23º Domingo do Tempo Comum – Ano B

(Is 35,4-7; Sl 145[146]; Tg 2,1-5; Mc 7,31-37)

1. Jesus realiza mais uma cura. Desta vez a de um homem surdo. Suas curas não se davam por algum passe de mágica ou estalar de dedos. Jesus deixa escapar um ‘suspiro’, diz o texto, antes de tocar na orelha do surdo, como quem, de alguma forma sofria com a desgraça do outro, tomando-a sobre si.

2. Jesus manifesta solidariedade e compaixão. Em sua atitude já encontramos a primeira lição. Como nos comportamos diante daqueles que apresentam alguma limitação física? Se não podemos curá-lo, ao menos aliviamos seu sofrimento numa atitude de respeito e delicadeza no trato com o outro, sem humilhá-lo.  

3. Esses novos tempos de inclusão exigem da nossa parte certa atenção e aprendizado de como lidar com as limitações alheias. Não é preciso ter estudado psicologia para saber quais são as coisas que possam agradar ou desagradar uma pessoa surda, seja no nosso falar ou atenção necessária ao outro.

4. Mas não é só isso que o evangelho vem nos lembrar sobre a surdez. Marcos conserva em seu texto a palavra original na língua falada por Jesus, o aramaico: ‘Effatà’. Uma pequena relíquia conservada. Mas a Igreja primitiva já havia entendido que essa palavra não se referia tão somente a surdez física, mas também àquela espiritual. 

5. Assim, esse ‘Abre-te!’ é um grito dirigido a todo ser humano. Um convite a não fechar-se em si mesmo, a não ser insensível a necessidade do outro; positivamente, a realizar-se estabelecendo relações livres, belas e construtivas com as pessoas, dando e recebendo do outro.

6. Aplicado a nossa relação com Deus, ‘abre-te!’ é um convite a escutar a palavra de Deus, de deixar Deus entrar na própria vida. Foi com essa expressão que João Paulo II iniciou seu ministério pontifical: “Abri as portas a Cristo”.

7. São Paulo nos lembra que a fé nasce da escuta (Rm 10,17). Não há fé possível sem essa escuta profunda do coração. É certo que a fé é um dom, mas temos que nos perguntar se verdadeiramente temos dado espaço para que Deus nos fale. Se fazemos como o jovem Samuel: “Fala, Senhor, que teu servo te escuta” (1Sm 3,10).

8. Às vezes é preciso fechar os olhos do corpo para abrir melhor os da alma. Não à toa, num mundo de tantos rumores, precisamos de silêncio para reconectar com Deus e com nós mesmos, com as nossas escolhas e decisões. A 9ª Sinfonia de Beethoven é uma das mais belas obras do autor, depois de perder a audição.

9. Certamente não precisamos atravessar a surdez física para descobrir esse outro mundo. Há uma surdez seletiva, que consiste em escolher o que escutar e o que não escutar. Seja uma crítica ao fato de crermos, quando se fala mal do próximo, quando se nos propõe um ganho desonesto, certas obscenidades, blasfêmias e vulgaridades sejam das conversas ou canções.

10. Sermos surdos, às vezes, quando nos ofendem ou falam mal de nós, deixando a palavra cair no vazio, antes que rebater. Quantos males, em família, se evitam com essa atitude, deixando cair no vazio palavras dita num momento de ira, como se não fossem escutadas.

11. Nosso evangelho se conclui com essas palavras sobre Jesus: “Ele tem feito bem todas as coisas: aos surdos faz ouvir e aos mudos falar”. Podemos parodiar dizendo: “O Evangelho faz bem todas as coisas: faz ouvir àqueles que são surdos, quão bom é escutar, e faz surdo àqueles que escutam entender: quão bom é não ouvir”.

Pe. João Bosco Vieira Leite