7º Domingo do Tempo Comum – Ano C

(1Sm 26,2.7-9.12-13.22-23; Sl 102[103]; 1Cor 15,45-49; Lc 6,27-38)

1. ‘Quem é o meu próximo?’ Perguntava um doutor da Lei a Jesus (Lc 10,29). ‘E quem são os meus inimigos?’ Poderíamos nos perguntar. Se devo amar meus inimigos, tenho a obrigação de saber quem são eles. Devo conhece-los, olhar em seu rosto. Para poder amar, fazer-lhes o bem, bendizê-los, rezar por eles. 

2. Muita gente não ama os seus inimigos pelo simples motivo de não tê-los: ‘Eu não tenho inimigos!’ Tem gente muito orgulhosa em não reconhecer ‘inimigos’. Talvez se comportem como inimigo de alguém, mas rejeitam categoricamente admitir que o outro é seu inimigo.

3. Vamos elencar algumas categorias de inimigos, obviamente não de modo completo. Comecemos pelo ‘outro’, ou seja, o totalmente diferente de mim. Que não gosta das coisas que gosto, que não compartilha meu ponto de vista, meu gosto por um filme, uma partida de futebol, um romance, um personagem público... 

4. Existe o ‘Adversário’. Aquele que tem para comigo uma atitude hostil, desafiadora. Numa discussão, é sempre meu opositor. Tudo que faço, proponho, encontra sempre uma crítica da parte do mesmo. Se assumo uma posição, ele vai na contrária.

5. Sua vocação é combater minhas inciativas, ideias... Suas armas são a ironia, o sarcasmo, as provocações. Não me perdoa nada. Não deixa passar nada. É um muro compacto de hostilidade preconcebida.

6. Tem também o ‘Chato’‘inoportuno’, que tem o poder de me irritar e até exasperar. Aquele que se diverte e fazer-me perder tempo, que me chega em momentos inoportunos, por motivos fúteis. Pedante, insistente, invasor, petulante, indiscreto...

7. Me obriga a ouvir discursos intermináveis, piadas já conhecidas, seus pequenos dramas tomam proporções cósmicas. Não tem o menor respeito pelo meu tempo, meu cansaço, minhas preocupações. Às vezes temos a impressão de ler no seu olhar o prazer de ter-me como prisioneiro de suas resenhas... E ainda tem o cinismo de pedir desculpa de tomar o nosso tempo...    

8. Tem também o ‘espertinho’. O indivíduo que sabemos desleal. Que me compartilha um segredo para ver minha reação e interesse. Demonstra certa afabilidade, cordialidade, simpatia, para depois apunhala-lo pelas costas. Me diz uma coisa, pensa outra e faz uma terceira.

9. Ou mesmo aquele que me elogia de maneira exagerada, mas em minha ausência, me destrói com as críticas mais ferozes. Enfim, um clássico tipo em que não se pode confiar. Astuto, calculador.

10. E por último o ‘perseguidor’. Aquele que, de propósito, me faz o mal. Me calunia, é maledicente, invejoso. Que tem prazer em me humilhar e que não dá trégua com sua maldade. Fiquemos por aqui.

11. Que atitude devo ter diante de tais inimigos (e outros que aqui não foram reconhecidos)? Primeiro preciso reconhecê-los de maneira lúcida, honesta. Somente precisando o campo inimigo, posso precisar o campo do meu amor.

12. De fato, o amor cristão deve também combater em território inimigo, não pode permanecer parado ao lado do ‘próximo’. Ou seja, nunca deve aceitar essa situação de inimizade como definitiva. Não deixá-la cristalizar. Empenhar-se, antes, em envolve-la, removê-la, endereça-la a um outro sentido.

13. Nos vem sempre um desencorajamento, pois nos parece algo impossível. Jesus vem sempre nos lembrar que meu inimigo é alguém por quem Ele também deu sua vida. Um filme terminava com essa expressão: “Há trezentos metros de distância o inimigo é um alvo. A três metros é um ser humano”.

14. A palavra que nos é dirigida nos lembra que para além dos nossos conflitos, das nossas oposições, das nossas dilacerações, existe um terreno ‘sagrado’ sobre o qual – dolorosamente e pacientemente – é possível retomar uma relação fraterna. O fato de não aceitarmos a separação, a ruptura, o estado de inimizade, é já meio caminho andado em direção ao outro.    

Pe. João Bosco Vieira Leite