2º Domingo da Quaresma – Ano B

(Gn 22,1-2.9-13.15-18; Sl 115[116B]; Rm 8,31-34; Mc 9,2-10)

1. Um dia, num monte, identificado como Tabor pela tradição, a realidade divina de Jesus, escondida em sua humanidade, foi como que liberada, e Jesus aparece, ao externo, aquilo que na realidade Ele é: a luz do mundo. Nessa atmosfera de paz e felicidade, vem em Pedro o desejo de permanecer.

2. Mas tudo é interrompido ou clarificado por uma voz que revela quem é Jesus e nos manda escutá-lo. Com esta palavra, Deus dá à humanidade Jesus Cristo como seu único e definitivo Mestre. Se esse ‘escutai-o’ tem o peso da autoridade divina, mais ainda tem o de Seu amor pela humanidade.

3. Escutar Jesus, de fato não é só dever e obediência, mas é graça, privilégio, dom. Ele é a verdade: seguindo-o, não podemos enganar-nos; é amor: não busca outra coisa senão a nossa felicidade. É sobre essa escuta, que hoje, novamente, vamos refletir.

4. Somos cientes que estamos inclusos nesse mandamento e automaticamente nos perguntamos: Onde fala Jesus hoje, para podermos escutá-lo?

5. Jesus nos fala, antes de tudo, através da nossa consciência. Nos fala quando ela nos reprova alguma coisa de mal que fizemos ou mesmo quando nos encoraja ao bem que devemos fazer. Ele nos fala por seu Espírito. A consciência faz ecoar a voz de Deus em nós.

6. Mas ela só não basta. É fácil fazê-la dizer o que nos agrada escutar. Ela pode ser deformada ou mesmo calada pelo nosso egoísmo. Ela precisa ser iluminada e sustentada pelo Evangelho e pelo ensinamento da Igreja.

7. O Evangelho é o lugar por excelência que Jesus nos fala hoje. Muitos já fizeram essa experiência em sua vida. Mesmo tomados por tantas distrações, em momentos de crise, a palavra do Evangelho é a única que está à altura do nosso problema e tem algo a nos dizer. Todas as outras palavras soam vazias e nos deixam sós, presos aos nossos problemas. 

8. Graças ao seu Evangelho, Jesus fala e é escutado, muitas vezes até por quem não é seu discípulo. A dinâmica da ‘não-violência’ adotada por Gandhi foi inspirada nas Bem-aventuranças, revela ele mesmo em sua correspondência a Tolstoy, o escritor russo. O próprio Engels, revolucionário alemão, reconhece no Evangelho a fonte inspiradora de alguns dos princípios mais validos da sua doutrina social.

9. Essas situações são exceções. O lugar ordinário da fala de Jesus é a própria Igreja, através da sua tradição e do magistério dos sucessores dos apóstolos. A Igreja nos assegura a autêntica interpretação do Evangelho, por isso devemos buscar conhecer a sua doutrina, em primeira mão e não pela interpretação que faz os meios de comunicação, por vezes distorcida e redutiva.

10. É falando dessa atitude de escuta que é preciso lembrar também onde Ele não nos fala: através de magos, adivinhos, cartomantes, horóscopos, mensagens extraterrestes, mesas espíritas e ocultismo. O Antigo Testamento sempre nos lembra que Deus abomina tais práticas pagãs (Dt 18,10-12).

11. Escutar verdadeiramente a Jesus significa direcionar, pela fé, a quem devemos escutar. Há um só mediador entre Deus e o ser humano. Em Cristo encontramos todas as respostas. Quando diminui a verdadeira fé, aumenta a superstição.

12. Em muitos, particularmente nos jovens, se cria uma espécie de mentalidade de que o sucesso na vida não depende do esforço, da aplicação no estudo e constância no trabalho, mas de fatores externos, imponderáveis; a ponto de buscar certos poderes em vantagem própria. E o pior é quando induz a pensar que para o bem ou para o mal, a responsabilidade não é nossa, mas das estrelas...

13. Devemos estar atentos a esse campo de revelações privadas, mensagens celestes, aparições e vozes de várias naturezas. Não estou dizendo que Jesus ou a Virgem não possam falar através desses meios. O fizeram no passado e podem fazê-lo ainda hoje. Mas é preciso estar atentos àqueles que falam a partir de certas fantasias ou que especulam sobre a boa fé do povo. É preciso buscar garantias, particularmente o parecer da própria Igreja.

14. São João da Cruz nos diz que, em Jesus, Deus já disse tudo. Quem pede novas revelações ou respostas O ofende, como se ainda não tivesse explicado claramente. Escutá-lo é ler o Evangelho. Desçamos também nós do nosso pequeno Tabor, levando no coração esse convite que Deus nos faz: “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!”   

Pe. João Bosco Vieira Leite