22º Domingo do Tempo Comum – Ano A

(Jr 20,7-9; Sl 62[63]; Rm 12,1-2; Mt 16,21-27)

1. “Se alguém quiser me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga”. Encontrar-se com essas palavras de Jesus sempre causam certa inquietação, seja pela escuta, seja pela busca de compreensão das mesmas.

2. ‘Negar a si mesmo, tomar a cruz’. Como aceitar essas palavras, se dá manhã até a noite o que a gente escuta é a exaltação ao sucesso, ao êxito, à autoafirmação? A via cristã para a salvação consiste no seguir ‘atrás de Jesus’, e que por sua vez implica em ‘negar a si mesmo e tomar a sua cruz’.

3. Sobre tomar a própria cruz, temos uma certa ideia, mas o que significa ‘negar a si mesmo’? Antes, é possível e é lícito negar a si mesmo? Se pensarmos bem, levando às extremas consequências, ‘negar a si mesmo’ equivale a tolher a vida, cometer suicídio, que certamente não é algo a se recomendar a alguém.

4. Para entendermos o que nos diz Jesus, primeiramente tenhamos presente que Jesus não pede que reneguemos ‘ao que somos’, mas ‘ao que nos tornamos’. Nós somos imagem de Deus, criados como algo ‘muito bom’. O que devemos renegar não é aquilo que Deus fez, mas aquilo que fizemos nós, usando mal da nossa liberdade.

5. Em outras palavras, às tendências más, ao pecado, tudo aquilo que foi se encrostando e sobrepondo-se ao original. ‘Renegar’ significa, na realidade, como explica Jesus mesmo, ‘reencontrar’: “Quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la’. Renegar é o verdadeiro modo de realizar-se.

6. Quantas vezes não ficamos admirados em saber que numa igreja, num antigo casarão ou mesmo num valioso quadro, se descobre a pintura original escondida sobre diversas camadas de tinta. E que diferença entre o que nos acostumamos a ver e o original. É nesse sentido que podemos recolher o aspecto positivo do Evangelho.

7. ‘Negar a si mesmo’ não é uma intervenção para a morte, mas para a vida, para a beleza e para a alegria. Quantas coisas, se formos sinceros, pelo contato com a palavra de Deus e os outros, não detestamos em nós mesmos? A videira só volta a dar frutos depois que se deixa podar...

8. ‘Negar a si mesmo’ pode se concretizar no dizer ‘não’. Quantas coisas no mundo dos espetáculos, das artes e mesmo das novas mídias em nosso tempo contaminam nosso coração e nosso olhar? Quantos não se perdem no mundo das drogas simplesmente por experimentar para saber do que se trata? Saber dizer ‘não’ pode significar salvar a própria vida.

9. Por que nos arriscarmos nesse mundo das apostas em jogos cujos resultados podem ser manipulados? Quantas vezes não nos deixamos tomar pela ira porque qualquer coisa não vai bem em casa com os filhos ou no trabalho? Dominar-se é dizer ‘não’. Não se vive em paz na família ou na sociedade sem saber dizer um ‘não’ a si mesmo. E poderíamos multiplicar os exemplos. 

10. Aprender a linguagem do ‘negar a si mesmo’ é um desafio, para entendermos o que Deus espera de nós, para comunicar-nos com Ele. Muitos problemas e fracassos na vida de um casal vem da inaptidão de lidar com essa linguagem. A palavra do Evangelho está muito próxima de nossa realidade.

11. Quantas renúncias se realizam no dia a dia sem nos darmos conta, para fazermos felizes aqueles que amamos. E não se faz com tristeza, mas com alegria. Imagine se pudermos alegrar o coração de Deus. 

Pe. João Bosco Vieira Leite