(1Jo 1,5—2,2; Sl 123[124]; Mt 2,13-18)
Santos Inocentes,
mártires.
“Ouviu-se um grito em
Ramá, choro e grande lamento: é Raquel que chora seus filhos
e não quer ser
consolada, porque eles não existem mais” Mt 2,18.
“É por Jesus que
Estevão é santo, é por ele que João é santo, é por ele também que são santos os
Inocentes. Para nós é bom que estas três festas acompanhem a de Natal: não só
porque a sequência das festividades mantém vivo o nosso fervor, mas também
porque a própria ordem da sua sucessão manifesta com maior esplendor os frutos
do nascimento do Senhor. Estas três festas, com efeito, nos apresentam três
tipos de santidade, e eu creio que seria difícil encontrar um quarto tipo entre
os homens. Em S. Estevão, temos ao mesmo tempo a realidade e o desejo do
martírio; em S. João, o desejo somente; nos Inocentes, só a realidade. Todos
bebem do cálice da salvação: o primeiro, em corpo e alma; o segundo, unicamente
em espírito; os últimos, só no corpo. ‘Bebereis do meu cálice’, dissera o
Senhor a Tiago e João: ele falava sem nenhuma dúvida, do cálice da sua paixão.
‘Pedro então se volta e percebe, andando atrás deles, o discípulo que Jesus
amava’ Este ‘seguia’ Jesus, não tanto corporalmente, como pelo ardor do seu
amor. E João bebeu o cálice da salvação; como Pedro, embora de um modo
diferente, ele seguiu o Senhor. Se ele ‘ficou assim’, se não chegou à paixão
corporal, é que tal foi o desígnio de Deus: ‘Quero, disse ele, que este fique
assim até que eu venha’ (Jo 21,19-22). Em outros termos: ele também deseja me
seguir, mas eu quero que ele fique assim. Quem duvidaria do triunfo dos
Inocentes? Procurar os méritos aos olhos de Deus valeram a coroa? Procura
também os crimes que aos olhos de Herodes lhes mereceram a chacina. A ternura
de Cristo seria menor que a crueldade de Herodes? E se foi possível a Herodes
lançar à morte os Inocentes, não pode o Cristo, por quem eles morreram,
coroá-los? Assim, Estevão é um mártir aos olhos dos homens, porque
assumiu claramente a sua paixão: ele o provou sobretudo na hora de sua morte,
mostrando-se mais preocupado com os seus perseguidores do que consigo mesmo.
João também é mártir aos olhos dos anjos, criaturas espirituais que podiam
discernir os sinais espirituais do seu amor e devotamento. Quanto os Inocentes,
são teus mártires diante de ti, meu Deus. Neles, em quem nem os homens nem os
anjos descobrem méritos, manifestastes com tanto maior brilho o privilégio
único da tua graça. ‘Da boca das crianças e dos pequeninos sai um louvor
perfeito’ (Sl 8). ‘Glória a Deus no mais alto dos céus, dizem os anjos, a paz
sobre a terra aos homens de boa vontade’. Grande louvor, sem dúvida, mais ainda
imperfeito, até que Jesus venha dizer: ‘Deixai vir a mim os pequeninos, não os
afasteis, porque o Reino dos céus é daqueles que se assemelham a eles’ (Mt
19,14). E então, paz aos homens, mesmo sem o concurso de sua vontade, naquilo
que Paulo chama ‘o Mistério da Bondade’ (1Tm 3,16)” (S. Bernardo de
Clairvaux - Sermão para a Festa dos Santos Inocentes –
Editora Beneditina Ltda.).
Pe. João Bosco Vieira
Leite