Quarta, 16 de fevereiro de 2022

(Tg 1,19-27; Sl 14[15]; Mc 8,22-26) 

6ª Semana do Tempo Comum.

“Jesus pegou o cego pela mão, levou-o para fora do povoado, cuspiu nos olhos dele,

colocou as mãos sobre ele e perguntou: ‘Estas vendo alguma coisa?’” Mc 8,23.

“Em seguida, Jesus passa saliva nos olhos do cego e lhe impõe as mãos. Age como um médico que aplica uma pomada no doente. Ele mostra sua dedicação de forma física. Cospe sua saliva nos olhos do doente. Já vimos que esse procedimento de Jesus lembra um gesto maternal, para que no cego, assustado pela vida, possa aumentar a confiança. Impondo-lhe as mãos, Jesus espera que a saliva penetre nele, assim poderá acontecer uma espécie de troca entre ambos. Tendo por algum tempo colocado as mãos sobre os olhos fechados, ele as retira e pergunta ao doente se está vendo alguma coisa. ‘Percebo as pessoas, vejo-as como árvores, mas caminham’ (8,24). Trata-se, por enquanto, de uma cura parcial. O cego começa a enxergar, mas indistintamente. As pessoas ainda estão sem rosto. Ele vê que andam, as compara com árvores. Estão de pé como árvores, mas falta-lhes um contorno mais nítido. Ele não vê a pessoa, o rosto do ser humano (prosopon = aquilo que vejo), mas apenas o que fazem externamente. Jesus põe outra vez as mãos sobre os olhos do cego. Deixa fluir novamente sua força curativa para os olhos dele. O homem passa, então, a ver direito. Ou, como diz o texto grego com mais exatidão, ele ‘transvê’. É paradoxo que o homem passe a enxergar enquanto Jesus ainda tapa seus olhos com as mãos. Marcos talvez esteja falando de uma visão interior. Ao mesmo tempo deixa claro que a nova imposição das mãos faz com que o homem seja capaz de caminhar com as próprias pernas: agora ele pode ver o mundo com os próprios olhos e não através dos óculos que outros lhe tinham colocado. ‘Estava curado (recuperado, posto de pé) e via tudo distintamente’ (8,25). A palavra grega diz ‘brilhantemente, com a clareza do sol’. Agora o cego enxerga tudo claramente. Seus olhos participam da clareza do sol que a tudo ilumina. Na luz de Jesus, tudo se torna visível para ele, tudo fica compreensível. Conscientemente, Marcos colocou essa perícope antes da paixão de Jesus. Para que possamos compreendê-la, precisamos dos olhos da fé, olhos solares, que reconheçam o Filho de Deus até mesmo na hora do sofrimento. Nessa hora também precisamos de luz solar, para podermos experimentar nela proximidade curadora e libertadora de Deus. Muitas vezes, a terapia precisa de um tempo mais longo até a pessoa ter coragem de abrir realmente os olhos para ver tudo claramente. No início, tudo parece meio confuso. Conheço bem essa situação. Nem quero ver tudo com nitidez. Olho apenas ao meu redor e vejo as pessoas andarem por aí, mas não olho seu rosto. Procuro evitar o reconhecimento. Não quero ver nitidamente, para que não tenha de focalizar o outro, para que não precise entender-me com ele. Porque, nesse caso, ele transformaria minha vida. O primeiro olhar do cego serve apenas para orientação, não para entrar em contato. Mas só passamos a enxergar realmente quando estamos dispostos a olhar no rosto de um ser humano. É nesse momento que o contato nos transforma. Enquanto vejo apenas os contornos do outro, não quero mudar. Só vejo o necessário para seguir meu caminho. Os outros não me interessam realmente. Só posso encontrar o outro e fazer-lhe justiça quando o vejo nitidamente” (Anselm Grün – Jesus, Caminho para a Liberdade – Loyola).

 Pe. João Bosco Vieira Leite