33º Domingo do Tempo Comum – Ano A

(Pr 31,10-13.19-20.30-31; Sl 127[128]; 1Ts 5,5-6; Mt 25,14-30)

1. A 1ª leitura desse domingo contém um célebre elogio à mulher que é necessário prestar atenção, em parte. Este elogio, assim belo, tem um defeito, que não depende obviamente da Bíblia, mas da época em que foi escrito e da cultura que esse reflete.

2. Não é difícil perceber que esse elogio à mulher está inteiramente em função do homem. A conclusão seria: feliz o homem que tem tal mulher. Não creio que as mulheres em nosso tempo seriam muito entusiastas de tal elogio.

3. Para conhecer o verdadeiro e definitivo pensamento da Bíblia a respeito da mulher é necessário olhar a atitude de Jesus para com elas. Que, certamente, na mentalidade atual, não foi ‘feminista’; não fez nenhuma análise ou crítica explícita às instituições ou relações entre classes ou sexos. Sua missão se coloca sobre o plano onde a diferença entre macho e fêmea não tem nenhum peso. Ambos são imagem de Deus, ambos precisam de redenção.

4. E justamente por isso, Jesus é capaz de colocar em evidência as situações atuais de sujeições da mulher em confronto com o homem. Ele é livre diante delas. Diferentemente de todos os outros, não as vê como uma ameaça e isto lhe permite romper tantos preconceitos.

5. Não desdenha de falar com as mulheres, de ensiná-las, de fazê-las discípulas. É elas que se tornam as primeiras testemunhas de sua ressurreição. Jamais saiu de sua boca uma palavra de desprezo ou de ironia com relação à mulher, que era algo comum na cultura do seu tempo impregnada de misoginia, como ainda hoje.

6. Ele cura várias mulheres, restituindo-lhes não só a saúde, mas a própria dignidade. Em Lc 13,10ss temos a emblemática cura de uma mulher encurvada. Que não se trata apenas de uma mulher encurvada, mas de inumeráveis mulheres que caminham encurvadas não por uma doença na espinha dorsal, mas pela opressão a que vivem submetidas em quase todas as culturas. 

7. Esta liberdade, qual esperança contida nas palavras de Jesus: “Mulher, eis que está liberta da tua enfermidade...” é um dos fatos mais positivos da nossa época: a emancipação da mulher e a igualdade de direitos. João Paulo II foi um dos papas a saudar esse novo cenário com uma encíclica sobre a dignidade da Mulher (Mulieris dignitatem). 

8. Isso não quer dizer que todos os problemas foram resolvidos. Em certas áreas culturais, o espírito de escravidão é ainda presente e a libertação da mulher ainda está por se concretizar. Mulheres que depois de um breve período de juventude, tornam-se esposas e mães, reduzidas a escravas: dos maridos, dos filhos, do trabalho; sem alegrias ou beleza.

9. Mas o evangelho não fala de renúncia de si, de mortificação, de abnegação? Não desta forma. Não deste tipo de mortificação. Este estilo de vida não faz viver, impede a alegria e de dar alegria. Empobrece a família. Uma mulher escrava em casa, corresponde comumente a uma amante fora de casa... 

10. Há mulheres reduzidas a uma coisa, a um corpo bonito, instrumentalizadas. Mas sabemos que muitas não são somente vítimas de uma situação, são também, em parte cúmplices. O autor do Gênesis diz logo após a queda de ambos que o desejo da mulher a levará ao encontro do homem e este a dominará.

11. Enfim, se me é permitido dizer, a mulher não deve conceber a vida só em função do homem, não deve apostar todas as suas fichas em tentar ser-lhe agradável e atrair sua atenção e olhar desejoso. Se for tão somente por aí, acabará escrava de alguém que a vê a partir do sexo, e muito pouco mais que isso... 

12. Hoje continua essa discussão de igualdade de direitos entre homens e mulheres. É certamente um sinal dos tempos, uma coisa importante. Mas tal luta não se trava simplesmente sobre a redação de documentos ou leis. Há uma cura profunda que se deve operar a partir do coração tanto da mulher como do homem.

13. E isso se dá a partir desse olhar que Deus tem para cada mulher, da compreensão da sua dignidade e liberdade. Conta-se que a filha de um rei da França tratava duramente sua jovem camareira. Um dia, irritada, lhe disse, “Não sabe você que sou a filha do seu rei?”. A jovem camareira lhe respondeu: “E por um acaso você não sabe que sou filha do seu Deus?”

Pe. João Bosco Vieira Leite