(Et 5,1-2; 7,2-3; Sl 44[45]; Ap 12,1.5.13.15-16; Jo 2,1-11)*
1.
Era uma vez, no século dezoito, um homem do interior de São Paulo que convidou
outros companheiros, gente simples, para pescar. Evidentemente, estes
pescadores paulistas queriam peixes. Não estavam passeando, estavam buscando
almoço e, além disso, algo para vender. Mas quando lançaram as redes nas
profundezas do rio, em vez de encontrar peixe, deram com uma estátua de barro,
preta, quebrada.
2.
Analfabetos como eram, mesmo assim sabiam que era uma imagem da Maria, uma
imagem encontrada no rio deles. Certamente se puseram a perguntar qual o
significado do acontecimento, porque como toda gente simples, reconheciam que o
que acontecia sempre significa algo.
3.
Estamos a uma distância de mais de dois séculos deles, porém podemos fazer a
tentativa de meditar junto com eles sobre esta ‘aparição’ – pois finalmente foi
este o título, a interpretação que deram ao evento – Nossa Senhora Aparecida.
4.
Em primeiro lugar, encontraram a imagem de Maria bem no fundo das águas de seu
rio. Dentro de cada um de nós fluem águas profundas, escuras, misteriosas –
cheias de tesouros, de lembranças pessoais e transpessoais, de sonhos e
pesadelos, de problemas e de verdades naturais, humanas e divinas.
5. O
homem é um microcosmo e todo o universo nada em suas águas. Podemos até afirmar
que nossa vida consiste em uma grande pescaria, descobrindo progressivamente
com a vara da nossa inteligência, amor e intuição, um pouco daquilo que se
encontra em nossas águas. E mesmo sendo nossas, nunca vamos descobrir tudo que
se esconde dentro delas.
6.
Geralmente, quando a gente vai pescar dentro do seu rio, está à busca do grande
peixe – a imagem de Deus dentro de si mesmo. A gente quer entrar em contato com
Deus Pai, ou seu Filho, nosso Salvador ou com o Divino Santo Espírito.
Realmente quem consegue pegar Deus em sua pesca, terá um bom almoço.
7.
Quem no meio da oração, da leitura da Bíblia, da participação na Ceia do
Senhor, toca em Deus, tem todo alimento que precisa. Mas o pescador que vai
todo dia ao rio eventualmente irá perceber outras belezas também, belezas que
refletem algo da suma beleza de Deus, como uma gota reflete o céu.
8.
Ao lado de Deus, Maria é uma gota – mínima e puríssima. Ela é a única criatura
humana, além de Jesus, que nunca pensou em fazer concorrência com Deus e,
portanto, é a pessoa que depois de Jesus melhor reflete a natureza divina.
Quanto menos concorrência, quanto mais humildade, mais semelhança.
9. A
imagem encontrada pelos pescadores era de barro. Isso nos lembra que Maria é
absolutamente humana, absolutamente terrena. Uma terra frutificada pelo
Espírito Santo. Um ser humano que se abriu inteiramente ao plano de Deus, a tal
ponto que Deus pode se sentir totalmente em casa com ela.
10.
Como ser humano, Maria tem corpo, sexualidade, emoções, medos, raivas, limites,
fé, dúvidas, esperanças, desejos e, com tudo isto, ela vai a Deus proclamando:
‘faça-se em mim segundo a Vossa vontade’.
11.
A nossa tendência é pegar a faca da amputação. Tudo que em nós que dá trabalho,
todos os aspectos humanos que necessitam de tempo, oração e confiança para ser
integrado em nossa união com Deus (qual união teríamos sem esses aspectos?)
pretendemos cortar e jogar no lixo. Deus veio ao mundo para salvar e santificar
a nós, sem cortes. O sim de Maria afirma que nenhum movimento do coração ou
corpo humano fica fora da transformação em Cristo.
12.
A imagem de negra cor por eles pescada era consequência do lodo do fundo rio.
As nossas águas interiores, a vida de nosso espírito e mente contém muitos
detritos – preconceitos, projeções, mitologias, antagonismos históricos – e no
correr dos anos, estas coisas tornam escuras as belas e gloriosas imagens
dentro de nós. Quem dentre nós não sabe o quanto nossa imagem de Deus ficou
deturpada? Todas as imagens mais preciosas precisam de uma boa limpeza para ser
contemplada e prezadas como merecem.
13.
Os pescadores encontraram uma imagem. Nós desejamos alcançar realidades. A
nossa vida de oração e meditação é motivada precisamente pelo desejo de passar
das sombras e imagens para a plenitude da verdade. Que o Espírito Santo nos
guie à plena verdade sobre todas as realidades de nossa fé cristã. Que Maria
nos ajude nesse caminhar para Deus.
* Nossa reflexão tem por bases alguns pontos do texto “Pescando em
águas profundas” de Dom Bernardo Bonowitz, OCSO
Pe.
João Bosco Vieira Leite