Terça, 11 de março de 2025

(Is 55,10-11; Sl 33[34]; Mt 6,7-15) 1ª Semana da Quaresma.

“Venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como nos céus” Mt 6,10.

“’Venha o teu Reino’. Essa súplica refere-se às palavras do Sermão da Montanha em que os cristãos são chamados de sal da terra e luz do mundo (5,13-16). Na medida em que os cristãos tornam-se o sal da terra, faz-se visível na terra o Reino de Deus. O sal tem muitos significados: ‘Ele protege contra a deterioração, tempera comidas insípidas, purifica tanto a oferenda quanto a criança recém-nascida e, finalmente, tem uma função importante na aliança entre Deus e os homens, como também entre diversos grupos humanos’ (Grudmann, 137). Quando os cristãos se deixam guiar pelo espírito de Jesus, exercem um papel fundamental para o mundo todo. Eles preservam os seres humanos da podridão interna e da corrupção. O desafio da mensagem de Jesus conserva o homem vivo, evitando a sua deterioração. Os cristãos são como o sal na sopa. Eles não se satisfazem com a adaptação às circunstâncias externas, e quem está imbuído do espírito de Deus exerce um efeito purificador sobre o seu ambiente. As coisas se aclaram à sua volta. Ele não se deixa turvar pelas emoções dos outros. Afinal, cabe aos cristãos a missão de estabelecer vínculos entre os diversos grupos humanos. Por meio desses quatro efeitos produzidos no mundo pela ação dos cristãos, chega aos homens o Reino de Deus” (Anselm Grün – Jesus, mestre da salvação – Loyola).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Segunda, 10 de março de 2025

(Lv 19,1-2.11-18; Sl 18[19]; Mt 25,31-46) 1ª Semana da Quaresma.

“Então o Rei lhes responderá: ‘Em verdade eu vos digo que, todas vezes que fizestes isso a um dos menores dos meus irmãos, foi a mim que o fizeste!’” Mt 25,40

“O livro sobre os ‘ajudantes sem ajuda’ abriu-me finalmente os olhos, fazendo-me compreender quantos outros motivos podem estar por trás da vontade de ajudar: ganhar poder sobre o outro, sentir-se melhor, compensar pela ajuda as minhas próprias deficiências etc. Ajudou-me a imagem do juiz que se apresenta como rei. Segundo o raciocínio de Jesus, não ajudo o pobre apaziguando a minha consciência pesada, mas vendo-o e tratando-o como um ser humano de estirpe real. Aquele que ajuda não deve aviltar o outro, fazendo-o depender de sua ajuda, mas deve erguê-lo para que descubra a sua dignidade de rei ou rainha. Nesse sentido, o discurso de Jesus sobre o juízo constitui um desafio constante de prestar atenção nas pessoas em torno de mim, reparando se estão com, se estão sem casa e sem pátria, se estão nus e abandonados, presos em si mesmos, perturbados por obsessões. É certo que não posso ajudar a todos. Preciso reconhecer as minhas próprias limitações. No entanto, as palavras de Jesus me deixam num estado de inquietação. Elas impedem que eu continue girando como um Narciso em torno do meu próprio eu, como acontece hoje em algumas escolas espirituais. É na realidade nua e crua da solidariedade humana que se percebe se sou um discípulo de Jesus ou não. Ajudar a todos ultrapassaria as minhas forças. Mas posso sempre ver o meu irmão e a minha irmã como rei e rainha. Isso faz com que o ser humano se sinta valorizado. É o primeiro passo no sentido de vestir o despedido com a dignidade real e de alimentar o faminto com a minha atenção e dedicação” (Anselm Grün – Jesus, mestre da salvação – Loyola).

 Pe. João Bosco Vieira Leite

1º Domingo da Quaresma – Ano C

 

(Dt 26,4-10; Sl 90[91]; Rm 10,8-13; Lc 4,1-13)*

1. Todos os dias nos indignamos em sentir o mal em nosso mundo. Raramente prestamos atenção ao mal que está em nós, nos pensamentos, nos hábitos, nas relações pessoais, e também que esse mal é o único que depende de nós eliminar do mundo.

2. As tentações de Jesus no deserto, que sempre aparecem ao início da Quaresma, nos ajudam, veremos, a realizar esse deslocamento da atenção ao que está fora para o que está dentro de nós.

3. Há quem se escandalize pelo fato de Jesus ter sido tentado. Não era Ele o Filho de Deus? Certo que era, mas era também homem e como humano quis “ser provado em tudo, como nós, menos no pecado” (Hb 4,15). E esta é uma grande consolação para nós.

4. Nas três tentações sofridas por Jesus, se dá uma única tentação em três formas diversas: a “tentação messiânica”. Essa consiste em impor-se aos homens com força e milagres. Jesus rejeita este caminho a favor de um outro que em seu coração sente que é a vontade do Pai. Por isso, esse momento é de suma importância na vida de Jesus.

5. Rejeitar a cruz significaria salvar a glória da divindade, mais aceitável ao ser humano; aceitar a fragilidade, a humildade e, por fim, a ignominia da Cruz, significa introduzir no mundo uma novidade absoluta sobre Deus e seu Messias, mas frustrará todas as expectativas, escandalizará e colocará Jesus em conflito com o ambiente religioso.

6. Esse episódio não é importante só por aquilo que nos diz de Jesus, mas também por aquilo que diz sobre nós. Um texto sempre atual. Em outras palavras, as tentações de Jesus são prenúncios de todas as nossas tentações. Lancemos um breve olhar sobre elas.

7. Transformar pedra em pão é a tentação de alterar o curso natural das coisas, de mudar a via normal da busca de alimentos, de produzi-los. Essa tentação se repete hoje em vários setores e até na tentativa de clonar o ser humano.

8. Muitas novas tentativas são iniciativas de uns poucos sem uma adequada discussão entre as instâncias da sociedade: ciência, ética, filosofia, política, religião... Querem decidir o futuro da humanidade, arrogando-se prerrogativas divinas. No deslumbramento das promessas se ignora a contrapartida.  

9. Cristo sabe que o poder que lhe vem do Pai não é para este fim e nos recorda que o simples fato de se ‘poder’ fazer certas coisas não quer dizer que seja lícito fazê-la. Uma tentação tremenda não só para a ciência, mas para qualquer um que sofra o delírio da onipotência.

10. A tentação de adquirir poderes extraordinários e sucesso, ainda que haja um custo, de como se diz: ‘vender a alma ao diabo’, não é aquilo que sucede no terreno da magia, ocultismo, espiritismo, ritos satânicos e coisas do gênero que infestam o nosso mundo e seduzem tanta gente?

11. A 3ª tentação nos coloca no terreno do espetáculo, do atrair a atenção a qualquer custo. É o que atrai tanta gente, particularmente adolescentes, a fazerem coisas estranhas, inúteis e por vezes aberrantes, para terem likes e curtidas. Aparecer está cada vez mais importante que ser.

12. As tentações não estão limitadas a esses breves acenos que fizemos. Em formas diversas, em nosso cotidiano, as experimentamos. É a atração exercida sobre nós daquilo que percebemos como mal, ou a instigação a fazê-lo que vem do demônio, da nossa concupiscência e do mundo que nos circunda.

13. Para que essa se torne um pecado, é preciso ter conhecimento, ainda de que modo vago, que certa coisa ou situação é errada e que seu final será negativo e, todavia, se permitirá pela satisfação imediata que promete e que tolhe nossa capacidade de escolha e decisão, fazendo-nos ‘escravos’. Como é o caso das drogas, ou das ‘bet’ do nosso tempo, outro tipo de vício.   

14. Não se deve flertar com a tentação. Fazê-lo significa cair na mesma. Isto diz respeito a todos nós. Nós que vivemos na civilização dominada pela imagem, deveríamos praticar o jejum das mesmas, obviamente, não todas, mas daquelas que sabemos onde vai dar. E não só as imagens de nudez ou sexo, mas também das vitrines cintilantes, dos objetos de luxo, dos pratos suculentos, das bebidas destiladas; há quem seja inclinado ao exagero...

15. Jesus nos deixa o exemplo de como vencer, de nos deixar-nos conduzir por seu Espírito, de servir-nos da Palavra de Deus, daquelas frases que transformamos num ‘mantra’ para seguir adiante. Em cada tentação superada se dá um salto de qualidade, se produz uma íntima alegria e por sua vez, se torna nosso melhor aliado no esforço para subtrair-se ao fascínio do mal. Como se diz: “Com Cristo somos mais que vencedores!”. Amém.

* Com base em texto de Raniero Cantalamessa. 

Pe. João Bosco Vieira Leite

 

Sábado, 08 de março de 2025

(Is 58,9-14; Sl 85[86]; Lc 5,27-32) Sábado após as Cinzas.

“Eu não vim chamar os justos, mas sim os pecadores para a conversão” Lc 5,32.

“O caminho para Jesus é a própria consciência de pecado. Os que se julgam justos não deixam em si mesmo lugar para Deus. É muito comum, no mundo dos grandes grupos, fazer a distinção: os bons e os maus. E é também muito comum que nós nos situemos entre os bons. Você pode perguntar-se, mas com inteireza e absoluta sinceridade, as razões que o levam a situar-se entre os bons. Por que não comete grandes pecados? Mas você pratica grandes atos de justiça e caridade? Porque para ser mau não é preciso fazer coisas más, é suficiente não fazer coisas boas, como diz conhecido trocadilho: ‘Não sabe quanto bem faz aquele que não faz o mal; porém, tampouco sabe quanto mal faz aquele que não pratica o bem’. Examine sua vida e, nesse exame, não se esqueça de considerar seus pecados de omissão. Não olhe só o que você é, mas também o que não é quando deveria ser” (Alfonso Milagro – O Evangelho meditado para cada dia do ano – Ave-Maria).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Sexta, 07 de março de 2025

(Is 58,1-9; Sl 50[51]; Mt 9,14-15) Sexta depois das Cinzas.

“Os discípulos de João aproximaram-se de Jesus e perguntaram: ‘Por que razão nós e os fariseus

praticamos jejuns, mas os teus discípulos não?’” Mt 9,14.

“A atitude de Jesus em relação aos seus discípulos deixava confundidas certas pessoas. O Mestre orientava-os de forma inusitada; seus ensinamentos não coincidiam com as estritas normas religiosas da época. Ele era suficientemente sensato para não se deixar escravizar por determinadas tradições, nem sempre observadas de maneira conveniente.  O fato de Jesus não exigir dos discípulos a prática do jejum gerava suspeita dos seus opositores. Estes não podiam entender como um rabi passasse por cima de uma tradição tão venerável, e não exigisse dos seus a prática frequente do jejum. A visão de Jesus projetava o jejum para além da pura ascese pessoal. Ele o relacionava com a presença do Messias na história humana. Durante o tempo da vida terrestre do Messias-esposo, não convinha jejuar, para que se patenteasse a alegria de sua presença. Ao se concluir sua missão terrena e Jesus voltar para o Pai, então será tempo de jejuar auspiciando sua nova vinda. A prática cristã do jejum é uma forma de manter-se sempre atento, à espera do Messias que vem. A intemperança no comer e no beber pode levar o cristão a olvidar-se do caminho traçado pelo Senhor, e a buscar uma alegria efêmera. Só vale a pena festejar, quando se tem certeza da presença de Jesus. – Espírito de sabedoria, ensina-me a compreender que a prática do jejum é um meio de preparar-me para a chegada do Messias que vem (Pe. Jaldemir Vitório, sj – O Evangelho nosso de Cada Dia [Ano C] - Paulinas).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Quinta, 06 de março de 2025

(Dt 30,15-20; Sl 01; Lc 9,22-25) Quinta após as Cinzas.

“Com efeito, de que adianta a um homem ganhar o mundo inteiro se se perde e se destrói a si mesmo?”

Lc 9,25.

“Tudo quanto o rodeia no mundo atual instiga você a que consiga mais e mais coisas, mais bens, mais dinheiro, mais posses, mais comodidades. A propaganda comercial, as exigências da sociedade atual de consumo, a inclinação natural ao ócio torturam o coração do homem, inclinando-o à ambição, ao desejo descontrolado de ter mais e mais. Porém, Jesus apresenta-nos a seguinte séria reflexão: ‘Pois que aproveita o homem ganhar o mundo inteiro, se vem a perder-se a si mesmo e se causa a sua própria ruína?’ Quando você partir deste mundo, nada levará consigo mesmo a não ser suas boas ou más obras: as boas para sua tranquilidade, as más para seu tormento. Pense, portanto, se é justo ou acertado que você empregue tanto empenho e tantos esforços e canseiras para os bens que aqui ficam e, por sua vez, seja tão econômico e limitado no que faz bem à sua alma. As coisas não têm importância, o importante é você. As coisas não ultrapassam as barreiras do tempo: você é destinado à eternidade” (Alfonso Milagro – O Evangelho meditado para cada dia do ano – Ave-Maria).

 Pe. João Bosco Vieira Leite

Quarta, 05 de março de 2025

(Jl 2,12-18; Sl 50[51]; 2Cor 5,20—6,2; Mt 6,1-6.18-18) Cinzas.

“... E o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa” Mt 6,18b.

É de considerável consolo para o crente saber que o Pai celestial está presente em todos os momentos de sua vida, e que há de ser ele quem definitivamente recompensa a retidão da vida. Profundo consolo sente-se no mais íntimo da consciência, ao saber que nada se faz sem que se tenha sua recompensa; essa recompensa não nos virá da parte dos homens, ou da sociedade que só podem conhecer o que se vê; para a justiça humana é vedada a interioridade do coração. Porém, quantos atos de virtude, quantos sacrifícios, quantas derrotas, quantas humilhações desconhecidas para todos, mas que Deus tem muito presente e ele se encarregará de dar-lhes a devida recompensa” (Alfonso Milagro – O Evangelho meditado para cada dia do ano – Ave-Maria).

 Pe. João Bosco Vieira Leite

Terça, 04 de março de 2025

(Eclo 35,1-15; Sl 49[50]; Mc 10,28-31) 8ª Semana do Tempo Comum.

“Começou Pedro a dizer a Jesus: ‘Eis que nós deixamos tudo e te seguimos’” Mc 10,28.

“A preocupação de Pedro e dos outros discípulos com a recompensa que haveriam de receber, por serem seguidores de Jesus, tem sua razão de ser. Eles haviam deixado para trás família, profissão, projetos pessoais, para seguir o chamado do Mestre. Quem haveria de garantir-lhes o sustento? Qual seria o futuro deles, já que não estava em jogo o recebimento de benefícios financeiros? A pobreza de Jesus não lhes permitia nutrir ilusões. Ele não podia dar o que não tinha. Segui-lo significava tornar-se pobre como ele. A resposta de Jesus é compreensível à luz da experiência das primeiras comunidades cristãs. Estas conseguiram libertar-se do que possuíam, e se dispuseram a colocar tudo em comum, realizando uma efetiva comunhão de bens e de relações interpessoais. Por isso, quem aderia ao Senhor, mesmo desfazendo-se de seus bens, não corria o risco de ver-se na indigência. A própria comunidade viria em socorro de suas necessidades. Em decorrência disto, quem se tornava discípulo, mesmo tendo deixado tudo, receberia, já neste mundo, o cêntuplo como recompensa, participaria dos bens comuns, e teria sempre alguém para acudi-lo, quando necessário. O seguimento gratuito acaba sendo recompensado. Não segundo os esquemas mundanos de acumulação de bens, mas conforme o esquema de partilha, característico do Reino. – Espírito de gratuidade, que eu saiba reconhecer, nos bens partilhados comigo pelos irmãos e irmãs de fé, a recompensa que o Senhor preparou para mim (Pe. Jaldemir Vitório, sj – O Evangelho nosso de Cada Dia [Ano C] - Paulinas).

Pe. João Bosco Vieira Leite

Segunda, 03 de março de 2025

(Eclo 17,20-28; Sl 32/31; Mc 10,17-27) 8ª Semana do Tempo Comum.

“Os discípulos se admiravam com estas palavras, mas ele disse de novo:

‘Meus filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus!’” Mc 10,24.

“Apesar dos discípulos não serem ricos, ficam assustados com a afirmação de que os que têm riquezas dificilmente entrarão no Reino de Deus. Jesus reage à perplexidade deles com uma provocação ainda maior: ‘É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus’ (10,25). Com essa afirmação chocante, Jesus não pretende condenar a riqueza em si, porque esta não é um mal em si. Ela também vem de Deus. Deus é rico e nos deixa participar de sua riqueza divina. Mas a riqueza traz em si o risco de nos identificarmos com ela e nos escondermos atrás dela. Nesse caso, os bens só servem para reforçar nossa máscara. Ela nos impede de chegar a nosso verdadeiro eu. Podemos compensar nossa falta de autoestima acumulando o maior número possível de bens. Nesse caso, o desenvolvimento de nosso eu fica estagnado. Em vez de progredirmos em nosso caminho, ficamos interiormente paralisados. As posses podem nos deixar possessos, aí passamos a ser dominados pela ganância: queremos possuir cada vez mais. Nunca estamos satisfeitos. Quem se deixa dominar a tal ponto pela riqueza é incapaz de chegar ao Reino de Deus, porque se nega a aceitar o domínio de Deus. Prefere servir a um outro senhor. Como os discípulos se mostrassem espantados com a posição radical de Jesus em relação à riqueza, este lhes indica um caminho alternativo: ‘Para os homens, é impossível, mas para Deus, não, pois a Deus tudo é possível’ (10,27). Deus pode tocar até o coração dos ricos, para que eles se abram ao Reino de Deus. Mesmo aquele que está agarrado a seus bens pode vir a libertar-se de repente desse empecilho por força de alguma experiência aflitiva. Num átimo, ele se dá conta de que existem outros valores, de que o objetivo de sua vida não está na riqueza e sim na entrada no Reino de Deus, em ser rico diante de Deus, em ser regido e plasmado por Deus” (Anselm Grün – Jesus, mestre da salvação – Loyola).

Pe. João Bosco Vieira Leite

 

8º Domingo do Tempo Comum – Ano C

(Eclo 27,5-8; Sl 91[92]; 1Cor 15,54-58; Lc 6,39-45) *

1. O Evangelho de hoje nos dá instruções sobre o reto uso de duas das mais nobres faculdades: o olhar e o falar. Da 1ª nos diz: “Por que vês tu o cisco no olho do teu irmão?”; e da 2ª se diz: “A boca fala do que o coração está cheio”.

2. O Olho é verdadeiramente a lâmpada, ou a luz, o ‘espelho’ da alma. As emoções mais intensas, as paixões mais violentas, as alegrias e as perturbações mais profundas, aquilo que não pode ser traduzido em palavras vem comunicado com os olhos.

3. Muitas coisas mudaram ao longo dos séculos, mas não mudou o alfabeto dos olhos: sorriso, lágrima, medo, espanto, confiança. Mas quantos são verdadeiramente os olhos que funcionam... como olhos? Somente as pessoas psicologicamente maduras sabem usar bem os seus olhos.

4. Jesus é nisso também um modelo insuperável. Sobre todas as coisas lança um olhar amorável e atento. Nos Evangelhos, através dos seus olhos podemos ver, como num filme, o mundo que o circunda. Seu olhar faz viver ou reviver ou chorar. Seus olhos também conheceram as lágrimas.

5. E assim, dentro desse breve quadro podemos entender melhor o que diz o nosso evangelho acerca de algumas disfunções do nosso olhar. A ciência olha o fundo do olho para identificar doenças. Jesus olha os olhos do coração para identificar umas tantas coisas.

6. Ele nos pede o cuidado de não nos deixar guiar por ‘guias cegos’, ou seja, dos que não se deixam guiar pela luz palavra de Deus, mas só pela prudência, ou pior, pela astúcia humana. Lucas se dirige aqui aos que estão à frente da comunidade e aos falsos profetas da comunidade de seu tempo.

7. Mas Jesus faz também uma advertência a todos. Espiritualmente falando, o defeito da vista mais frequente não é a miopia, mas a presbiopia. Miopia é ver bem de perto e mau ao que está distante; a presbiopia, ao contrário, vê bem o que está distante, mas mau o que está perto.

8. Aquele que vê o cisco no olho do irmão, não vê a trave que está no seu. É um que vê distante, mas não vê próximo. Jesus denuncia aqui uma tendência inata ao ser humano que os moralistas antigos ilustravam com a fábula dos dois alforjes de La Fontaine: “Assim são os homens em seu caminhar, é como se eles tivessem colocados dois alforjes: no peito, o alforje com os males alheios; e nas costas, o alforje com os próprios males, de tal modo que eles são cegos com relação aos próprios defeitos, mas enxergam com nitidez os defeitos dos outros”.

9. Temos olhos de lince, nota o autor, nos damos conta dos defeitos do próximo e somos cegos com relação aos nossos. Deveríamos inverter os alforjes. Mas nos lábios de Cristo esse ensinamento assume uma motivação mais profunda.

10. Se tivéssemos em nós um pouco mais de amor e de compaixão, não nos ocuparíamos tanto de olhar o pecado do outro e de condená-lo. Um pouco do que dissemos no domingo anterior quanto ao julgar as ações do outro. Quem tem um pé doente, chagado, certamente não o despreza, nem pede para amputá-lo, mas fará de tudo para salvá-lo, mesmo que esteja próximo da gangrena.

11. “Somos um só corpo e membros uns dos outros” nos lembra Paulo. E isso não exclui a correção a ser feita, só se diz que, antes devemos retirar a trave do nosso olhar. A trave do desprezo, da superioridade. Que não nos mova a ira ou o ressentimento, mas o desejo do bem ao irmão e à própria comunidade ou sociedade.

12. Por fim, lembremos que de cada ação nossa se pode dizer que o fruto é bom ou ruim. Mas no terreno das palavras, daquilo que sai da nossa boca, Jesus ensina a julgar o homem pelas palavras que diz, mas também o julgar as palavras daquele que as diz; ensina a julgar a árvore pelos frutos, mas também os frutos pela árvore.

13. Quando fala de frutos, Jesus não entende só as palavras, mas mais globalmente, todo o modo de comportar-se e de viver. As palavras podem enganar quem não conhece a pessoa, mas não quem convive com ela.

14. Mas Jesus adverte sobre aquilo que está em nosso coração, quando alguém observa o nosso falar, por onde caminha o nosso discurso, aquilo que está em nosso coração naquele momento, que nos perturba ou nos alegra.

15. Tudo isso não são meras observações psicológicas, mas devem servir de critério para julgar a nós mesmos. Aquilo que percebemos quando falamos de alguém, nossa crítica ou sutil ambiguidade, que nos leva a questionar se há amor em nosso coração por aquela pessoa ou tão somente desprezo, ressentimento, inveja.

16. Paulo nos adverte das palavras ‘más’, que saem de nossa boca e nos convida a termos palavras ‘boas’, como essas que Deus dirige a nós. Que edifiquem, que encorajem. Como reza a aclamação ao nosso Evangelho de hoje sobre o nosso testemunho cristão. 

* Com base em texto de Raniero Cantalamessa. 

Pe. João Bosco Vieira Leite