(Tg 1,19-27; Sl 14[15]; Mc 8,22-26)
6ª Semana do Tempo Comum.
“Jesus pegou o cego
pela mão, levou-o para fora do povoado, cuspiu nos olhos dele,
colocou as mãos sobre
ele e perguntou: ‘Estas vendo alguma coisa?’” Mc 8,23.
“Em seguida, Jesus
passa saliva nos olhos do cego e lhe impõe as mãos. Age como um médico que
aplica uma pomada no doente. Ele mostra sua dedicação de forma física. Cospe
sua saliva nos olhos do doente. Já vimos que esse procedimento de Jesus lembra
um gesto maternal, para que no cego, assustado pela vida, possa aumentar a
confiança. Impondo-lhe as mãos, Jesus espera que a saliva penetre nele, assim
poderá acontecer uma espécie de troca entre ambos. Tendo por algum tempo
colocado as mãos sobre os olhos fechados, ele as retira e pergunta ao doente se
está vendo alguma coisa. ‘Percebo as pessoas, vejo-as como árvores, mas caminham’
(8,24). Trata-se, por enquanto, de uma cura parcial. O cego começa a enxergar,
mas indistintamente. As pessoas ainda estão sem rosto. Ele vê que andam, as
compara com árvores. Estão de pé como árvores, mas falta-lhes um contorno mais
nítido. Ele não vê a pessoa, o rosto do ser humano (prosopon = aquilo que
vejo), mas apenas o que fazem externamente. Jesus põe outra vez as mãos sobre
os olhos do cego. Deixa fluir novamente sua força curativa para os olhos dele.
O homem passa, então, a ver direito. Ou, como diz o texto grego com mais
exatidão, ele ‘transvê’. É paradoxo que o homem passe a enxergar enquanto Jesus
ainda tapa seus olhos com as mãos. Marcos talvez esteja falando de uma visão
interior. Ao mesmo tempo deixa claro que a nova imposição das mãos faz com que
o homem seja capaz de caminhar com as próprias pernas: agora ele pode ver o
mundo com os próprios olhos e não através dos óculos que outros lhe tinham
colocado. ‘Estava curado (recuperado, posto de pé) e via tudo distintamente’
(8,25). A palavra grega diz ‘brilhantemente, com a clareza do sol’. Agora o
cego enxerga tudo claramente. Seus olhos participam da clareza do sol que a
tudo ilumina. Na luz de Jesus, tudo se torna visível para ele, tudo fica
compreensível. Conscientemente, Marcos colocou essa perícope antes da paixão de
Jesus. Para que possamos compreendê-la, precisamos dos olhos da fé, olhos
solares, que reconheçam o Filho de Deus até mesmo na hora do sofrimento. Nessa
hora também precisamos de luz solar, para podermos experimentar nela proximidade
curadora e libertadora de Deus. Muitas vezes, a terapia precisa de um tempo
mais longo até a pessoa ter coragem de abrir realmente os olhos para ver tudo
claramente. No início, tudo parece meio confuso. Conheço bem essa situação. Nem
quero ver tudo com nitidez. Olho apenas ao meu redor e vejo as pessoas andarem
por aí, mas não olho seu rosto. Procuro evitar o reconhecimento. Não quero ver
nitidamente, para que não tenha de focalizar o outro, para que não precise
entender-me com ele. Porque, nesse caso, ele transformaria minha vida. O
primeiro olhar do cego serve apenas para orientação, não para entrar em
contato. Mas só passamos a enxergar realmente quando estamos dispostos a olhar
no rosto de um ser humano. É nesse momento que o contato nos transforma.
Enquanto vejo apenas os contornos do outro, não quero mudar. Só vejo o
necessário para seguir meu caminho. Os outros não me interessam realmente. Só
posso encontrar o outro e fazer-lhe justiça quando o vejo nitidamente” (Anselm Grün
– Jesus, Caminho para a Liberdade – Loyola).
Pe. João Bosco Vieira Leite