(Is 53,10-11; Sl 32[33]; Hb 4,14-16; Mc 10,35-45)
1.
A cada domingo buscamos recolher da Palavra de Deus algo concreto para a vida
cotidiana e seus problemas, sobre o que fazer e como se comportar neste ou
noutro caso da vida. É o que chamamos de leitura moral da Escritura, é quando a
Palavra ‘revela a verdade do seu humano’.
2.
Mas esse não é o aspecto mais importante da Palavra de Deus. O mais importante
é ‘a verdade sobre Deus e sobre Jesus Cristo’ que ela quer nos transmitir. Foi
justamente essa verdade sobre Cristo que determinou a busca de Paulo, para ter
em si ‘os mesmos sentimentos de Cristo’ (cf. Fl 2,5). E assim suas escolhas
estariam em harmonia com o Evangelho, na certeza de que Cristo age por nós e
conosco.
3.
É nesse segundo olhar que se apresenta a liturgia da Palavra nesse domingo. O
que exige sempre uma atenção e esforço maior da nossa parte; veremos que sempre
vale a pena e que isso se reflete de modo imediato também em nossa vida de
todos os dias.
4.
Em nosso evangelho temos duas partes. Num 1º momento temos esse episódio sobre
a busca dos primeiros lugares que persiste entre os apóstolos. Mas o sentido
desse episódio está na 2ª parte onde Jesus anuncia pela 3ª vez sua paixão e
algo sobre: ‘O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar
a sua vida como resgate para muitos’.
5.
Essa consciência que Jesus tinha de si e da sua vida tem um 1º reflexo na 1ª
leitura nesse misterioso personagem que acolhe o apelo divino, dedicando sua
vida, suportando sofrimentos até o sacrifício. Nele o sofrimento adquire
sentido, para que não entre em desespero como Jó. Um sofrimento que ele sabe
transforma-se em luz, libertação, resgate e salvação ‘para muitos’.
6.
Para os judeus do tempo de Jesus, e também seus discípulos, que viviam
particular sofrimento sob vários aspectos, algo ou alguém, viria em seu
socorro. Mas não passava em seu pensamento a ideia de que esse alguém fosse o
Messias, que esperavam de forma gloriosa e cheio de beleza. Não aquilo ou
aquele pregado numa cruz.
7.
Notamos que Jesus acaba adotando para si o título que davam ao Messias: ‘Filho
do Homem’, com o objetivo de esvaziá-lo e preenche-lo com novo sentido. Não
mais um general divino que abre caminho vencendo o inimigo político e
instaurando um Reino de Deus político, não um dominador, mas um servo, não um
vencedor, mas um vencido.
8.
É nessa estrutura de profecia e realização, 1ª leitura e Evangelho, que se
revela a verdadeira identidade de Jesus de Nazaré e onde temos o anúncio
fundamental cristão: Jesus de Nazaré é o Messias sofredor que, em seu mistério
pascal de obediência, nos redimiu.
9.
Esse é o anúncio do Evangelho de hoje. Como reagimos diante de tudo isso?
Podemos reagir com ‘indiferença’: ouve-se sem compromisso; esquece-se logo e se
volta a rotina e à trivialidade de todos os dias.
10.
Podemos também ‘rebelar-nos’, escandalizar-nos com tudo isso. O mundo já tem
tanto sofrimento. Talvez o Deus de Jesus seja impotente diante do mal. Esse
tipo de escândalo só se vence com a atitude da ‘fé’. A mesma fé que levou Paulo
a fazer toda uma releitura de seu conhecimento judaico a ver nesse ‘escândalo
da cruz’ a força de Deus e a sabedoria de Deus.
11.
Um dia, quando esse mundo acabar, compreenderemos que não havia outro meio mais
poderoso e mais sábio do que este para vencer o mal no mundo: isto é, que Deus
mesmo o carregasse sobre si. E este servo sofredor é Aquele que ressuscitou, no
lembra a 2ª leitura: “temos um sumo sacerdote eminente que entrou nos céus,
Jesus, o Filho de Deus...” (cf. Hb 4,14-16).
Pe.
João Bosco Vieira Leite