6º Domingo do Tempo Comum – Ano C

(Jr 17,5-8; Sl 01; 1Cor 15,12.16-20; Lc 6,17.20-26)

1. Há alguns domingos atrás escutávamos, na sinagoga de Nazaré, o discurso programático de Jesus que apontava para sua missão. Pois bem, as bem-aventuranças que acabamos de escutar retoma e desenvolve tal discurso. Uma boa notícia endereçada sobretudo aos pobres e infelizes.

2. Em contraste, quase o outro lado da moeda, brotam notícias ruins para os ricos, saciados e que alcançaram sucesso na vida. Duas observações de fundo podemos tirar.

3. Primeiro: Jesus anuncia a vinda do seu Reino como uma inversão da situação atual, restabelecendo o equilíbrio quebrado pelo egoísmo humano. Aquilo mesmo que proclama a Virgem no magnificat: ‘derrubou os poderosos dos seus tronos, e elevou os humildes. Sacia de bem os famintos, despede os ricos de mãos vazias’.

4. Segundo: Cristo não nos apresenta um código de leis, mas as bem-aventuranças. As bem-aventuras é um gênero característico da Bíblia. Ela não exprime um tímido desejo, ou votos de dúbia eficácia, ou mesmo uma vaga promessa. Mas se trata de uma forma de felicitação da parte de Deus.

5. Lucas nos traz 4 bem-aventuranças que dizem respeito aos pobres, os esfomeados, os aflitos e os perseguidos. Todos são pobres no sentido em que se encontram numa situação de infelicidade ou porque estão privados dos bens materiais ou mesmo porque veem sufocadas suas exigências fundamentais. E por que os pobres são declarados ‘felizes’?

6. Não estamos diante de uma consagração da pobreza, como se essa fosse uma condição ideal para acolher o Reino de Deus. Isso seria uma legitimação da injustiça e da avidez humana, que aqui vêem desmascaradas e condenadas nos quatro ‘ai de vós’ sucessivos.

7. Nem se está afirmando que os pobres são moralmente melhores que os ricos. Não há nenhuma condição social, e nenhum mérito da parte do ser humano que por si só o faça idôneo ao Reino de Deus. Este é um dom de Deus e não uma conquista do ser humano. O que se está em jogo nas bem-aventuranças é a ideia que se faz de Deus.

8. Nas bem-aventuranças transparece a imagem de um Deus misericordioso que coloca todo seu poder a serviço dos mais frágeis. Assim, evitemos de usar as bem-aventuranças num sentido de resignação, ou mesmo um pretexto ‘religioso’ para manter a ordem social injusta. As bem-aventuranças não devem servir para esmagar os pobres, mas para libertá-los. A pobreza resta como um mal que se luta sem trégua.

9. A mensagem de Cristo não se resume num amor à pobreza, mas aos pobres. O ideal não é a pobreza, mas o amor que se exprime no gesto de partilhar, de transformar os bens num sacramento de fraternidade. Caso contrário, seremos julgados pela atitude adotada diante dos que têm fome, sede, estão sem roupa, casa, doentes... (Mt 25).

10. A parte final faz um contraponto às quatro bem-aventuranças, chamadas de maldições. Mas é uma definição imprópria. Trata-se de uma constatação amarga de um fato que se reveste de um chamado à conversão. Para toda a comunidade cristã, essas duras palavras constituem um severo aviso sobre o perigo das riquezas. 

11. Perigo de não ver para além do horizonte presente e dos bens materiais. De fechar-se em si mesmo, nos próprios interesses sem se dar conta dos outros e suas necessidades. Os bens materiais tornam-se ídolos, ocupam o lugar de Deus. Satisfeito com o que se tem, não espera nada de Deus.

12. Infeliz, diz a 1ª leitura e o salmo. Uma vez tendo tudo, se fecha em seu mundo. Não percebe a música que vem de longe, nem a luz que bate em sua janela. Não percebe que a vida está para além. Sente-se seguro, sem saber que sua segurança é sinônimo de morte antecipada. Se morre no momento em que não se espera mais nada ou ninguém.      

 Pe. João Bosco Vieira Leite