Segunda, 03 de fevereiro de 2020


(2Sm 15,13-14.30; 16,5-13; Sl 03; Mc 5,1-20) 
4ª Semana do Tempo Comum.

“Logo que saiu da barca, um homem possuído por um espírito impuro, saindo de um cemitério,
foi ao seu encontro. Esse homem morava no meio dos túmulos e ninguém conseguia amarrá-lo,
nem mesmo com correntes” Mt 5,2-3.

“É uma história estranha essa que Marcos nos conta no início do capítulo cinco do seu evangelho. Há exegetas que duvidam que Jesus tenha procedido da maneira descrita. Para eles trata-se de uma lenda sobre taumaturgos itinerantes, associada agora também a Jesus. Mas tais hipóteses não resolvem o problema. Eu aceito a história como ela está no Evangelho. Jesus entra em terra pagã, na Decápole. Esse é um sinal de que ele não se limitava a visitar cidades judaicas. Ao encontro dele vem um processo. Marcos diz que o homem era possuído por um espírito impuro, descrevendo inclusive os sinais externos dessa possessão. A descrição nos permite compreender a situação interior desse homem. Ele mora nos túmulos, nos domínios da morte. Em que estado devia estar a alma desse homem, se seu único refúgio eram os túmulos? Há pessoas que pintam o interior de sua casa de preto. Tudo nele é escuro e lúgubre. Em suas almas reina a escuridão. As pessoas depressivas conhecem esse estado. Elas sabem o que significa morar nos túmulos interiores. Os túmulos simbolizam a morbidez do ser humano. Há pessoas que cheiram a morte e putrefação. Não há nelas nenhum sinal de vida. Estão cheias de forças autos destruidoras. Sentem-se atraídas pelo abismo, têm tendência a dissolução e ao aniquilamento. Quem mora nas cavernas dos túmulos, normalmente quer distância do convívio humano. Mas no caso presente o doente parece procurar o contato com outros seres humanos. E estes ficam assustados e confusos quando ele aparece. O texto afirma que tentaram até dominá-lo. Mas ele rompeu as correntes com que o prendiam. O homem tem uma força descomunal. Ele rompe correntes e grilhões. Os outros não sabem o que fazer com o doente. Talvez o tentem amarrar impondo-lhes suas normas. Mas ele não se deixa subjugar. Segue seu próprio caminho. Talvez tenham tentado tranquiliza-lo, para não serem importunados ou para que a família não ficasse desacreditada. Nesse caso, a demonização do doente estaria ligada à teia de relações com o seu meio. O meio faz parte da sua demonização, porque não suporta o elemento desconhecido e incomum. Por isso tentam amarrá-lo. Marcos nos dá mais uma informação: o doente grita de dia e de noite. É um paradoxo: quem se retira para as cavernas dos túmulos procura ficar sozinho. Não quer ter contato com outros. Mas quem grita procura esse contato. Ele fica gritando até que os outros o ouçam e atendam, até que lhe deem atenção. O comportamento do doente é ambivalente. Por um lado, ele se retira dos seres humanos, por outro lado procura relacionar-se com eles. Ele se esconde, mas quer que o procurem. Nos túmulos, ele busca proteção contra a violência dos homens. Mas ao mesmo tempo ele próprio se machuca com pedras. Vira sua agressividade contra si mesmo. Certa vez conheci uma mulher que não parava de machucar-se a si mesma. Ela me contou que fazia isso porque preferia machucar-se a si mesma antes que outros a machucassem. Para muitas pessoas, a autoflagelação é a única maneira que lhes permite sentirem-se vivas. O possesso mora nos túmulos. Ele gostaria de estar morto, mas mesmo assim quer sentir-se vivo. A única saída que lhe resta nessa situação é autoflagelação, pois só assim terá certeza que está vivo” (Anselm Grun – Jesus, Caminho para a Liberdade – Loyola).

Pe. João Bosco Vieira Leite