(Sb 2,12.17-20; Sl 53[54]; Tg 3,16—4,3; Mc 9,30-37)*
1.
Na nossa liturgia da Palavra temos outro anúncio da paixão preparado pela 1ª
leitura. Jesus é o Messias, ouvimos a declaração de Pedro no domingo anterior,
mas é o Messias destinado ao sofrimento. Assim, Jesus vai corrigindo as falsas
esperanças dos seus discípulos e os prepara para o que virá.
2.
Os discípulos continuam sem entender. E pior, não perguntam. Tinham medo de que
as explicações lhes desfizesse sonhos e esperanças e os conduzissem para
uma direção bem diferente. Mas nossa atenção vai para a 2ª parte do nosso
evangelho; Jesus alarga ainda mais a compreensão sobre seu pensar.
3.
Como Marcos resume e concentra ao máximo os acontecimentos e as Palavras de
Jesus, precisamos da luz e dos detalhes que nos trazem Mateus e Lucas sobre a
mesma narrativa.
4.
Mesmo anunciando sua paixão, Jesus percebe que nessa discussão que os
discípulos travam pelo caminho persiste uma falsa compreensão do Reino de Deus
anunciado por Jesus. Eles pensam em cargos, postos, em poder, Jesus pensa em
serviço. Certamente dimensionavam as pequenas tarefas que tinham no grupo.
5.
Jesus corrige de cara a falsa compreensão dos discípulos lembrando-lhes que ‘o
maior seja o servidor de todos’. Na casa onde se hospedavam havia uma criança e
Jesus a coloca como exemplo do que deve ser acolhido e protegido. Mateus vai
acrescentar: exemplo do que temos de nos tornar para entrar no Reino.
6.
Poucas cenas evangélicas são mais simples do que esta e mais carregada de
tensão e de luz; os pensamentos humanos se chocam com os pensamentos de Deus.
Algo parecido com a repreensão a Pedro no domingo anterior. Ainda vai levar um
tempo até o pensamento deles se conformarem ao de Jesus.
7.
Certamente um fato assim não está perdido no passado. Não estamos também entre
aqueles que no caminho, isto é, na vida, discutem e se atarefam para ser os
maiores? E aqui também estamos nós em sua presença. É Ele que nos reúne e nos
fala. Essa palavra que ressoa a nossos ouvidos deve também ressoar em nosso
coração.
8.
Nós seres humanos queremos ser os primeiros: é um desejo inato, primordial; não
é, tampouco, um desejo mau; no fundo ele coincide com o desejo de ‘ser’, de
valorizar a própria existência, de subir mais alto. Isso nos acompanha desde a
infância. Não é algo ruim; é apenas ambíguo.
9.
O Evangelho não está condenando esse desejo. É lícito querer ser grande! O que
Jesus muda radicalmente é o motivo deste desejo e, portanto, também o modo de o
realizar. Em Lucas (22,25), Jesus convida seus discípulos a contemplar a
dinâmica do poder que rege o mundo e a não imitá-lo.
10.
Para Jesus a verdadeira autoridade não está em estar acima dos outros, oprimir
os outros, na afirmação de si mesmos reduzindo os outros a escravos, clientes
ou aduladores; está em ‘ser primeiro para os outros’, em colocar o que se tem
de bom a serviço de todos.
11.
Quando os descrentes ouvem essas coisas se escandalizam e julgam que é loucura
pura e simples; procedendo assim, pensam eles, o mundo se acabaria. Como se
esse mundo construindo sobre a vontade de poder, sobre a ambição e o vedetismo
fosse a melhor coisa que temos e estamos todos felizes.
12.
Quem não enxerga que nossos males mais terríveis se originam precisamente
daqui? Tiago nos questiona na 2ª leitura. Ele nos lembra que não só a
infelicidade do mundo, mas também a nossa infelicidade pessoal e cotidiana
deriva-se daqui: dos desejos imoderados de sobressair-se, das ambições que não
conseguimos satisfazer ou que, uma vez satisfeitos, nos deixam mais descontentes e
insatisfeitos do que antes.
13.
Jesus nos mostra outro caminho: tornar-nos como crianças. Talvez seja uma das
frases do Evangelho mais profundas e mais difíceis de entender. Talvez só a
venhamos a compreender se mudarmos a nossa prática. Peçamos a Ele que nos
imprima essas verdades no coração e no-las ‘recorde’ com seu Espírito quando
chegar o momento de pô-las em prática.
* Reflexão com base em texto
de Raniero Catalamessa.
Pe.
João Bosco Vieira Leite