Sábado, 16 de novembro de 2019


(Sb 18,14-16; 19,6-9; Sl 104[105]; Lc 18,1-8) 
32ª Semana do Tempo Comum.

“Numa cidade havia um juiz que não temia a Deus e não respeitava homem algum. Na mesma cidade havia uma viúva, que vinha à procura do juiz, pedindo: ‘Faze-me justiça contra meu adversário!’” Lc 18,2-3.

“No capítulo 18 Lucas continua seus ensinamentos sobre a oração. Como pendant, ele traz uma parábola em que uma mulher é a figura central. Isso corresponde à sua tendência, em todos os assuntos importantes, de dizer alguma coisa tanto do lado da mulher como do homem. Também sobre a oração Lucas só sabe falar adequadamente trazendo exemplos do mundo masculino e do mundo feminino. No capítulo 11, Lucas entendia a oração como realização do amor divino; no capítulo 18, ele fala sobre a oração na situação angustiante antes da vinda do Filho do Homem. A mulher, ameaçada como viúva por um adversário, simboliza a comunidade cristã ameaçada, que se dirige sem resultado à autoridade estatal. Pois o juiz não teme a Deus, e não tem consideração por nenhum ser humano. A viúva, porém, pode ser interpretada também como significando qualquer pessoa humana. Então ela simboliza a situação pessoal de quem é ameaçado por inimigos, de quem é lesado pelos outros sem saber se defender. A mulher que perdeu o marido é, pois, uma imagem de pessoas em situação melindrosa, indefesas, expostas às emoções causadas pelo seu ambiente. Não têm proteção, tudo o que é negativo ao seu redor as atinge. A mulher, desde sempre, é também imagem da alma, do interior do ser humano, daquilo que faz adivinhar a sua dignidade divina. Os inimigos são as exigências da vida, que nos impedem de viver, são as nossas fraquezas, que nos dão trabalho, e as feridas que a vida nos infligiu. O juiz, que não se incomoda nem com Deus nem com os homens, simboliza o superego, a instância interior que gostaria de nos rebaixar, que não se interessa pelo nosso bem-estar. Para ele só valem normas e princípios. A alma deve ficar quieta, contentando-se com o que encontrará à sua frente. Embora aparentemente fraca, a mulher luta para si mesma. Sempre de novo ela procura o juiz e o intima: ‘Faze-me justiça contra meus adversários!’ (Lc 18,3). O juiz fica monologando – novamente o recurso estilístico das comédias gregas -: “Não temo a Deus, e aos homens não respeito; mas vou fazer justiça a esta viúva, pois ela não me deixa em paz. Senão, ela ainda acaba me batendo na cara’ (Lc 18,5). A palavra grega significa literalmente ‘Bater no olho, contundindo-o’ (Heininger, p. 202). O ouvinte talvez sorria porque este poderoso juiz tem medo da viúva fraca, de ela machucar o olho. Mas é exatamente com esse monólogo do juiz que Lucas convence o leitor a confiar no aparentemente tão fraco recurso da oração, que tem mais poder do que todos os aparentemente poderosos. Na oração o ser humano alcança o seu direito. Ele tem direito de viver, direito de ser ajudado, direito de viver dignamente. Na oração podemos experienciar que ninguém tem poder sobre nós. Interpretando a viúva como imagem da alma, isso significa: na oração experimentamos que a alma tem mais direitos do que as vozes do superego, que gostariam de nos manter pequenos. Na oração a alma floresce, cria asas. E entramos em contato com o nosso verdadeiro ‘eu’, com a imagem original de Deus em nós. O mundo não pode perturbar e muito menos destruir a imagem de Deus em nossa alma” (Anselm Grun – Jesus, modelo do ser humano – Loyola).

Pe.  João Bosco Vieira Leite