(Uma reflexão
em torno da afirmação do credo que Jesus ‘desceu aos infernos’ do teólogo Urs
Von Balthasar: )
“’Meu Deus, meu Deus,
por que me abandonaste?’ Como Deus, pode o Cristo na Cruz carregar em si mesmo
este ‘inferno’, esta privação de Deus que é uma das consequências possíveis da
liberdade humana? A única resposta válida, que o homem entregue a si mesmo não
poderia imaginar, é dada quando o Homem-Jesus, o Filho do Deus Vivo, desce aos
infernos onde Deus é ausente, revelando assim que a Liberdade absoluta do Deus
Criador é de fato o Mistério da Trindade de seu Amor. Esse Filho de Deus,
levado pelo livre Amor de Deus, assume como homem a condição mortal da criatura
perdida longe de Deus. Ele penetra no ‘lugar’ de que nenhum homem pode esperar
salvar-se por suas próprias forças: ‘Vós que entrais, deixai aqui toda esperança’
(Dante). Se assim é, eis que se manifesta em Cristo descendo aos infernos a
razão pela qual pode Deus, desde o início, tomar a responsabilidade duma
posição entre Ele e o homem, e qualificá-la de ‘muito boa’. Essa posição entre
Deus, Criador e Pai, e o homem que arrisca a se perder para sempre depois de
ter sido enviado pelo Criador, o Filho; esse vínculo esticado até quase à
ruptura não se rompe, porque ambos, Aquele que envia e Aquele que é enviado,
Aquele que desceu até aos infernos dos homens, são inspirados pelo mesmo amor
absoluto, o Espírito de Deus. Deus deixa o Filho mergulhar na derrelicção,
acompanhando-o até lá, graças ao seu Espírito. O Filho pode se afastar de Deus
e descer aos infernos porque ele vê nessa inciativa uma maneira de manifestar o
seu amor pelo Pai. Ele se mostra de tal modo obediente em seu Amor, que pode
assim experimentar a que ponto o Homem perdido é privado de Deus. É necessário
que a pura passividade que resulta do amor obediente se deixe precipitar nesta
perdição pelo próprio Amor, para que a criatura deixada livre possa ser salva.
A morte perdeu seu aguilhão, o Inferno visitado pelo Cristo é vencido: o
cristão pode olhar em face a Morte em sua terrível realidade, sem, por isso,
renunciar à esperança. Deus entregou seu Filho à perdição, para não abandonar o
homem à solidão de sua derrelicção”.
Pe. João Bosco Vieira Leite