’Ele a inciativa de amar primeiro.
12. É desse seu amor que podemos
conquistar a força de amar a Deus mesmo, ao próximo, ao cônjuge, e para obter o
perdão, cada vez que que falhamos em amar.
* Com base em texto de Raniero Cantalamessa
Pe.
João Bosco Vieira Leite