(Os 6,1-6; Sl 50[51]; Lc 18,9-14)
3ª Semana da Quaresma.
“O fariseu, de pé,
rezava assim em seu íntimo: ‘Ó Deus, eu te agradeço porque não sou como os
outros homens, ladrões, desonestos, adúlteros, nem como este cobrador de
impostos’” Lc 18,11.
“Deus nada nos deve.
Na ordem da salvação nada se pode reclamar dele. É o que ressaltava Lucas
17,7-10, a parábola do servidor servente. A parábola de Lucas 18,9-14 vem
denunciar uma outra atitude que ameaça os crentes. Não é uma atitude de reclamação,
mas de suficiência. Não a de querer apresentar contas a Deus, mas de querer
passar sem ele na ordem da salvação. Enquanto a parábola de Lucas 17 falava de
recompensa da justiça, a de Lucas 18 fala da aquisição da justiça. O fariseu
que ela põe em cena não se comporta como se Deus lhe devesse alguma coisa, mas,
ao contrário, como se ele nada devesse a Deus. O servidor de Lucas 17,
sublinhava a parábola, não poderia estimar que seus serviços e boas obras lhe
conferiam direitos a uma recompensa. O fariseu de Lucas 18 se detém em uma etapa
anterior, considerando-se simplesmente satisfeito com suas boas obras: ele faz
não só ‘o que está prescrito’, para retomar a fórmula de 17,9, porém ainda
mais. E se comporta como se devesse sua justiça a si mesmo. Sem dúvida, começa
a dar graças a Deus, mas isso só faz servir de introdução à nomenclatura de
suas performances espirituais. No fundo, esse homem se basta a si mesmo, pode
tornar-se justo sem Deus. De certo modo, ele se substituiu a Deus; nesse
sentido, pôs sua confiança em si mesmo (segundo a tradução de Lucas 18,9 que
adotamos), em vez de pô-la em Deus. O publicano, ao contrário, nada tem a fazer
valer diante de Deus: só pode assim entregar-se a ele: ‘Tem piedade de mim,
pecador’. Não contente de tomar o lugar de Deus e só confiando em si mesmo na
aquisição da justiça, o fariseu o faz ainda julgando os outros: ‘eu não sou
como os outros, rapaces, injustos, devassos’. A narrativa vem justamente
sublinhar no final a distância entre o julgamento do fariseu e o de Deus. A
vida espiritual, para exprimir as coisas em termos que são mais nosso do que do
próprio Lucas, não poderia ser vivida como uma relação de ‘toma lá, dá cá’, que
faz esperar de Deus a salvação como um direito. Mas tampouco poderia ser vivida
como se dependesse pura e simplesmente do empreendimento privado, como uma
tarefa de performance pessoal em que o crente poderia levar a barca sozinho.
‘Tudo é graça’, não só no termo da aventura espiritual, mas também em seus
desempenhos” (Michel Gourgues – As Parábolas de Lucas –
Loyola).
Pe. João Bosco Vieira Leite