(2Sm 15,13-14.30; 16,5-13; Sl 03; Mc 5,1-20)
4ª Semana do
Tempo Comum.
“Logo que saiu da
barca, um homem possuído por um espírito impuro, saindo de um cemitério,
foi ao seu encontro.
Esse homem morava no meio dos túmulos e ninguém conseguia amarrá-lo,
nem mesmo com
correntes” Mt 5,2-3.
“É uma história
estranha essa que Marcos nos conta no início do capítulo cinco do seu
evangelho. Há exegetas que duvidam que Jesus tenha procedido da maneira
descrita. Para eles trata-se de uma lenda sobre taumaturgos itinerantes,
associada agora também a Jesus. Mas tais hipóteses não resolvem o problema. Eu
aceito a história como ela está no Evangelho. Jesus entra em terra pagã, na
Decápole. Esse é um sinal de que ele não se limitava a visitar cidades
judaicas. Ao encontro dele vem um processo. Marcos diz que o homem era possuído
por um espírito impuro, descrevendo inclusive os sinais externos dessa
possessão. A descrição nos permite compreender a situação interior desse homem.
Ele mora nos túmulos, nos domínios da morte. Em que estado devia estar a alma desse
homem, se seu único refúgio eram os túmulos? Há pessoas que pintam o interior
de sua casa de preto. Tudo nele é escuro e lúgubre. Em suas almas reina a
escuridão. As pessoas depressivas conhecem esse estado. Elas sabem o que
significa morar nos túmulos interiores. Os túmulos simbolizam a morbidez do ser
humano. Há pessoas que cheiram a morte e putrefação. Não há nelas nenhum sinal
de vida. Estão cheias de forças autos destruidoras. Sentem-se atraídas pelo
abismo, têm tendência a dissolução e ao aniquilamento. Quem mora nas cavernas
dos túmulos, normalmente quer distância do convívio humano. Mas no caso
presente o doente parece procurar o contato com outros seres humanos. E estes
ficam assustados e confusos quando ele aparece. O texto afirma que tentaram até
dominá-lo. Mas ele rompeu as correntes com que o prendiam. O homem tem uma
força descomunal. Ele rompe correntes e grilhões. Os outros não sabem o que
fazer com o doente. Talvez o tentem amarrar impondo-lhes suas normas. Mas ele
não se deixa subjugar. Segue seu próprio caminho. Talvez tenham tentado
tranquiliza-lo, para não serem importunados ou para que a família não ficasse
desacreditada. Nesse caso, a demonização do doente estaria ligada à teia de
relações com o seu meio. O meio faz parte da sua demonização, porque não
suporta o elemento desconhecido e incomum. Por isso tentam amarrá-lo. Marcos
nos dá mais uma informação: o doente grita de dia e de noite. É um paradoxo:
quem se retira para as cavernas dos túmulos procura ficar sozinho. Não quer ter
contato com outros. Mas quem grita procura esse contato. Ele fica gritando até
que os outros o ouçam e atendam, até que lhe deem atenção. O comportamento do
doente é ambivalente. Por um lado, ele se retira dos seres humanos, por outro
lado procura relacionar-se com eles. Ele se esconde, mas quer que o procurem.
Nos túmulos, ele busca proteção contra a violência dos homens. Mas ao mesmo
tempo ele próprio se machuca com pedras. Vira sua agressividade contra si
mesmo. Certa vez conheci uma mulher que não parava de machucar-se a si mesma.
Ela me contou que fazia isso porque preferia machucar-se a si mesma antes que
outros a machucassem. Para muitas pessoas, a autoflagelação é a única maneira
que lhes permite sentirem-se vivas. O possesso mora nos túmulos. Ele gostaria
de estar morto, mas mesmo assim quer sentir-se vivo. A única saída que lhe
resta nessa situação é autoflagelação, pois só assim terá certeza que está
vivo” (Anselm Grun – Jesus, Caminho para a Liberdade –
Loyola).
Pe. João Bosco Vieira Leite