Santíssima Trindade – Ano B

(Dt 4,32-34.39-40; Sl 32[33]; Rm 8,14-17; Mt 28,16-20)*

1. Celebramos a festa da Santíssima Trindade. Ao simples pronunciar deste mistério, temos a impressão de sermos projetados a uma altura vertiginosa, longe de nossa realidade cotidiana e nos damos conta de ser algo que jamais alcançaremos compreender.

2. Para além dessa 1ª impressão, na realidade, esse mistério se faz muito próximo de nós. Nós vivemos imersos na Trindade, escondidos nela, como um peixe na água. Nela ‘vivemos, nos movemos e somos’ (At 17,28). Tomamos como ponto de partida de nossa reflexão a afirmação de Paulo na 2ª leitura:

3. “Vós não recebestes um espírito de escravos, para recairdes no medo, mas recebestes um espírito de filhos adotivos, no qual todos nós clamamos: Abá, ó Pai!”. A palavra de Deus nos oferece uma imagem familiar para descobrir esse vínculo que nos une à Trindade: adoção.

4. Essa é uma realidade que conhecemos bem no âmbito humano. Dessa não nos será difícil chegar a uma outra adoção, muito mais profunda, que diz respeito a todos. Paulo nos diz que somos todos adotados.

5. A adoção pode ser, às vezes, uma experiência de grande sofrimento. Por vezes para a criança adotada que traz consigo traumas que se podem manifestar na forma de rebeliões, de violência e de uma aparente ingratidão.

6. Assim como há uma graça de estado no matrimônio, assim deve existir uma graça de estado para os genitores adotantes, pois muitas vezes dão prova de uma compreensão e paciência sobre-humana. Se elevam numa forma de amor que nos recorda o amor de Deus: de gratuidade que “tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Cor, 13,7).

7. A nossa adoção se baseia no fato de que o Filho natural de Deus, Jesus, fazendo-se homem, nos tomou como irmãos, nos deu o seu Espírito, e nos uniu a si, como membro do seu corpo, fazendo de nós uma só família. Ao contrário da adoção humana, iniciativa dos pais, foi o irmão maior que nos adotou. Nos tornamos 1º irmãos, depois filhos, se bem que as duas coisas acontecem contemporaneamente no batismo.  

8. O filho adotivo se torna herdeiro, nos lembra a leitura. Deus nos dá não somente um nome de filhos, mas também sua vida íntima, o seu Espírito. Pelo batismo, em nós, escorre a vida mesma de Deus. E como os pais adotivos, Deus continua a amar os seus filhos mesmo que comentam coisas terríveis, não pode renegá-los.

9. Mas a adoção não é só risco e prova; é também, muitas vezes, fonte de grande e pura alegria e satisfação. Alegria que se assemelha àquela de Deus, porque se baseia no dar, e não no receber. Comumente uma criança ou adolescente adotado desenvolve um tipo de amor todo especial por quem a tirou da solidão, da pobreza e da marginalização na vida. Um amor feito de comovida gratidão e admiração que não se encontra em nenhuma outra situação humana.      

10. A Trindade que celebramos não é um mistério distante, que não nos diz respeito, havíamos dito. Ao contrário, descobrimos que essa é a nossa família. Não uma família passageira, mas aquela que somos destinados a viver e, esperamos, ser felizes eternamente.

11. Aos pais e mães que têm o instinto da adoção, saibam que estão em boa companhia: também Deus é um Pai adotivo e Maria (num sentido diferente, mas verdadeiro) uma mãe adotiva, desde o momento em que ela nos adotou como irmãos do seu Filho Jesus. Que possam ter a alegria de vossos filhos tanto quanto a ajuda da parte de Deus e da Virgem nos momentos de dificuldade.

* Reflexão com base em texto de Raniero Cantalamessa.

Pe. João Bosco Vieira Leite