(Ecle 3,3-7.14-17; Sl 127[128]; Cl 3,12-21; Lc 2,41-52)
1. A criança que ontem nasceu e que
assumiu nossa humanidade de modo pleno, nos aparece envolto na trama de
relações que caracterizam particularmente o ser humano: a convivência familiar.
À luz da Palavra de Deus somos convidados, na contemplação da nossa família e
da oração por todas as famílias.
2. A 1ª leitura trata dos deveres dos
filhos em relação aos pais, que se resumem numa palavra: ‘honra-los’. Primeiro
diz respeito aquilo que nos tornamos, enquanto filhos. O segundo aspecto se
relaciona a ajuda econômica e ao apoio em suas necessidades, particularmente
quando a idade pode trazer à tona alguém que desconhecemos.
3. Paulo amplia essa rede de relações,
lembrando-nos das virtudes e sentimentos necessários dentro não só da
comunidade cristã, mas também familiar. Famílias são construídas num longo e
paciente processo de amor, respeito e acolhimento mútuo.
4. É iluminada pela Palavra de Deus que
a família de Nazaré aparece nesse pequeno quadro apresentado por Lucas, o
último, sobre a infância/adolescência de Jesus. Vislumbramos aqui, mais do que
um incidente familiar. Lucas precisa para nós a missão de Jesus.
5. O episódio tem seu núcleo central na
declaração de Jesus: ‘Devo estar na casa do meu Pai’; em outras palavras: ‘Devo
ocupar-me das coisas do meu Pai’. Diante de uma mãe que vem a ele e lhe diz:
‘teu e eu’, Jesus proclama a prioridade das exigências de um outro Pai.
6. Nesta perspectiva o episódio
assinala a ruptura com a família, mesmo voltando a Nazaré e lhes sendo
submisso. Meditamos no 5º mistério gozoso sobre a perda e o encontro do Menino
Jesus. Na realidade, Maria e José não mais o encontraram: as palavras do filho
deixaram claro que Ele é para um outro Pai e para os outros.
7. Maria só o ‘encontra’ quando aceita
‘perde-lo’ sob o plano humano. Nem Lucas, nem Mateus nos fala sobre o incômodo
texto de Mc 3,20-35 sobre quando, já adulto, seus familiares buscam prendê-lo,
por o considerarem fora de si. Na realidade Jesus não era fora de si, mas fora
deles, ou de nós quando buscamos sistematiza-lo.
8. Quando os seus familiares o mandam
chama-lo, Jesus não se move, como se não fosse com Ele. Para Jesus não existem
direitos adquiridos, mas somente possibilidades. Mãe e irmãos e irmãs, nesta
nova família não se encontram prontos, mas podem tornar-se.
9. Para entrar nessa família de Jesus,
e aqui não se exclui seus parentes sanguíneos, é preciso fazer a vontade de
Deus. E nesse sentido Maria é a primeira a pertencer a essa família. Um direito
conquistado não pela carne, mas por sua inicial e total adesão à vontade de
Deus. Sua verdadeira família condivide seu projeto e escolha.
10. Assim nos damos conta que essa
resposta ‘ousada’ do garoto no Templo, precisa para nós, e seus pais, sem meios
termos, o significado da própria missão: realizar a vontade do Pai.
11. E aqui se precisa também a direção
fundamental do itinerário do discípulo. Se trata, pensando bem, a título de
ilustração de um pedido do Pai-Nosso: ‘Seja feita a vossa vontade’. Para que
isso se dê, sabemos que é preciso separação, distanciamento, escolhas muitas
vezes dolorosas.
12. Por isso, muitas vezes, nós, pouco
dispostos a pagar o preço, mesmo pronunciando tais palavras, pensamos: ‘seja
feita a minha vontade’. E talvez aqui se encontre o drama de muitos entraves em
nossas relações familiares, a vontade é a minha, não do outro ou de suas
necessidades, nem de Deus, se é que escutamos Sua Palavra.
Pe. João
Bosco Vieira Leite