(Ecl 1,2; 2,21-23; Sl 89[90]; Cl 3,1-5.9-11; Lc 12,13-21)
1. Nessa parábola que Jesus nos conta,
a coisa que chama mais atenção, e é algo terrível, é este homem que conversa
consigo mesmo, com os seus bens. Expressando a sua profunda solidão. Ele não
tem nome. Não se menciona a mulher, os filhos ou mesmo amigos. É ele e seu
bens. É uma coisa em meio a outras coisas.
2. Os bens, longe de serem veículo de
comunicação, de relação com os outros, são para ele, coisa para acumular,
conservar, proteger, defender. Tudo isso acaba por colocá-lo numa espécie de
prisão. Sem futuro. Próprio ele que se ilude de estar seguro por muitos anos.
3. Nesse quadro geral vem anunciada a
terrível sentença, se bem que ele já estava morto a um certo tempo. É uma
sentença que ele mesmo se deu. Ele vem definido como ‘louco’. Porque colocou
sua segurança no ter e não no ser. Preferiu possuir, acumular, não tanto a
crescer.
4. É ‘louco’ porque se identifica com
as coisas e não as transformou em sacramento de comunhão com os irmãos. Porque
pensa que a posse egoísta lhe dará alegria. Porque não vê que a vida se
preencher com amizades, dons, relações, não com coisas.
5. A posse é sempre uma limitação da
liberdade. Basta que eu tome esse relógio em minha mão e diga: ‘Esse relógio é
meu!’, e fecho minha mão sobre ele para, de fato, ter um relógio e perder uma
mão. O nosso espírito, o nosso coração tende a restringir-se às dimensões dos
bens sobre os quais nos apegamos.
6. É falsa a nossa relação com as
coisas se pensamos possui-las. As coisas, como as pessoas, possuem sua própria
individualidade, sua própria essência, mesmo se elas, ‘aparentemente’, me
pertencem. Permanecerá sempre ‘estranha’, por mais que tente retê-la.
7. Para possuir verdadeiramente uma
coisa, é preciso estabelecer com ela não uma relação de posse, de
agressividade, mas de participação, de admiração, de contemplação. A faculdade
de possuir se coloca num nível muito mais profundo de nós mesmos.
8. Os mansos possuirão a terra, rezam
as bem-aventuranças, porque estes não reivindicam nada como seu. Só podemos
rezar tendo as mãos vazias, livres, para rezar nas coisas e com as coisas. Isso
distingue o homem econômico do homem litúrgico. Entre aquele que pede aos bens
terrenos segurança e o que exige deles ‘comunicação’.
9. O primeiro acumula. O outro divide.
Na própria missa recordamos essa necessidade da partilha, do ofertar-se no
próprio gesto de quem oferece a si mesmo, mas no ato concreto de mãos que se
abrem para dar e não simplesmente reter.
10. Tanto quanto nos alegra ver os
primeiros passos de uma criança que aprende a caminhar, também deve ser uma
alegria ver suas mãos aprenderem a abrir-se, a dar, a partilhar. Lembremo-nos
de que nossas mãos só se sujam quando seguram demasiadamente alguma coisa.
Pe. João Bosco Vieira Leite