(Zc 2,14-17; Sl Lc 1; Mt 12,46-50)
Apresentação de Nossa
Senhora.
“A minha alma
engrandece ao Senhor, e se alegrou o meu espírito em Deus, meu Salvador” Lc 1, 46b-47.
“E a Nossa Senhora,
você reza a Nossa Senhora? Mas será que você reza o necessário, será que você
implora a proteção de Nossa Senhora? Ela é nossa mãe, não se pode duvidar. É a
mãe do gênero humano, a nova Eva. Mas é também sua filha. O antigo mundo, o doloroso
mundo, o mundo de antes da graça embalou-a, longamente, em seu desolado coração
– durante séculos e séculos – na obscura expectativa, na incompreensível
esperança de uma Virgo Genetrix... Durante séculos e séculos, o mundo protegeu
com suas velhas mãos carregadas de crimes, suas pesadas mãos, a jovenzinha
maravilhosa, da qual nem ao menos o nome sabia. Uma jovem, esta rainha dos
Anjos! E ainda o é, a rainha dos Anjos, não se esqueça! Mas, agora menino, veja
bem uma coisa: a Santa Virgem não teve nem triunfo, nem milagres. Seu filho não
permitiu que a glória humana a roçasse, mesmo com a mais fina extremidade de
sua enorme asa selvagem. Ninguém viveu, sofreu ou morreu, assim tão
simplesmente e numa ignorância tão profunda de sua própria dignidade, de uma
dignidade que a coloca, entretanto, acima dos Anjos. Pois, afinal de contas,
nasceu sem pecado: espantosa solidão! Uma fonte tão pura, tão límpida, e tão
pura que não podia sequer refletir sua própria imagem, imagem feita apenas para
a alegria do Pai: ó sagrada solidão! Os antigos demônios familiares aos homens,
amos e servidores ao mesmo tempo, os terríveis patriarcas que giraram os
primeiros passos de Adão até o limiar do mundo maldito, a Astúcia e o Orgulho,
olham de longe essa milagrosa criatura, colocada fora do seu alcance,
invulnerável e desarmada. Certamente, nossa pobre espécie não vale grande
coisa, mas a infância comove sempre suas entranhas, a ignorância dos pequenos a
obriga a baixar os olhos – olhos que conhecem o bem e o mal, olhos que viram
tantas coisas! Mas, apesar de tudo, no caso, apenas ignorância... A Virgem , a
Virgem era a Inocência. Imagine agora o que somos para ela, nós, a raça humana!
Oh! Naturalmente, Nossa Senhora detesta o pecado; mas, ao final das contas, não
em nenhuma experiência dele, essa experiência que não faltou aos nossos maiores
santos, ao próprio santo de Assis, por mais seráfico que tenha sido. O olhar da
Virgem é o único olhar verdadeiramente infantil, o único verdadeiro olhar de
criança que jamais se fixou em nossa vergonha, em nossa desgraça. Sim, meu
filho, para implorá-la bem, é preciso sentir sobre si este olhar que não é
exatamente o da indulgência – pois a indulgência vem sempre acompanhada de
certa experiência amarga – mas o olhar da terna compaixão, da dolorosa
surpresa, de não sei que outro sentimento inconcebível, inexprimível, que a faz
mais jovem que o pecado, mais jovem que a raça da qual ela mesmo procede; e
ainda que seja Mãe pela graça, mãe das graças, é também a caçula do gênero
humano” (Georges Bernanos – Diário de um pároco de aldeia –
Ed. Atlântica).
Pe. João Bosco Vieira Leite