(Eclo 27,33—28,9; Sl 102[103]; Rm 14,7-9; Mt 18,21-35)
1. O tema do perdão está no
centro da nossa reflexão. À pergunta de Pedro, Jesus responde com um simbólico
número que quer dizer: sempre. O perdão é uma coisa séria, humanamente difícil,
para alguns, impossível. Não podemos falar de forma rápida, sem levarmos em
conta o que se pede àquele que foi ofendido. Ao pedido de perdoar é preciso
acrescentar um motivo para que o faça.
2. É isso que faz Jesus ao
contar a parábola que se segue. Dela concluímos claramente que devemos perdoar
porque Deus perdoou e perdoa a nós. O próprio Jesus não se limita a mandar-nos
perdoar, Ele o fez primeiramente quando estava pregado na cruz. O ato mais
heroico sobre a face da terra.
3. Jesus não só perdoa, mas até
justifica. Assim fazendo não nos dá tão somente um exemplo sublime de perdão,
mas concede a graça de perdoar. Nos proporcionando uma força e uma capacidade
nova, que não vem da natureza, mas da fé.
4. Assim, Cristo não se limita a
acrescentar uma via de perfeição, ele nos dá a força para percorre-la. Não
manda tão somente que a façamos, mas faz conosco. Para superarmos a lei do
‘olho por olho e dente por dente’, o critério não é mais aquilo que o outro me
fez, mas o que farei por ele.
5. Aquilo que Deus fez a você,
faz você pelo outro. Neste sentido, o perdão cristão vai além do princípio da
não-violência ou do não-ressentimento budista. Por isso mesmo, é preciso ir
devagar no exigir a prática do perdão àqueles que não codividem a nossa fé.
Isso não é algo que brota da lei natural ou da simples razão humana, mas do
Evangelho.
6. Nós devemos nos preocupar em
praticar o perdão, mais que exigir que os outros o façam. Devemos mostrar com
os fatos que o perdão e a reconciliação é – também humanamente e politicamente
falando – a via mais eficaz para por fim a certos conflitos. Mais eficaz que
toda vingança e represália, porque quebra a corrente do ódio e da violência não
lhe acrescentando um novo elo.
7. Poderíamos nos perguntar:
perdoar assim, como nos indica Jesus, não seria encorajar a injustiça e deixar
um caminho livre à prepotência? Não, o perdão cristão não exclui que se possa
também, em certos casos, denunciar a pessoa e leva-la diante da justiça,
sobretudo quando está em jogo os interesses dos outros.
8. Mas aqui não se trata só dos
grandes perdões, em situações trágicas, mas também o perdão de cada dia: na
vida a dois, no trabalho, entre parentes, entre amigos, colegas, conhecidos.
9. Casais que experimentaram a
traição do cônjuge se perguntam se é possível perdoar ou é melhor separar-se?
Algo delicado, que nenhuma lei externa pode reger. A pessoa deve descobrir em
si mesma que coisa deve fazer. A parte ofendida pode encontrar forças na oração
e na certeza de que a outra parte está sinceramente arrependido. Um matrimônio
pode renascer das cinzas, mas não se pode pretender aqui um ‘setenta vezes
sete’.
10. Alguns querem perdoar, mas
não conseguem esquecer. A presença do outro lhe faz reviver o ocorrido. Cada um
reage a seu modo. Mas o importante aqui não é o que se sente, mas o que se
quer. Se quer perdoar, se o deseja, há já perdoado. A força que buscamos não
está em nós mesmos, mas em Cristo Jesus.
11. Não caiamos na armadilha de
achar que somos nós que sempre temos algo a perdoar aos outros. Lembremos que
também nós precisamos ser perdoados pelos outros. Mais importante que perdoar,
é pedir perdão.
12. Jesus resume seu ensinamento sobre o perdão nas poucas palavras que inseriu na oração do Pai-nosso, para que recordássemos sempre: ‘perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido’. Esforcemo-nos por perdoar quem nos ofende, caso contrário, cada vez que pronunciarmos essas palavras, estamos pronunciando nossa própria condenação ou ao menos o nosso fracasso.
Pe. João Bosco Vieira Leite