(Gl 4,4-7; Sl 95[96]; Lc 1,39-47)
Nossa Senhora de Guadalupe.
“Naqueles dias, Maria
partiu para a região montanhosa, dirigindo-se apressadamente,
a uma cidade da
Judeia” Lc 1,39.
“A segunda recordação
que Maria confiou a Lucas foi a visita a Isabel, sua prima. Maria parte
sozinha, com pressa, por um caminho de montanha; é conduzida sob o impulso
daquilo que se passa nela, sente-se que está sob uma dependência. Nada indica a
data desta viagem, mas tudo leva a crer que foi na Primavera, a primavera síria,
repentina, definitiva. A liturgia apropriou-se das palavras do Cântico e Maria
foi comparada ao Bem-Amado que abala pelas montanhas, atravessa as colinas, na
época em que cessou a chuva, no tempo de podar as vinhas, quando se esparge o
perfume das vinhas em flor. A força da Nova Aliança leva-a irresistivelmente ao
encontro do representante Antigo. Ela não sabe ainda que tudo é antigo,
ultrapassado, dissolvido; adivinha-o, porque nela se inseriu o novo, e tudo o
que foi dito se cumprirá. A Primavera da humanidade repousa oculta nela e torna
todas as coisas envelhecidas para si. Vai, pois, levada por esse sopro de
novidade que a faz ligeira. Na sua solidão, tem necessidade de uma companhia, e
não pode ser a de José, diante de quem julga que deve calar-se e esperar. Por
que? Não o podemos saber, nem talvez ela o saiba também. É um desses
procedimentos desconcertantes entre os que amam, e não tem explicação a não ser
esta, que é necessário sofrer. De resto, as sensibilidades da época não são as
nossas... Maria conservara a nítida lembrança do encontro com Isabel, cuja
saudação, na Ave Maria, continua a do Anjo. Foi assim talvez que ficou na
memória de Maria. Mas Isabel penetrava mais no mistério que o Anjo: Maria é
daqui em diante a mãe do Senhor, a ‘mãe do meu Senhor’. Isabel saúda Maria numa
visão antecipada, num transporte de louvores e de palavras. Nesta cena da
Visitação as personagens são erguidas acima da Terra e como levadas para fora
de si mesmas. Um entusiasmo se espalha, como se um pouco de loucura tivesse
penetrado as almas. Parece que, por um momento, como na Transfiguração, o laço
que prende a alma ao corpo se desfaz e uma realidade nova surge por debaixo da
antiga, sem êxtase, no entanto, sem milagre. É obra do Espírito Santo dar este
arrebatamento, estas comoções, esta alegria superior à alegria. Passa depressa,
mas fica a recordação. Isabel saúda Maria: é a mãe daquele que é já o seu
Senhor. E o Senhor, presente em Maria, atua desde esse momento: o menino, que
Isabel traz em si, estreme com essa presença. Jesus intervém já para dar o
Espírito e terá Maria como instrumento: primeira figura do Pentecostes. Isabel
salientou em Maria sobretudo a fé. Maria tinha acreditado nas promessas de
Deus, não tinha posto limites ao poder divino. Como Zacarias fizera. Isabel
sublinhava a imperfeição do marido, realçando a perfeição da prima. Os papeis
invertiam-se e ela, avançada em anos, dobrava-se perante a juventude e
mostrava-se respeitosa para além do devido. Maria continuava envolvida num
estranho culto, e os Anjos no Céu, os parentes mais idosos, a quem devia
deferência, todos se inclinavam para a saudar. Mal começava a viver, e era
rodeada dessa admiração que só as obras heroicas realizadas justificam” (J. Guitton
– A Virgem Maria – Livraria Tavares Martins).
Pe. João Bosco Vieira Leite