(Nm 11,25-29; Sl 18[19]; Tg 5,1-6; Mc 9,38-43.45.47-48)
1.
O evangelho deste domingo nos oferece duas possibilidades de reflexão: uma a
respeito da atitude a ser assumida com aqueles que não são ‘dos nossos’; outra sobre
o escândalo. A escolha da Liturgia parece inclinar-se para o 1º tema, porque
com ele concorda a 1ª leitura.
2.
Lá nós temos esse episódio em que algumas pessoas começaram a profetizar em
meio ao acampamento israelita. O detalhe é que Moisés, o profeta escolhido por
Deus para falar ao seu povo, não vê nisso um problema e até deseja que todo o
povo de Deus profetizasse.
3.
Assim acontece algo parecido na vida de Jesus, quando lhe comunicam que alguém
está expulsando demônios em seu nome, mesmo não fazendo parte do seu grupo de
discípulos. Jesus também não vê problema nisso, pois quem assim age, simpatiza
com a ação cristã.
4.
Os dois fatos nos lembram que o Espírito de Deus sopra onde quer. Que não
devemos encarar as coisas da fé como uma espécie de estrelismo e de torcida.
Que olhemos com respeito e tolerância, não com ciúme, aqueles que embora não
sendo dos nossos, trabalham para uma autêntica promoção humana.
5.
Uma coisa é estar contra os cristãos, que humanamente erram, traem e são
incoerentes, mas não contra Cristo. Não vem do Espírito um discurso que vai
contra o próprio Jesus ou mesmo quem traz projetos para a humanidade que não
comungam com seu pensar. Para tudo, e sempre, é preciso fazer constantemente um
discernimento dos espíritos, para examinar tudo e reter somente aquilo que é
bom, nos lembra Paulo.
6.
Voltemo-nos ainda um pouco sobre o tema do escândalo, uma palavra que gera
certo incômodo. Biblicamente tem dois significados: ‘tropeço’ e ‘obstáculo’.
Assim pode ser algo que desvia do caminho, que leva ao pecado ou algo que
impede e fecha o acesso. Na linguagem de Jesus seria o que impede a vinda da fé
e a entrada no Reino.
7.
Jesus pensa nos pequenos, pois um escândalo mostra sua força devastadora,
levando-os a não ter mais condições de crer e rezar. Para Jesus isto é tão
grave que ele sugere uma imagem de uma crueza incomum.
8.
Basta olhar a nosso redor, à luz destas palavras de Jesus, para descobrir que
todos nós estamos nesta situação de escândalo ativo, continuado e organizado
que inspirou a ameaça de Cristo, seja no campo da aberração sexual e da
violência, seja em outros setores da nossa sociedade, como na política.
9.
Naturalmente, quem cria e alimenta esta situação não quer ouvir a palavra
escândalo; considera sinal de obscurantismo, de beatice, assim como considera
obscurantista aquela mesquinhez de consciência que se chama censura; falam de
liberdade de expressão (que não é para todos), de arte, de realismo, tentando
convencer a si mesmos de que não se trata, ao invés, da procura exasperada de
sucesso e de lucro.
10.
Há motivos de tremer vivendo numa sociedade como a nossa que assiste divertida
a tudo isso e fecha a boca, ridicularizando as vozes que lhe lembram uma
concepção mais séria e digna da existência. Há quem espere um novo dilúvio ou
mesmo uma chuva de fogo como Sodoma e Gomorra. Uma resetada em nossa sociedade.
11.
No entanto, ao longo da história, para além daqueles que se fazem ouvir em alto
e bom som, existe sempre algo que podemos fazer ao menos dentro de nossas casas
para manter limpo esse refúgio. Vigiar o que se diz, o que se lê, o que se vê,
para que os jovens que o quiserem tenham ao menos a possibilidade de fazer um
confronto entre a alegria que vem do respeito à vida e a alegria que vem da
exploração e da violência.
12.
Não esqueçamos que nós cristãos podemos ser um obstáculo a quem está caminhando
para a fé e para Cristo. Por vezes não vivemos as exigências da fé, mantendo
prisioneira a verdade de Deus. Mesmo escutando o Evangelho, na vida, somos
injustos com o próximo, insensíveis diante da necessidade e da dor, cínicos e
incoerentes, impendido que o outro tome a sério a palavra de Jesus, que se
convertam e creiam n’Ele.
13.
Se realmente essa palavra do Senhor é a verdade, como cantamos na aclamação,
que ela nos permita ver à sua luz, o mundo e a nós mesmos. Se permitirmos que
ela penetre em nossa existência, ela pode fazer florir a conversão e a coragem
para combater os escândalos e para não sermos nós mesmos causa de escândalo.
Pe.
João Bosco Vieira Leite