(Jr 31,7-9; Sl 125[126]; Hb 5,1-6; Mc 10,46-52)*
1.
O milagre da cura do cego Bartimeu ocupa uma posição significativa na estrutura
do Evangelho Marcos. Estamos no fim dessa última peregrinação de Jesus para
Jerusalém, onde o aguardam a Paixão, Morte e Ressurreição.
2.
Para subir a Jerusalém a partir do vale do Jordão, Jesus passa por Jericó, e o
encontro com Bartimeu tem lugar à saída da cidade. Com Jesus caminha seus
discípulos e uma grande multidão, a mesma que, dali a pouco, aclamará Jesus
como Messias na sua entrada em Jerusalém.
3.
Precisamente na estrada estava sentado a mendigar Bartimeu, cujo nome significa
‘filho de Timeu’, como diz o próprio evangelista. Santo Agostinho, refletindo
sobre o fato de Marcos referir, neste caso, não só o nome da pessoa que é
curada, mas também de seu pai, chega à conclusão de este não só era conhecido
pelo milagre, mas também por sua desventura.
4.
Esta interpretação dada por Agostinho é sugestiva, convidando-nos a refletir
sobre o fato que há riquezas preciosas na nossa vida que podemos perder e que
não são materiais. Quantos não perdem a orientação segura e firme da vida e
tornam-se, muitas vezes inconscientemente, mendigos do sentido da existência?
5.
São as inúmeras pessoas que precisam de um novo encontro com Jesus, o Filho de
Deus, que pode voltar a abrir os seus olhos e ensinar-lhes a estrada.
6.
Lembremos que todo o evangelho de Marcos é um itinerário de fé, que se
desenvolve gradualmente na escola de Jesus. Os discípulos são os primeiros
atores deste percurso de descoberta, mas há ainda outros personagens que
desempenham papel importante, e Bartimeu é um deles.
7.
A sua cura prodigiosa é a última que Jesus realiza antes da sua Paixão, e não é
por acaso que se trata da cura de um cego, isto é, duma pessoa cujos olhos
perderam a luz. A partir de outros textos, sabemos também que a condição de
cegueira tem um significado denso nos Evangelhos.
8.
Representa o homem que tem necessidade da luz de Deus – a luz da fé – para
conhecer verdadeiramente a realidade e caminhar pela estrada da vida. Condição
essencial é reconhecer-se cego, necessitado desta luz, caso contrário
permanece-se cego para sempre (cf. Jo 9,39-41).
9.
Situado neste ponto estratégico da narração de Marcos, Bartimeu é apresentado
como modelo. Ele não é cego de nascença, mas perdeu a vista: é o homem que
perdeu a luz e está ciente disso, mas não perdeu a esperança, sabe agarrar a
possibilidade deste encontro com Jesus e confia-se a Ele para ser curado.
10.
Assim, ouvindo dizer que o Mestre passa pela estrada, ele grita
insistentemente. E quando Jesus o chama e lhe pergunta o que quer d’Ele,
responde: ‘Mestre, que eu veja!’. Bartimeu representa o ser humano que
reconhece o seu mal, e grita ao Senhor com a confiança de ser curado.
11.
A sua imploração, simples e sincera, é exemplar, tendo entrado na tradição da
oração cristã da mesma forma que a súplica do publicano no Templo: ‘Ó Deus, tem
piedade de mim que sou pecador’ (Lc 18,13).
12.
No encontro com Cristo, vivido com fé, Bartimeu readquire a luz que havia
perdido e, com ela, a plenitude da sua própria dignidade: põe-se de pé e retoma
o caminho, que desde então tem um guia, Jesus, e uma estrada, a mesma que Jesus
percorre.
13.
O evangelista não nos diz mais nada de Bartimeu, mas nele mostra-nos quem é o
discípulo: aquele que com a luz da fé, segue Jesus ‘pelo caminho’. A partir
desse personagem nos fica um convite e um lembrete sobre o nosso discipulado.
* Com base em texto de Bento
XVI
Pe.
João Bosco Vieira Leite