(Ez 33,7-9; Sl 94[95]; Rm 13,8-10; Mt 18,15-20)
1. “Se o teu irmão pecar contra
ti, vai corrigi-lo, mas em particular, a sós contigo! Se ele te ouvir, tu
ganhaste o teu irmão”. Esse conselho de Jesus parece fácil e simples de se
praticar, principalmente quando fazer observações, criticar, jogar na cara do
outro seus defeitos, para uns é algo natural e agradável...
2. Mas a verdade é exatamente o
contrário. A verdadeira correção fraterna, diferentemente da maledicência, é
uma das coisas que requer maior liberdade interior e maturidade, e por isso
mesmo, muito raro em nossa convivência.
3. A convivência humana é tecida
de contrastes, de conflitos e erros recíprocos, pelo fato de sermos diferentes
em temperamento, pontos de vista e gostos. “Nós seres humanos – dizia Sto.
Agostinho – somos como vasos de barro que apenas se chocam se esfarelam”. O
Evangelho quer nos oferecer algumas direções...
4. Uma observação: a nossa
tradução diz: ‘pecar contra ti’, mas outras traduções trazem apenas ‘se
acontecer que teu irmão peque’, e assim não restringe a algo cometido contra
nós, pois se assim fosse, seria impossível distinguir se o nosso mover-se seria
um zelo pela verdade, ou se não seria o nosso amor próprio ferido. Assim seria
autodefesa e não correção fraterna.
5. A primeira atitude é a
privacidade do ato, em respeito ao bom nome e sua dignidade. Nada pior do que
corrigir o esposo na presença da esposa ou dos filhos. Um aluno diante dos
colegas, um superior diante dos seus súditos. A coisa se transformaria logo num
processo público. Será bem difícil que o outro aceite de bom grado a correção.
6. Esse ‘a sós’, dá ao outro o
direito de defender-se ou explicar-se em sua liberdade. Quando se tem um
observador externo cria-se uma sensação de culpa. Uma franca explicação dissipa
muitos mal entendidos. E isso nem sempre é possível quando é levado ao
conhecimento de muitos.
7. Por que é preciso praticar a
correção fraterna, segundo o Evangelho? Certamente não é para mostrar aos
outros seus erros e fazer sobressair a nossa superioridade num discurso do
tipo: ‘eu lhe avisei!’. Não. A finalidade é ‘ganhar o irmão’, isto é, o bem do
outro. Para que não sofra as consequências dos seus atos, para que não
comprometa seu caminho espiritual ou a sua salvação.
8. A correção recíproca, se
feita no espírito do Evangelho, é uma das vantagens mais belas da vida a dois.
Poder dizer com liberdade aquilo que nenhum estranho ousaria observar. Assim se
cresce nesse ser uma só carne. Se lê que alguns grandes homens pagavam a alguém
para que estivesse por perto e observasse seus mínimos erros!
9. Existe um segundo passo,
quando não se pode fazer a correção fraternalmente, e que deve ser evitado,
pois acaba por divulgar o erro do irmão ou mesmo caluniá-lo. O mal, as notícias
ruins e escândalos já gozam hoje de muitos canais de difusão. Se pudermos ser
esse local onde certas coisas findam, melhor.
10. Conta-se que certa mulher
foi confessar-se com São Filipe Neri a respeito de ter falado mal de algumas
pessoas. O santo lhe deu uma estranha penitência: que fosse em casa, tomasse
uma galinha e voltasse a ele depenando a galinha pela estrada. Quando ela
chegou até ele, este lhe disse: agora retorna a tua casa e recolhe as penas que
espalhastes pelo caminho. Ela disse ser impossível, pois o vento as havia
levado. O santo conclui: Assim como é impossível recolher as penas espalhadas
ao vento, é impossível recolher as murmurações e calúnias que saem da boca.
11. Nem sempre depende da gente
o bom êxito de uma correção fraterna. O outro pode não aceita-la. Mas depende
sempre e exclusivamente de nós o bom êxito de receber uma correção. Posso ter
sido eu a cometer um erro, e o ‘corretor’ seja o outro: o cônjuge, o amigo, o
irmão ou nosso superior.
12. Não existe só a correção
ativa, mas também a passiva; não só o dever de corrigir, mas também o dever de
deixar-se corrigir. E aqui podemos medir a maturidade para corrigir o outro.
Algo que se aplica a educação dos filhos. Nada mais educativo do que saber
esperar para encontrar-se a sós e com calma falar-lhe de algo a ser observado
em sua conduta. Renunciar a corrigi-los é o pior serviço que prestamos aos
nossos filhos. Mas não transforme isso num espetáculo...
13. Não é fácil, em cada
situação, saber se é melhor corrigir ou deixar correr, falar ou calar. Por isso
podemos ter presente o que nos diz Paulo na 2ª leitura: “não fiques devendo
nada a ninguém, a não ser o amor mútuo... o amor não faz nenhum mal contra o
próximo”. É no coração que deve encontrar-se nossa real disposição de
acolhimento para com o outro.
Pe. João Bosco Vieira Leite